Rede de Sementes do Cerrado é essencial para recuperação do bioma .

 rede de sementes do cerrado

Fomento à coleta de sementes é fundamental para que o Brasil cumpra o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares de paisagens naturais até 2030.

Por Sandra Miyashiro e Rita Silva

Um dos biomas mais ameaçados do mundo, o Cerrado já perdeu 50% de sua área de vegetação original e teve cerca de 80% de sua superfície modificada pela ação humana.

De acordo com especialistas, a destruição é tão grande que já não basta apenas deter o desmatamento: é preciso também restaurar os ecossistemas afetados. O Cerrado possui 35 milhões de hectares de pastagens degradadas – e parte importante dessas áreas pode ser usada para restauração.

O restabelecimento da vegetação perdida em áreas tão vastas requer toneladas de sementes nativas, organizações da sociedade civil e comunidades locais estão se unindo para multiplicar e fortalecer as redes de sementes. O fomento a esse tipo de atividade é essencial para que o Brasil cumpra o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares de paisagens naturais até 2030.

De acordo com Thiago Belote, líder de restauração do WWF-Brasil, as redes de coletores de sementes são essenciais para a garantia dos direitos de povos indígenas e tradicionais e de agricultores familiares aos seus territórios, promovendo melhoria de qualidade de vida e uma economia sustentável com geração de trabalho e renda na cadeia produtiva da restauração.

A cadeia da restauração da vegetação nativa tem vários elos que vão desde a coleta de sementes, passando pelas atividades de plantio até o acompanhamento para o restabelecimento da vegetação original, que é a meta final. Nessa cadeia, o elo mais frágil são os grupos de coletores e as redes de sementes. Mas esse é também o elo mais importante e mais inclusivo, por envolver na recuperação do Cerrado comunidades invisibilizadas, tradicionais e vulneráveis, e a restauração acaba por gerar renda e mais dignidade para eles”, comenta.

Restauração da Vegetação Nativa foi um dos focos da 16ª COP de Biodiversidade, que aconteceu em Cali, na Colômbia. Depois de anos negociando um acordo global que permita reverter a tendência acentuada de perda da biodiversidade em todo o planeta, líderes mundiais estão reunidos para avaliar se o progresso feito até aqui é suficiente para o alcance das metas do Marco Global de Biodiversidade (GBF, na sigla em inglês). A restauração é um dos caminhos.

Redes de sementes

No Cerrado, o WWF-Brasil tem parcerias ativas com a Rede de Sementes do Cerrado, a Associação Cerrado de Pé e está apoiando também a formação da Rede de Sementes Flor do Cerrado, na Bacia do Alto Paraguai, uma região que abrange parte de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso e que faz parte da estratégia do WWF-Brasil para consolidação da cadeia da restauração nas Cabeceiras do Pantanal. O WWF-Brasil também iniciou este ano uma colaboração com o Redário, uma espécie de “rede das redes de sementes”, que conecta 25 redes de sementes no Brasil – oito delas no Cerrado -, que trabalham de forma colaborativa, apoiando as redes de sementes com assistência técnica, inovação tecnológica e apoio organizacional. O WWF-Brasil apoia a governança desse sistema repassando recursos para a Rede de Sementes do Cerrado, que faz parte da coordenação do Redário.

Flor do Cerrado

Moradora da Comunidade quilombola de Furnas da Boa Sorte, no interior de Mato Grosso do Sul, Adriana Maciel é uma das coletoras que integram a mais nova dessas redes, a Rede de Sementes Flor do Cerrado. Por meio da rede, o produto é vendido para projetos dedicados à restauração de áreas degradadas do bioma.

“Aqui na nossa comunidade, 22 coletoras integram a Flor do Cerrado. Desde o ano passado, estamos coletando sementes sem parar e não paramos de vender. Além de ajudar a restaurar o Cerrado, conseguimos complementar a nossa renda sem a necessidade de abrir mão do convívio com nossos filhos”, conta Adriana.

Ela explica que, antes do início das atividades da Rede de Sementes Flor do Cerrado, em 2022, as mulheres da comunidade recebiam o Bolsa Família, mas precisavam complementar essa renda trabalhando em cidades próximas como diaristas ou ajudantes de cozinha. Muitas delas saiam às 6 horas da manhã e só voltavam às 9 ou 10 horas da noite e precisavam deixar os filhos com as avós ou vizinhos.

“Agora nós coletamos as sementes enquanto as crianças estão na escola. Eu consigo ganhar em torno de R$ 1.800 com a venda das sementes. Com isso, essas mães conseguem comprar alimento e algumas coisinhas para a casa, como sofá, geladeira. O trabalho de coleta de sementes é muito importante para nós, mudou muito nossas vidas”, salienta Adriana.

Letícia Koutchin, mobilizadora social e comercial da Flor do Cerrado, destaca que a rede já conta com 105 coletores em quatro comunidades em diferentes regiões do estado: “O protagonismo feminino é um dos pilares da Rede de Sementes Flor do Cerrado. Quase 60% dos coletores são mulheres e, no caso delas, a principal fonte de renda é a coleta de sementes”.

Flávia Araujo, analista de conservação do WWF-Brasil, ressalta que “a atuação das mulheres na Rede de Sementes Flor do Cerrado evidencia a força feminina na restauração, não apenas gerando renda, mas também fortalecendo o protagonismo das comunidades locais na conservação deste importante bioma”.

Além dos coletores da Comunidade Quilombola Furnas da Boa Sorte, fazem parte da rede o grupo de coletores do Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado (Ceppec), associação sediada no Assentamento Andalucia e que engloba coletores da região de Nioaque, além de coletores do Assentamento Alambari, em Sidrolândia, e da Comunidade Quilombola Santa Tereza, em Figueirão.

“Todos os grupos tiveram cursos de coleta de sementes e beneficiamento de espécies e, até julho de 2024, já haviam sido coletadas 7,6 toneladas de sementes de 171 espécies, incluindo baru, acuri, bocaiúva, jatobá e araticum liso”, afirma Letícia.

As Cabeceiras do Pantanal são uma paisagem prioritária para o WWF-Brasil. Ali, há necessidade de restaurar mais de 400 mil hectares somente em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Nos últimos dois anos, o WWF-Brasil apoiou o desenvolvimento da Rede com a elaboração de um planejamento estratégico, a realização de mais de 8 cursos e 3 oficinas, além da compra de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para todos os coletores cadastrados na Rede.

Autonomia no foco

Amadurecer as redes de coletores e torná-las autônomas é também um dos objetivos da Rede de Sementes do Cerrado, que atua há 20 anos no bioma e reúne atualmente sete grupos comunitários de coletores.

“Ligamos as duas pontas da cadeia, da produção da semente até a restauração, para fazer com que o processo deslanche. No meio disso, tem pesquisa, capacitação, levantamento de recursos e política pública”, afirma Anabele Gomes, presidente da rede. Ela explica que as associações parceiras mais fortalecidas e consolidadas hoje no bioma são a Cerrado de Pé, na Chapada dos Veadeiros – que é a mais antiga de todas -, e a Rede de Coletores Geraizeiros, que atua na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, no norte de Minas Gerais. A Associação Cerrado de Pé, por exemplo, gerou mais de R$ 1,5 milhão com a venda de sementes no ano passado, beneficiando 150 coletores.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

Manguezais brasileiros têm potencial de gerar R$ 48 bilhões em créditos de carbono .

 manguezal

Além da grande capacidade para reter carbono, manguezais são berçários para espécies marinhas e contribuem com a geração de trabalho e renda para comunidades costeiras.

Aquicultura e agricultura para a produção de commodities, poluição, desmatamento, expansão imobiliária desordenada e pesca irresponsável são as principais ameaças aos manguezais.

Os manguezais do Brasil armazenam 1,9 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o que representa um potencial para render ao menos R$ 48,9 bilhões em crédito de carbono, conforme o praticado no mercado voluntário brasileiro. Com a regulamentação do mercado, o valor pode chegar a até R$ 1,067 trilhão, estimulando a transição para uma economia de baixo carbono.

Os cálculos fazem parte do estudo inédito “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais”, realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul, desenvolvido pela ONG Guardiões do Mar, do Rio de Janeiro. A publicação foi lançada durante a programação oficial da 16ª Conferência de Biodiversidade da ONU (COP 16), que ocorre em Cali, na Colômbia.

O estudo, o primeiro nessa escala a calcular e valorar a capacidade de sequestro de carbono pelos manguezais no Brasil, identificou a presença de 1.390.664 hectares de manguezais ao longo da costa brasileira – área equivalente a nove cidades de São Paulo ou 11 cidades do Rio de Janeiro. “Os manguezais possuem extraordinário potencial de retenção de carbono, o que pode ser convertido em renda em um mundo que precisa ser descarbonizado para minimizar e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. Mas, além disso, esse ecossistema desempenha importante papel no equilíbrio ecológico, na proteção costeira, na manutenção de estoques pesqueiros e em atividades econômicas, como a pesca e o turismo”, afirma a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes.

No mercado voluntário brasileiro, a tonelada de CO2 já foi negociada a R$ 25,85, considerando a cotação de R$ 5,62 para cada dólar. Entretanto, a valoração pode chegar ao patamar de R$ 562,00 por tonelada em um cenário de transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, considerando o aumento médio anual de 2,9 milhões de toneladas do estoque de carbono azul no Brasil, com base na precificação do mercado voluntário, os pesquisadores estimam um incremento de R$ 75,2 milhões a cada ano. Valor que pode chegar a R$ 1,6 bilhão anuais diante de uma precificação potencial.

Os pesquisadores ressaltam que esse crescimento médio foi o comportamento verificado nos últimos 27 anos, mas ele não é linear. É preciso colocar em perspectiva para projetar o futuro. O sequestro de carbono pela vegetação tende a ser maior em vegetações novas ou em fase de regeneração. À medida que as plantas amadurecem, essa capacidade se estabiliza, reduzindo o potencial de absorção.

O trabalho identificou e atualizou informações sobre as áreas de manguezal no Brasil por meio da interpretação visual e classificação automática de imagens de satélite, partindo de uma base de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de 2018. “Com imagens temporais da plataforma Google Earth Engine traçamos parâmetros para avaliar o estado de conservação das áreas e o índice de vegetação associado para auxiliar nos cálculos de estoque de carbono, entendendo a quantidade de dióxido de carbono que é acumulado em cada estrutura das florestas de manguezal”, explica Laís de Oliveira, líder executiva do projeto Cazul, uma das responsáveis pelo estudo. “Para chegar ao valor, analisamos a viabilidade econômica dos estoques e as práticas adotadas, traçando dois cenários para a valoração: um relacionado à prática atual e outro relacionado com o que espera-se do mercado de carbono em um mundo em transformação climática e que requer novos estímulos para ações práticas”, completa.

Realidade brasileira

O Brasil, que possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta, conta com a maior faixa contínua do ecossistema no mundo, localizada na costa Amazônica. Apesar de representar uma grande proporção em relação a outros países, esses ecossistemas ocupam apenas 0,13% do território brasileiro. Estima-se que cerca de 25% da vegetação original dos manguezais do país já foi perdida.

A partir do conhecimento gerado neste estudo, esperamos inspirar ações concretas a favor da proteção e conservação desse ecossistema costeiro-marinho vital para a saúde do planeta e de suas comunidades. Políticas e planos de adaptação às mudanças do clima, gestão de riscos e desenvolvimento costeiro devem incluir medidas para proteger, conservar e restaurar manguezais. Essas ações merecem a atenção de tomadores de decisão, iniciativa privada e de toda a sociedade”, frisa Malu.

O estudo identificou que os manguezais estão presentes em 300 municípios brasileiros – principalmente nas regiões Norte e Nordeste, especialmente no Pará, Maranhão e Amapá -; concentrando 40 milhões de pessoas. Em relação aos biomas, 75% estão conectados com a Amazônia, 18% com a Mata Atlântica, 5% com o Cerrado e 2% com a Caatinga.

Principais ameaças

De acordo com o relatório O Estado dos Manguezais do Mundo 2022, em um período de 24 anos, de 1996 a 2020, o mundo perdeu 5.245 quilômetros quadrados de manguezais, área equivalente a sete cidades de Nova Iorque (EUA) ou o tamanho do Distrito Federal (Brasil). Foi de 152.604 para 147.359 quilômetros quadrados. Estima-se que 60% das perdas de manguezais foram ocasionadas por ações humanas.

As principais causas são a produção de commodities na aquicultura e agricultura, alterando áreas de manguezal para cultivar camarões, peixes, arroz e palma; o desmatamento para extração de carvão vegetal e madeira; o desenvolvimento urbano, com construções indevidas em áreas de manguezal; técnicas predatórias de pesca, como a pesca de arrasto e sem respeitar períodos de defeso das espécies; a poluição provocada por resíduos químicos, agrotóxicos, derramamentos de óleo, lixo e esgoto; o aumento do nível do mar e outras influências relacionadas às mudanças do clima.

Apenas cinco países concentram cerca de 50% das áreas de manguezais do mundo: Indonésia (20% do total), Brasil (8%), México (7%), Austrália (7%) e Nigéria (6%). No mundo, os manguezais estocam 22,86 bilhões de toneladas de CO2, segundo a Global Mangrove Alliance.

Soluções e serviços oferecidos pelos manguezais

Berçário para a vida marinha em meio à intrincada rede de raízes aéreas e submersas e ambiente rico em nutrientes.  Manutenção de estoques pesqueiros  Potencial Econômico + Renda para comunidades locais + Segurança alimentar

Suporte à biodiversidade e ao equilíbrio ecológico, oferecendo ambiente de descanso, alimentação e reprodução para diversos animais, como aves e mamíferos.

Filtros naturais, com raízes que impedem a chegada de resíduos ao mar aberto, favorecendo a qualidade da água em regiões próximas e a saúde de outros ecossistemas, como os recifes de corais.

Engenheiros ecossistêmicos na proteção e resiliência de comunidades costeiras e da infraestrutura urbana contra a erosão costeira, o avanço do mar e a intrusão salina (entrada de água salgada em ambientes de água doce), além de elevar o nível do solo com a retenção de sedimentos, podendo acompanhar o aumento do nível do mar em algumas ocasiões.

US$ 65 bilhões em danos patrimoniais evitados todos os anos no mundo com a atuação dos manguezais. (Fonte: Global Mangrove Alliance)

Amortecedores da força e altura das ondas, marés, ventos e tempestades, servindo como obstáculo e uma primeira linha de defesa contra inundações.

100 metros de floresta reduzem a energia da onda em dois terços
15 milhões 
de pessoas no mundo são beneficiadas pela redução no risco de inundações oferecida pelos manguezais.

Estoque de Carbono Azul, com maior retenção de carbono no solo pobre em oxigênio e em sua estrutura devido à desaceleração do processo de decomposição.

Conexão cultural, com saberes ancestrais mantidos por povos tradicionais (ribeirinhos, pescadores, catadores de caranguejo, indígenas e quilombolas). Inspiração para festividades, religiosidade, gastronomia, folclore, trabalho e economia. Destaque para o movimento músico-cultural manguebeat pernambucano; as festividades dos quilombos do Maranhão; o festival da pesca do caranguejo na Ilha de Marajó, no Pará; os cultos à Iemanjá e Nanã no candomblé e na umbanda; entre outros.

Outros estudos
A publicação sobre o Carbono Azul dos Manguezais integra a coleção Oceano sem Mistérios, desenvolvida no âmbito do Conexão Oceano, iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza dedicada à popularização da importância do oceano e seus ecossistemas. Conheça as outras publicações:

Oceano Sem Mistérios – Desvendando os Recifes de Corais
Estudo de valoração sobre os recifes de corais brasileiros, lançado em 2023
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Oceano Sem Mistérios – Construindo Cidades Azuis
Apresenta iniciativas, projetos e ações que valorizam a sustentabilidade do oceano, lançado em 2023
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Oceano Sem Mistérios – A Relação dos Brasileiros com o Mar
Pesquisa de opinião com a população brasileira sobre cultura oceânica, lançada em 2022
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Oceano Sem Mistérios – Desvendando os Manguezais
Estudo que usa os manguezais como exemplo para dar dicas de comunicação, lançado em 2021
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394