sábado, 3 de novembro de 2012

O NEOLIBERALISMO - II


D) O neoliberalismo no Brasil e a questão do controle dos recursos naturais.Foi a partir do governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) que o neoliberalismo se instalou com mais intensidade no Brasil. Logo após sua posse, anunciou que havia chegado o momento da “modernidade econômica”, ou seja, do livre mercado, da redução do papel do Estado e de um amplo programa de privatizações (Programa Nacional de Privatizações).

mecatronicaatual.com.br
A etapa inicial de privatizações abrangeu, principalmente, os setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. A primeira estatal privatizada foi a Usiminas, em outubro de 1991. A política de privatização prosseguiu atravessando o governo de Itamar Franco (1992-1993) e chegou até o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998). Em outubro de 1994, 34 empresas estatais já haviam sido privatizadas. Em seguida, o programa avançou para outros setores: telecomunicações, elétrico e petróleo, criando grandes discussões no Congresso Nacional.

Paralelamente às privatizações, o Brasil se abriu para o exterior, liberando as importações e a entrada de capital estrangeiro nas bolsas de valores. Realizou, também, a desregulamentação de setores do mercado, como, por exemplo, o de informática.

De 1990 até nossos dias o país vem, portanto, aplicando à economia a “receita neoliberal” desregulamentação, abertura econômica, privatizações de empresas estatais e diminuição da ingerência do Estado nos negócios.
neccint.wordpress.com

A “receita neoliberal” está varrendo o mundo , tendo a América Latina como alvo predileto das imposições neoliberais, via FMI e Banco Mundial. Essas instituições, controladas pelos países ricos, têm condicionado novos empréstimos denominado dinheiro novo – para os países já endividados à adoção da novas regras neoliberais, entre as quais as privatizações despontam como a principal. O México e a Argentina seguiram à risca as regras neoliberais ou o denominado Congresso de Washington, ou seja, um plano elaborado em 1989, pelo qual os Estados Unidos, FMI, Banco Mundial e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) pressionaram para acelerar as privatizações e enfraquecer os Estados latino - americanos. No período de 1988-1992, dois terços de todas privatizações no mundo foram realizadas na América Latina.

O México, foi o primeiro país a adotar o modelo neoliberal e, em fins de 1994, estava falido. Para amenizar essa crise, os Estados Unidos emprestaram-lhe 40 bilhões de dólares, o que salvou de prejuízos os bancos internacionais tinham financiado a implantação do neoliberalismo no país. Mas em contrapartida o México perdeu o controle sobre sua principal riqueza, o petróleo, cuja reserva, a oitava maior do mundo, foi hipotecada, ou seja, dada como garantia aos Estados Unidos pelo empréstimo concedido.

Segundo analistas da economia internacional, isso fez parte das intenções ou do projeto dos países industrializados de possuir o controle e domínio de recursos naturais importantes e estratégicos. A crise do petróleo em 1973 mostrou a vulnerabilidade desses países em relação a essa fonte de energia fundamental para suas economias, enquanto 90% das reservas mundiais de petróleo encontram-se no subsolo de países subdesenvolvidos. Para se ter uma ideia, dos sete países mais ricos do mundo (Grupo dos Sete ou G-7), quatro não as possuem em seus territórios (Japão, França, Itália e Alemanha), mas têm empresas estatais para a distribuição do produto. Quanto aos Estados Unidos, suas reservas petrolíferas estão diminuindo em média 3% ao ano e dependem de importação de 50% do petróleo que consome.
dw.de

Grande parte do petróleo extraído e comercializado no mundo encontra-se sob controle estatal e o mesmo ocorre com muitas outras matérias-primas minerais, situação que não interessa aos países industrializados ou às empresas transnacionais que dependem dessas matérias-primas. A esse propósito, já em 1977, Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, declarava:

“Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram hoje, se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não-renováveis do planeta, a um preço próximo do custo de extração e transporte [...] que montar um sistema mais requintado e eficiente de pressões e constrangimentos, que garantam a consecução de seus intentos”(Citado por Osvaldo Maneschy, no artigo “Primeiro Mundo preserva forte seus Estados”)

A onda neoliberal que invade o mundo, principalmente os países do Leste (ex-socialistas), da América Latina, da África e alguns da Ásia, possui então, entre outros, o objetivo de assegurar livre acesso à exploração e comercialização dos recursos naturais por parte das corporações transnacionais. Afastar o Estado do gerenciamento dos recursos naturais passou a ser, então, uma estratégia do neoliberalismo, para atingir um fim maior que é o de possuir o controle das reservas naturais do globo. Daí os postulantes da desestatização ou privatização, da desregulamentação dos mercados e da pressão de grupos econômicos dominantes no sentido de diminuir a atuação estatal nos países dependentes.

Essa situação nos lembra o velho ditado “faça o que eu digo, não faça o que faço”. Ou seja, na economia dos países desenvolvidos existe uma significativa presença do Estado, mas nos países da “periferia”, numa intensa propaganda antiestatal, disseminam a ideia de que todos os seus problemas econômicos e sociais advêm da ingerência do Estado na economia ou da “forte” presença das empresas estatais e de que o caminho da salvação está no livre jogo do mercado.

Participação do Estado no PIB em alguns países desenvolvidos e dependentes (1990)


Dinamarca
  51,9%


Suécia
    49,7%


França
    42,1%

Alemanha
    39,3%

Estados Unidos
    28,1%

Brasil *
    21,4%

Índia
    16,7%

Etiópia
    16,2%

Uganda
    15,0%

Peru
    10,7%

* Como esses dados são de 1990, não levam em conta as privatizações de indústrias siderúrgicas, de fertilizantes e petroquímicas em nosso país.

e) Para onde a globalização e o neoliberalismo têm conduzido a sociedade?

Inicialmente, é oportuno lembrar que o otimismo neoliberal posterior à queda do Muro de Berlim (1989) e à desarticulação do socialismo real no Leste europeu vem sendo abalado por fatos e tendências mundiais difíceis de negar:


• Aumento do desemprego estrutural ou tecnológico.

• Questionamento do Estado como agente disciplinador da vida econômica.

• Migrações internacionais do Sul para o Norte, gerando reações fascistas na Europa, aprofundando os conflitos étnicos e de nacionalidades, e agravando o problema do desemprego.

• Substituição das “zonas de influência” características do período da Guerra Fria, dentro do jogo geopolítico mundial praticado pelas potências, pelo jogo econômico e criação de “zonas de rentabilidades”
 

• Aumento da exclusão social.

   Entre esses fatos e tendências serão detalhados a seguir os mais importantes.


Aumento do desemprego estrutural ou tecnológico.

Esse tipo de desemprego tem sua origem em mudanças na tecnologia de produção, como, por exemplo, o aumento da mecanização e da automatização industrial derivado da Terceira Revolução Industrial ou Tecnológica. Segundo o economista José Luis Fiori, nos países desenvolvidos da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) calcula-se que o desemprego estrutural atingiu a cifra de 35 milhões de pessoas, em 1972. em alguns deles, o desemprego entre a população economicamente é alarmante: Espanha 16%, Bélgica, 14%, Itália, 10,3%, Reino Unido, 10% e França, 9%, com média geral de 10%. No Brasil, o percentual é de 6%.

Segundo especialistas não existem previsões otimistas quanto à diminuição das taxas de desemprego a curto prazo. Ao contrário, acredita-se num aumento ainda neste final de século e no inicio do que se aproxima, mesmo que a economia mundial apresente acrescimento. A Terceira Revolução Industrial ou Tecnológica alterou profundamente o modo de produzir. A robótica e a informática substituíram em larga escala a mão-de-obra industrial. Esse fato somado às próprias dificuldades por que passa a economia mundial têm aprofundado o desemprego.

Particularmente nos países subdesenvolvidos a mecanização tem atingido amplos segmentos da atividade agrícola, como por exemplo, o canavieiro, que emprega sazonalmente grandes contingentes de mão-de-obra.

Questionamento da legitimidade do Estado nacional.

Após o fim da Guerra Fria, pensava-se que as tensões e conflitos mundiais diminuiriam. Entretanto, eles irromperam em vários locais, de forma violenta, questionando a legitimidade do Estado nacional (Geórgia, Chechênia, Iugoslávia, etc.).

Aumento da exclusão social.

O aumento dos excluídos da sociedade, ou dos “cuspidos da sociedade”, segundo a expressão do cientista político alemão Robert Kurz, tem favorecido ou estimulado a violência não só no mundo subdesenvolvido. As cidades grandes e médias apresentam elevados índices de criminalidade, intenso tráfico de drogas, formação de quadrilhas, menores abandonados, tráfico de órgãos etc. Nos países pobres, o Estado, em decorrência da falta de recursos financeiros, pouco faz para reverter essa situação, abandonando à própria sorte grande parcela da população, negando-lhes, até mesmo, o direito à cidadania. Nessa globalização, que beneficia apenas uma minoria, o número de pessoas que consegue se integrar economicamente no processo em curso é cada vez menor. Ao lado das ilhas de prosperidade, crescem os arquipélagos de miséria. No Brasil, por exemplo, a renda mensal de 11% da população economicamente ativa é igual ou inferior a meio salário mínimo e a de outros 19% varia entre meio e um salário mínimo. Logo 30% da população economicamente ativa brasileira “vive” em situação de miséria, o que é contraditório, para não dizer escandaloso ou vergonhoso.

Se nada for feito em escala planetária – não se trata de pessimismo – as consequências serão drásticas. As reações desesperadas dos “cuspidos” do mercado deverão colocar em xeque o novo sistema mundial. Em antecipação a essa possibilidade, os investimentos em segurança militar e policial crescem assustadoramente. As potências não mais declararão guerra entre si, como no passado, mas sim a exemplo do que fizeram na Guerra do Golfo, em 1991, unirão forças para assegurar a existência de ilhas de riqueza diante das ameaças dos excluídos.

Segundo algumas previsões de cientistas políticos e sociais de várias tendências, caso esse quadro seja mantido, poderá ocorrer o estabelecimento de ditaduras sanguinárias e guerras civis em vários lugares do mundo, comprometendo as conquistas democráticas.
Globalização e regionalizaçãoneconômica: O Brasil no Mercosul

a) As trocas comerciais intra-Mercosul e a posição brasileira.

Como vimos, a mundialização da economia capitalista é um processo que se intensifica nos dias atuais. A formação dos grandes monopólios capitalistas denominados transnacionais que, em diferentes localidades, operam a unificação mundial do capital, é a expressão moderna da etapa monopolista do capitalismo mundial.

A globalização da economia comporta. Por um lado, a incorporação de mão-de-obra de muitos países em uma estrutura produtiva empresarial mundialmente integrada (internacionalização da produção), como também a do mercado financeiro internacional caracterizado pela unificação dos capitais nacionais e estrangeiros. O sistema de economias nacionais características do capitalismo concorrencial foi cedendo lugar à formação do mercado mundial, com a crescente necessidade de os Estados e as empresas se adaptarem aos novos padrões produtivos gerados pela Terceira Revolução Industrial.

Contudo, cabe ressaltar que, no bojo desse processo, e como sua expressão geográfica mais visível, ocorre também a formação de blocos geoeconômicos em todo o mundo. Os seja, diversos países se reúnem em blocos para se fortalecerem economicamente diante dos quadros dos quadros competitivos que a globalização impõe. Através do fortalecimento de sistemas comerciais multilaterais que facilite o acesso mais amplo e não-discriminatório a todos os mercados, pode-se dizer que atualmente as economias nacionais buscam participar da globalização ou mundialização do capitalismo por intermédio da formação de blocos econômicos regionais.

O Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai assinaram, em março de 1991, o Tratado de Continuação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), conhecido como Tratado de Assunção. Em 1996 e 1997 houve a adesão, respectivamente, do Chile e Bolívia, e hoje está o Mercosul mais abrangente dom as entradas do Peru, Colômbia e da Venezuela, essa última admitida em 31/07/2012. Visando, entre outros objetivos, a livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos e a adoção de uma política comercial comum em relação ao outros Estados ou agrupamentos de Estados, o Mercosul é um tentativa de seus países-membros de realizar uma inserção mais competitiva na economia internacional.

Observando o gráfico, é possível constatar o crescimento do comércio entre o Brasil e os demais países do Mercosul, sobretudo após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, em 1990, as transações comerciais entre os países do Mercosul,  somavam 3,6 bilhões de dólares, um resultado inexpressivo quando comparado ao de 1994, que foi mais de 19 bilhões de dólares.

Passam pelo Rio Grande do Sul 80% dos produtos comercializados entre p Brasil e os demais países do Mercosul,, sobretudo Argentina, constituindo-se assim o estado sulino numa espécie de “corredor de passagem” entre Buenos Aires e São Paulo. Entre 1991 e 1994, as exportações do Rio Grande do Sul para países-membros do Mercosul,  cresceram 450%, representando 15% do total de suas vendas para o exterior. Tal fato, aliás, vem colaborando para que a região sul do Rio Grande do Sul seja mais valorizada pelo governo federal brasileiro, que vem realizando acordos e projetos para o desenvolvimento de sua infra-estrutura (transporte e energia), para inseri-la de forma mais adequada no processo de integração.

Lei de fronteira:

Na década de 1940, foi criada a Lei de Fronteira, para evitar conflitos com os países vizinhos, estabelecendo que todo investimento na faixa de 150 Km de fronteira deveria ter autorização federal. Isso implicou certo abandono do extremo sul do Rio Grande do Sul durante várias décadas, e somente agora, com a intensificação das trocas comerciais do Mercosul,, o novo quadro democrático configurado em seus países-membros, começa a ser revertida.

Mas se, por um lado, a integração é positiva para esse estado brasileiro, por outro, alguns de seus setores mais tradicionais e importantes estão sofrendo impactos negativos. É o caso, por exemplo, dos laticínios. Terceira bacia leiteira do Brasil (730 milhões de litros de leite ano), responsável por 10% do mercado de laticínios, o Rio Grande do Sul enfrenta a concorrência da Argentina e Uruguai, cujos preços são mais acessíveis devido ao emprego de tecnologias mais sofisticadas e ao menor custo de produção. Provavelmente isso obrigará os produtores gaúchos do setor a buscarem maior produtividade a menor custo de produção, para não serem “engolidos” pela competição.     

  Outros setores da economia do Rio Grande do Sul que sofrem com a integração são o do trigo, o da carne, o de conservas e o da produção vinícola. A cultura do trigo, até 1995, já havia perdido mais de 100 mil postos de trabalho em virtude da entrada do produto argentino. Tanto a agricultura como a pecuária do sul do Brasil, caracterizadas por pequenas unidades produtivas baseadas na estrutura familiar, poderão sofrer uma reestruturação fundiária ao necessitarem incorporar cada vez mais tecnologia para acompanhar os padrões competitivos de seus parceiros do Mercosul. Na verdade, o Brasil todo terá de se adaptar aos padrões tecnológicos do setor agropecuário visivelmente superior de seus parceiros do Mercosul.

Quanto à indústria de transformação, comparado aos demais países do Mercosul, o Brasil apresenta as melhores condições competitivas. Isso se deve, em parte, à origem da energia empregada em nossa produção industrial, que é, sobretudo hídrica, ao passo que a Argentina, principal concorrente, utiliza a energia petrolífera em grande escala (3 a 4 vezes mais que os outros países do Mercosul), sendo a nuclear sua principal fonte geradora de energia, ambas mais onerosas para a atividade industrial. Além disso, as economias de escala no Brasil são superiores em função da maior amplitude do mercado interno. Nosso setor automobilístico tem posição de destaque, uma vez que a Argentina figura como o principal importador de carros brasileiros e o segundo de autopeças. Da mesma forma, a superioridade brasileira em setores como os do aço e dos eletrodomésticos indica que a integração apenas fará com que eles ampliem sua produção.

b) O Brasil e o Mercosul diante da integração hemisférica e as exportações brasileiras.


Em 1989 o presidente norte-americano George Bush lançou um projeto ambicioso, a “iniciativa pelas Américas”, prevendo a formação, num futuro não distante, de uma vasta zona econômica livre ou de um mercado comum estendendo-se do Alasca até a Terra do Fogo, isto é, por toda a América. Ao que tudo indica, o surgimento dessa grande área comercial das Américas será devido à agregação dos vários conjuntos já existentes, e não à incorporação de cada país isoladamente. Muitos acreditam que a formação de blocos econômicos regionais e sub-regionais, no caso da América, beneficiará os países integrantes. Nãos obstante, analistas e especialistas brasileiros em comércio exterior, diante dos esforços norte-americanos para a criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), prevista para 2005, apontam para vários problemas dessa integração. Entre eles a provável ruína do setor rural brasileiro e argentino, que não seria capaz de enfrentar os baixos preços dos produtos dos EUA e do Canadá, que chegam a ter subsídios de mais de 200 bilhões de dólares or ano.

Diante disso, caberia perguntar se não estamos diante do velho imperialismo norte-americano agora sob a máscara neoliberal e sob os argumentos da “economia global”. O Mercosul e outros blocos econômicos latino-americanos constituem mais uma tentativa integracionista de alguns países latino-americanos para promover seus interesses diante do comércio internacional, mas se não forem bastante hábeis nas negociações, sobretudo com o Nafta, estes correm o risco de continuar atrelados aos interesses norte-americanos, promovendo mais uma vez a frustração de seus anseios.

A União Européia e os Estados Unidos constituem os principais parceiros comerciais do Brasil, mesmo com o decréscimo das exportações para a primeira entre 1991 e 1994.

Como o Brasil apresenta, até o momento, uma economia bem mais diversificada e uma base industrial mais sólida que seus parceiros do Mercosul e da América Latina, sendo o país mais industrializado do continente depois dos EUA e do Canadá, os países do NAFTA o vêem como o país com maiores oportunidades de comércio na América Latina. As exportações da Argentina e do Mercosul tomadas em conjunto para os EUA são pouco superiores às brasileiras.

Observa-se que nos últimos anos uma expansão do comércio inter-regional na América Latina. O Mercosul, aliás, vem ampliando parcerias com outras organizações econômicas latino-americanas – Pacto Andino, Caricom, Aladi, MCCA – e com outros países interessados em acordos bilaterais (o México, por exemplo) o que já estava previsto no Tratado de Assunção. Tomando-se como parâmetro o percentual total das exportações da América Latina, entre 1987 e 1983, as exportações realizadas entre os países latino-americanos aumentaram de 13% para 18%. Até o momento, o Pacto Andino e a Aladi são os principais parceiros comerciais do Mercosul na configuração dos blocos econômicos na América Latina. No entanto, se isso demonstra uma expansão do comércio intra-regional latino-americano nos últimos anos, convém ressaltar que os países envolvidos ainda têm um longo caminho a percorrer para a consolidação de uma integração realmente significativa entre suas economias, rompendo com a tradicional orientação de suas economias fundamentalmente exportadoras de produtos primários, que são em grande parte comercializados com os países mais desenvolvidos do sistema capitalista. 

EUA: a tática de “dividir para controlar” e suas inquietações comerciais.

[...] Do ponto de vista político, a estatura que o Brasil vem ganhando como líder do Mercosul é tida como ameaçadora. Os brasileiros é que sugeriram aos demais países latino-americanos a ideia de negociar em bloco seus interesses na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a ser formada a partir de 2005. os EUA querem negociar país a país, na velha tática de dividir para controlar. Almejam também antecipar o cronograma de formação da unidade. O Brasil pensa o contrário e pretende primeiro consolidar o Mercosul antes de se aventurar no livre mercado da ALCA.

[...] Outra ponta da inquietação americana é provocada pela gradativa aproximação entre a União Européia e o Mercosul, que retira espaços americanos em vários setores – automobilístico principalmente.

[...] Do ponto de vista estritamente comercial, os EUA têm ainda razões estratégicas para se preocuparem com essa parte de cá do globo. Suas empresas estão encontrando dificuldades maciças para angariar resultados em mercados já rateados e de crescimento estagnado, casos da Europa e do Japão. Ao mesmo tempo resistem em enfrentar as regras burocráticas dos asiáticos e temem os problemas de países do Leste, como a Rússia.

Carlos J. Marques & Darcio Oliveira, Quem pisca primeiro? Isto é 12.02.97, p. 63/65

c) A ausência de enfoque social do Mercosul, a Bacia do Prata e impactos ambientais.

No plano internacional, o peso relativo do Mercosul contribui para o incremento da pauta de exportação de seus países-membros, permitindo a estes uma maior participação no comércio mundial. No contexto nacional, a integração exige a desregulamentação ou liberalização de seus mercados, o que significa abandonar o modelo de substituição de importações e adotar o de transnacionalização do mercado interno.

As centrais sindicais dos países do Mercosul temem que o processo de integração reduza os postos de trabalho. Com consequente aumento do desemprego. A preocupação se justifica, na medida em que o Mercosul está articulado com o processo de internacionalização dos mercados, Np qual a redução dos mercados no qual a redução de custos de produção (inclusive de mão-de-obra), mediante uso intensificado de tecnologia, se tornou uma condição necessária para melhorar a competitividade das empresas locais. Nesse sentido, a defesa do emprego representa uma das mais importantes pautas da agenda sindical do Mercosul, que, não sendo devidamente defendida e considerada pelos governos dos países-membros, poderá fazer desse bloco apenas mais um projeto político e econômico desprovido de uma verdadeira dimensão social. O movimento sindical reivindica a defesa da “cláusula social”, ou seja, a inserção, nos acordos comerciais, do respeito às normas trabalhistas fundamentais pelos países que os assinam.

Conclui-se disso que, se a inserção do Brasil no Mercosul e no mercado mundial é necessária, para não correr o risco de ficar à margem das transformações da economia e dos processos produtivos mundiais, também não se deve esquecer que, mesmo assim o país poderá mais uma vez deixar de resolver suas desigualdades internas, mantendo e até mesmo aprofundando a deterioração das condições de vida de grande parte da sua população. Se isso ocorrer de fato, os benefícios da integração somente poderão ser festejados entre as transnacionais instaladas em nosso países pelos setores privilegiados pelo acirramento das trocas comerciais, restando a milhões de brasileiros apenas as migalhas desse banquete desfrutado por poucos.

A partir da década de 1980, diante da globalização da economia e da consolidação de regimes democráticos, os países latino-americanos vêm demonstrando uma tendência maior em incentivar projetos de cooperação entre suas economias. Veja-se, por exemplo, o caso da Bacia do Prata, cujos recursos naturais e disposição espacial estratégica eram motivo de conflitos sob o regime militar. Ela se tornou, hoje, cenário de políticas conjuntas de desenvolvimento de infra-estrutura física e aproveitamento energético e hidroviário para promover a integração regional e, por conseguinte, um maior fortalecimento dos países do Cone Sul para sua inserção no mercado mundial.

Todavia, convém chamar a atenção para as prováveis consequências ecológicas dessa integração que se anuncia. Será ela capaz ao mesmo tempo de propor políticas, legislações e projetos que minimizem od impactos que serão causados pela intensificação dos empreendimentos econômicos sobre o meio ambiente? Cabe a cada um de nós participar desse processo criticamente, atentos a essas particularidades e sem grandes ilusões e euforias. Sob expressões tão comuns, hoje em dia, como “competitividade” e “produtividade a menores custos”, podemos estar aderindo a uma lógica que só fará beneficiar as grandes empresas transnacionais e nacionais, escamoteando as verdadeiras consequências sociais e ambientais do processo de integração do Mercosul.

Fim do século.

[...] Contrariamente ao que diz a ideologia – como bem observa Kurz – o mercado não é para todos. De passagem fica claro quanto era estreita e provinciana a nossa ideia de modernização, para a qual o problema não estava na marcha do mundo, mas apenas em nossa posição relativa dentro dela. Se é verdade que a modernização tomou um rumo que não está ao alcance de nossos recursos, além de não criar o emprego e a cidadania prometida, como ficamos? O que pensar dela? O mito da convergência providencial entre progresso e sociedade brasileira em formação (ou latino americana) já não convence. E se a parte da modernização que nos tocou for esta mesma dissociação agora em curso, fora e dentro de nós? E quem somos nós neste processo?

As sociedades que não alcançarem a integração moderna são afetadas de modo diferenciado pela nova ordem global. No Brasil corremos o risco de ver reprisado o desastre da abolição. Quando os senhores, ao se modernizarem, se livraram dos escravos e os abandonaram à sua sorte. É sabido que o novo padrão competitivo, íngreme em face das realidades da vida popular, se compõe à maravilha com o nosso descaso secular pelos pobres. Em seu “despreparo”, estes estão pelos deixando de interessar como força de trabalho quase gratuita. Passou o tempo em que incorporá-los parecida um imperativo econômico.

Diante das novas tendências estruturais, mais segmentadoras que integradoras, com as suas desqualificações sociais duras e sobretudo o desemprego tecnológico, não será fácil as elites decidirem e entenderem, até para uso particular, em que consista ser parte de um país ou governá-lo. Só por coração cristão ou deformação esquerdista antiga os cidadãos da faixa atualizada, aliás policiassista, sentirão afinidade com os que sobraram. O divorcio entre economia e nação é uma tendência cujo alcance ainda mal começamos a imaginar. A pergunta não é retórica: o que é, o que significa uma cultura nacional que já não articule nenhum projeto coletivo de vida material, e que tenha passado a flutuar publicitariamente no mercado por sua vez, agora como casca vistosa, como um estilo de vida simpático a consumir entre outros?

Enfim, o capitalismo continua empilhando vitorias(Roberto Schwarz, Folha de São Paulo)
 

Fonte: Melhem Adas/Panorama Geográfico Brasileiro

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