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segunda-feira, 25 de maio de 2020
terça-feira, 19 de maio de 2020
FAMÍLIAS DE FILHO ÚNICO, DECRESCIEMENTO POPULACIONAL E REGENERAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS.
Famílias de filho único, decrescimento populacional e regeneração dos ecossistemas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Nosso trabalho é promover uma transição demográfica mundial e aplainar a curva exponencial – eliminando a pobreza extrema, disponibilizando amplamente métodos
seguros e eficazes de controle de natalidade e ampliando o poder político real das mulheres”
Carl Sagan (1934-1996)
[EcoDebate] A taxa total de fecundidade (TFT) global que era de 5 filhos por mulher em meados do século passado caiu pela metade, em poucas décadas, e atualmente está em torno de 2,5 filhos por mulher no mundo. A Divisão de População da ONU, na projeção média, estima que a TFT vai cair para 2 filhos até o final do século e a população mundial vai ficar em torno de 11 bilhões de habitantes em 2100.
Mas acontece que a população mundial já ultrapassou a capacidade de carga da Terra desde a década de 1970. A cada dia aumenta a sobrecarga e cresce a degradação ambiental. O aquecimento global se tornou uma ameaça existencial para a humanidade e a 6ª extinção em massa das espécies não humanas está fazendo do Antropoceno uma época de extermínio, sendo que o ecocídio é também um suicídio.
Para lidar com o problema da superpopulação, existe uma proposta de incentivar a universalização da família de filho único. Na verdade, no mundo já existem cerca de 20% das mulheres sem filho, se houver 60% das mulheres com 1 filho e 20% de mulheres com 2 filhos, o resultado é uma TFT de 1 filho por mulher. Como mostra o gráfico abaixo, enquanto as projeções da ONU indicam uma população de 11 milhões de pessoas em 2100, uma TFT de 2 filhos (dois filhos em média por família) levaria a população para 9 bilhões de habitantes em 2200 e uma TFT de 1 filho (famílias de filho único) levaria a população mundial para menos de 1 bilhão de habitantes em 2200.
Esta proposta de família de filho único é apoiada pelo demógrafo e ambientalista Português, João Luís Ramalho Abegão, que eu seu livro “Atlas da Superpopulação Humana” defende a ideia de que existe uma superpopulação no mundo e que é necessário um decrescimento demográfico para evitar um colapso ambiental. Na introdução ele diz:
“Neste primeiro volume do Atlas da Superpopulação Humana, o leitor é apresentado a uma compilação da literatura científica, bem como à argumentação persuasiva de uma série de especialistas, com a intenção de defender que muitos dos sintomas ecológicos, ambientais, sociológicos, as condições geopolíticas e econômicas que contaminaram nosso mundo, têm uma causa raiz ou podem estar, indubitavelmente, ligadas a nosso vasto e crescente número de pessoas. E como não pôde? Todo novo passageiro humano nesta Terra vem equipado com os requisitos necessários que precisam ser atendidos para salvaguardar sua existência e seu florescimento. Essa pessoa exigirá comida, água, abrigo, roupas, energia, materiais, tecnologia, transporte, infraestrutura, espaço e segurança e, por sua vez, descartará resíduos, alterará habitats e poluirá a atmosfera, o solo e os cursos de água. Mesmo que cada ser humano contribua de uma maneira quase imperceptível, 7,6 bilhões são um número tremendo que nossa mente nem sequer pode começar a conceituar, com todos esses impactos triviais totalizando transformações profundas. O Atlas da Superpopulação Humana descreve esses desvios”.
A campanha “One Planet One Child” pretende criar uma conscientização pública mais ampla de que o mundo está superpovoado, que o problema é solucionável e que a solução humana é escolher famílias menores. Sem dúvida, a queda das taxas de fecundidade estão relacionadas com projeções menores para a população global no futuro.
Para se avaliar com detalhe o efeito das baixas taxas de fecundidade sobre o futuro da população mundial no longo prazo, o trabalho dos pesquisadores do International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA), ajuda a entender as projeções de longo prazo (2000 a 2300) que funcionam como um exercício para análise de cenários futuros. As projeções por idade e sexo levaram em consideração um amplo conjunto de hipóteses de fecundidade e três cenários de mortalidade com base em expectativa de vida máxima de 90, 100 e 110 anos.
Em artigo publicado na Demographic Research, em 30 de maio de 2013, os demógrafos Stuart Basten, Wolfgang Lutz e Sergei Scherbov apresentam uma síntese do relatório. Utilizando o cenário de expectativa de vida de 90 anos (Eo = 90), segundo as diversas variações na Taxa de Fecundidade Total (TFT), percebemos que a população mundial em 2000, que era de 6,05 bilhões de habitantes e a TFT era de 2,53 filhos por mulher, chegaria a 15,1 bilhões de habitantes em 2100, a 33,5 bilhões em 2200 e 71,0 bilhões de habitantes em 2300. Evidentemente, o Planeta não suportaria nada parecido com isto. Caso a TFT caia para 2 filhos por mulher, a população mundial chegaria a 10,3 bilhões em 2100, a 9,9 bilhões em 2200 e a 9,0 bilhões de habitantes em 2300, conforme a tabela abaixo.
Uma queda da taxa de fecundidade para 1,5 filho por mulher faria a população mundial chegar a 6,8 bilhões em 2100, 2,3 bilhões em 2200 e 720 milhões de habitantes em 2300. Ou seja, uma TFT de 1,5 filho seria o suficiente para fazer a população (que em 2020 está em 7,8 bilhões de habitantes) cair ao longo do atual século e chegar a menos de 1 bilhão de habitantes em 2300.
No caso das famílias de média de filho único (TFT = 1 filho) a população cairia rapidamente para 4,4 bilhões de habitantes em 2100 e para 1,34 bilhão de habitantes em 2150. Num cenário de catástrofe ambiental esta seria uma forma de permitir a sobrevivência da humanidade com um volume bem menor de pessoas. Chegando neste ponto, a TFT poderia aumentar, pois na continuidade da TFT de 1 filho, o volume populacional global chegaria a 37 milhões em 2200 e ficaria do tamanho (30 milhões) da região metropolitana de Tóquio em 2300.
Em síntese, a população mundial em 2300 pode variar de 71 bilhões (na hipótese de TFT de 2,5 filhos por mulher) para 720 milhões de habitantes (na hipótese de TFT de 1,5 filho por mulher) ou praticamente chegar a zero e desaparecer (na hipótese de TFT de 0,75 filho por mulher). Pequenas variações nas taxas de fecundidade provocam grandes alterações no volume da população no longo prazo, quer se denomine o fenômeno da explosão ou implosão demográfica ou qualquer outro nome.
O fato é que o futuro demográfico está aberto e vai depender das decisões tomadas e efetivadas nas próximas décadas e das inter-relações entre população, desenvolvimento e meio ambiente. E é inquestionável que o crescimento demoeconômico está empobrecendo os ecossistemas e destruindo a vida selvagem no Planeta. Contudo, a extinção dos polinizadores – com as abelhas – pode gerar uma grande crise agrícola e eliminar ou diminuir muito a cobertura vegetal do Planeta. Sem abelhas o mundo pode caminhar para um deserto.
Mas com a redução da população humana – a principal espécie predadora das espécies na Terra – a vida selvagem poderá se recuperar. Como escrevi em outro artigo (Alves, 02/10/2019), o mundo seria mais próspero e feliz com menos gente e mais árvores (e toda a biodiversidade que as florestas comportam).
Desta forma, a perspectiva do decrescimento demoeconômico é o primeiro passo para o equilíbrio homeostático da economia e do ambiente. Mas é preciso ir além, já que os seres humanos precisam recuperar grande parte do que foi destruído e reverter a tendência à 6ª extinção em massa das espécies.
Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability?, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Em vez de desenvolvimento sustentável é preciso avançar no desenvolvimento regenerativo.
Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável porque sustentou o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é “coevolução da mutualidade”.
A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos Estados e dos Impérios.
O diagrama abaixo mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.
Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de mais de 7 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.
Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.
Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo prazo.
Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018)
A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do mundo e, para tanto, é fundamental o decrescimento demográfico.
Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na renovabilidade e na neutralidade do carbono.
Reduzir o ritmo de crescimento da população mundial é uma necessidade imperiosa. Vale ressaltar a opinião de Andrew Hwang (09/07/2018): “Como matemático, acredito que reduzir substancialmente a taxa de natalidade é nossa melhor perspectiva para elevar os padrões de vida globais. Como cidadão, acredito que estimular o comportamento humano, incentivando famílias menores, é a nossa esperança mais humana”.
Desta forma, a opção pela descarbonização da economia e pelo decrescimento demoeconômico aliado à bioeconomia e à regeneração ecológica permitiria colocar a humanidade em um espaço seguro no Planeta, possibilitando não somente a sustentabilidade, mas também a recuperação dos danos causados no passado, além de viabilizar a reselvagerização do mundo, para evitar o ecocídio e o colapso ambiental e civilizacional.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica, Ecodebate, 06/06/2018
ALVES, JED. Mais árvores e menos gente, Ecodebate, 02/10/2019
Daniel Christian Wahl. Beyond Sustainability? — We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018
Stuart Basten, Wolfgang Lutz, Sergei Scherbov. Very long range global population scenarios to 2300 and the implications of sustained low fertility. Demographic Research, V. 28, Art 39, 2013, p. 1145-1166 http://www.demographic-research.org/volumes/vol28/39/
João LR Abegão. Human Overpopulation Atlas, Portugal, 2020
Andrew Hwang. 7.5 billion and counting: How many humans can the Earth support? The Conversation, 09/07/2018
Human Overpopulation Atlas, Site: https://www.overpopulationatlas.com/
One Planet, One Child Billboard Campaign https://fundrazr.com/oneplanetonechild?ref=fb_d8jG46_ab_0lpiPD7DZ5Y0lpiPD7DZ5Y
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/05/2020Conversation, 09/07/2018
Human Overpopulation Atlas, Site: https://www.overpopulationatlas.com/
One Planet, One Child Billboard Campaign https://fundrazr.com/oneplanetonechild?ref=fb_d8jG46_ab_0lpiPD7DZ5Y0lpiPD7DZ5Y
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/05/2020
A ERA DA INCERTEZA.
A Era da Incerteza, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] O século XXI pode ser chamado de “Era da Incerteza”, ou também de Era da Ansiedade, já que as pessoas sentem falta de ter “certezas” para ficarem tranquilas. A “capacidade de conviver com a incerteza” é a habilidade psicológica mais importante que você precisa desenvolver, diante do excesso de informações, de alternativas, de decisões a serem tomadas diante de inúmeros problemas e múltiplas possibilidades que surgem diariamente. A angústia da incerteza leva a buscar certezas, eleger verdades e lutar contra outras formas de pensar, fazendo inimigos.
“Se você não está confuso, está mail informado” é a frase que melhor define o emaranhado de informações contraditórias que recebe o tempo todo. Terapeutas de família ressaltam as dicotomias da vida moderna, onde a pessoa é cobrada (pelos padrões sociais vigentes) para sair de casa e ser “competitivo” para ser “vencedor” no trabalho, mas ao chegar em casa tem de ser “agregador” para ser “harmonioso” com sua família.
Em poucas décadas, o mundo mudou totalmente. O século XXI é cada vez mais “virtual”, o que começou com comunicações pela internet, passou a influenciar os relacionamentos (hoje mais da metade dos relacionamentos iniciam pelas redes sociais) e desagua agora no teletrabalho e a telemedicina, que já vinham se desenvolvendo no mundo inteiro e foram acelerados, agora, pela pandemia.
O cérebro humano não acompanha tantas mudanças, não assimila tão rapidamente, eis que somos uma espécie de milhares de anos de evolução, com um sistema nervoso programado para reações de “luta e fuga” que nos protegiam desde os tempos de brigar com outros animais pela sobrevivência. Ainda estamos brigando com “outros animais”, mas agora eles são invisíveis (os vírus) e nossas “armas” contra eles são outras, a inteligência, a ciência e o equilíbrio emocional para as condutas necessárias a esse enfrentamento. Em vez brigas físicas, precisamos racionalidade.
Não precisarmos mais brigar com outras espécies animais do nosso tamanho ou maiores, pela sobrevivência, usamos agora essa energia e raiva pelas frustrações para direcionar nossa energia contra inimigos humanos, buscando polêmicas onde possamos escolher um grupo de “amigos” para nos unirmos contra os “inimigos” que escolhemos para combater.
Muitas “reações de luta e fuga”, instigadas pela nossa produção de adrenalina, ao invés de resolver problemas nos criam mais problemas, nos dias de hoje, mas vai levar muito tempo para nosso cérebro ser “reprogramado” pela evolução para modos de funcionamento mais inteligente, científico e estratégico para a nossa felicidade. Se não podemos mudar nosso cérebro, podemos compreender como ele funciona e fugir de suas armadilhas.
A busca por “certezas”, que nos lega a eleger verdades e inimigos, pode ser substituída por aprender a conviver com incertezas
Montserrat Martins, Médico, autor de “Em busca da Alma do Brasil”
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/05/2020
domingo, 17 de maio de 2020
O DEGELO DO ÁRTICO E AS EMISSÕES DO PERMAFROST.
O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A crise climática é a ameaça mais urgente do nosso tempo”
The Guardian
[EcoDebate] Não existem mais dúvidas sobre o aquecimento global provocado pela emissão de gases de efeito estufa. Os últimos 6 anos (2014-19) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois vai deixar amplas áreas da Terra inóspitas ou inabitáveis.
As figuras abaixo (NSIDC da Nasa) mostram a extensão do gelo do Ártico nos meses de março e setembro de 2019. Para o mês de março (auge do gelo do inverno no hemisfério setentrional), a média do período 1981-2010 foi de 15,4 milhões de km2 (quase o dobro da extensão do Brasil), mas caiu para 14,6 milhões de km2 em março de 2019. Para o mês de setembro (mínimo do gelo no verão), a média do período 1981-2010 foi de 6,4 milhões de km2, mas foi de 4,3 milhões de km2 em setembro de 2019.
Os gráficos abaixo mostram que a perda de gelo no inverno tem ocorrido no ritmo de -2,7% por década (gastaria cerca de 330 anos para desaparecer completamente), mas no verão a taxa de perda está em 12,9% por década (o que levaria à perda total de gelo no verão antes do fim do atual século). Já é possível navegar tranquilamente nos verões do polo norte, o que é bom para os interesses econômicos do comércio, mas é péssimo para o meio ambiente.
Em dezembro de 2019, a NOAA, a principal agência de ciência climática dos EUA, lançou seu Boletim Arctic Report Card, atualizando os dados sobre o polo norte. Os resultados foram sombrios: focas mortas, declínio da pesca, algas florescendo em uma área do tamanho da Califórnia e dificuldades para as comunidades indígenas que dependem de um ecossistema saudável para a sobrevivência. Com menos gelo para refletir a luz do sol, o clima do Ártico está esquentando duas vezes mais rápido que a média global. O colapso do Ártico não é novidade para ninguém familiarizado com a crise climática. Mas duas coisas mereceram destaque.
A primeira é que o Ártico pode ter cruzado um importante limiar climático, fazendo com que as vastas extensões de permafrost da região (basicamente solo congelado) comecem a derreter, liberando carbono orgânico que até agora estava armazenado no solo. O relatório conclui que o derretimento do permafrost está liberando entre 1,1 e 1,2 bilhão de toneladas de CO2 a cada ano, que é aproximadamente as emissões anuais combinadas da Rússia e do Japão. E se o aquecimento continuar, isso poderá acelerar, com consequências catastróficas (é o que se chama de “bomba permafrost”). Os cientistas estimam que aproximadamente 1.460 a 1.600 bilhões de toneladas métricas de carbono orgânico são armazenadas em solos árticos congelados, quase o dobro da quantidade de gases de efeito estufa contidos na atmosfera.
Tudo isto é agravado pelos incêndios florestais que são, normalmente, raros nos reinos congelados do Ártico. Contudo, o recuo da cobertura reflexiva do gelo do mar permitiu que o sol aquecesse o Oceano Ártico e áreas terrestres adjacentes. Isso seca a vegetação, tornando-a suscetível à ignição, e a atmosfera mais quente está provocando mais tempestades com relâmpagos na região. Como resultado, o CO2 e outras emissões dos incêndios no Ártico ficaram acima da média por várias semanas seguidas em 2019. A atual década começou com incêndios florestais sem precedentes na Sibéria, de julho a setembro, alimentados por uma onda de calor que os pesquisadores climáticos na época chamavam de evento do cisne negro, muito além das expectativas normais dos registros.
O Ártico é a região mais afetada pelo aquecimento global. Porém, o degelo do polo norte não deve provocar grandes aumentos do nível dos oceanos, pois o gelo está sobre o mar. Todavia, os sinais do Ártico mostram que toda a Criosfera será afetada pela crise climática. O degelo da Groenlândia e da Antártida (como veremos em outros artigos) terão um impacto enorme sobre todo o Planeta.
O artigo “Climate tipping points — too risky to bet against”, publicado na influente revista Nature (27/11/2019), mostra as crescentes evidências de que mudanças irreversíveis já estão ocorrendo nos sistemas ambientais da Terra gerando um “estado de emergência planetária”. Os autores deixam claro que mais da metade dos pontos críticos do clima identificados há uma década estão agora em um ponto de não retorno. Há evidências crescentes de que esses eventos são mais prováveis do que nunca e estão mais interconectados do que se pensava anteriormente, podendo levar a vetores de retroalimentação e a um ameaçador efeito dominó. Um dos pontos de inflexão é o degelo do Ártico. A situação é crítica e requer uma resposta de emergência.
A jovem ambientalista, Vanessa Nakate, de Uganda, constata que: “Na África estamos sofrendo a crise climática agora”. De fato, o que acontece no Ártico não está restrito àquela região, mas afeta todos os continentes. Se não forem tomadas medidas para aprofundar os cortes nas emissões de gases de efeito estufa o mundo pode caminhar para uma situação de “Terra Estufa”. Em síntese, ao ultrapassar os pontos de inflexão, a situação climática se agrava desenhando um grande desastre ambiental em um horizonte cada vez mais próximo.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
Arctic Report Card: Update for 2019
https://www.arctic.noaa.gov/Report-Card/Report-Card-2019
https://www.arctic.noaa.gov/Report-Card/Report-Card-2019
LENTON, Timothy M. Climate tipping points — too risky to bet against, Nature, 27/11/2019
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
https://www.nature.com/articles/d41586-019-03595-0
Disappearing Arctic Ice
https://www.youtube.com/watch?v=AAm8X_MHiIM
https://www.youtube.com/watch?v=AAm8X_MHiIM
A Never-Before-Seen Event Is Collapsing an Ice Sheet in the Russian Arctic
http://climatestate.com/2019/12/22/can-ice-stream-collapse-accelerate-sea-level-rise/
http://climatestate.com/2019/12/22/can-ice-stream-collapse-accelerate-sea-level-rise/
O colapso do gelo na Antártida, Climate State
https://vimeo.com/climatestate
https://vimeo.com/climatestate
Melting ice – the future of the Arctic | DW Documentary
https://www.youtube.com/watch?v=U0aNeYZL8jY
https://www.youtube.com/watch?v=U0aNeYZL8jY
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/01/2020