O polo da Costa Oeste ainda lidera, mas Nova York e Londres crescem entre as cidades preferidas de quem pretende inovar em tecnologia digital
Filipe Vilicic, de Londres
Colaboração - Rob Boyett, da Mentally Friendly, responsável pela campanha publicitária digital da Samsung e da Toyota, e Max Scott-Slade, da Johnny Two Shoes, que desenvolveu o Plunderland, popular game de aventuras para iPhone e iPad: eles dividem um escritório em Londres para rachar as despesas (Emiliano Capozoli)
Nova York e Londres ocupam o segundo e o terceiro lugares no ranking dos polos tecnológicos
Pela primeira vez desde que surgiu, nos anos 40, em torno da Universidade Stanford e da então recém-criada Hewlett-Packard (a HP), o Vale do Silício vê ameaçado seu reinado como destino favorito de quem pretende iniciar um negócio na área tecnológica. O Vale do Silício (a denominação abrange 28 cidades na Califórnia, onde estão instalados pesos-pesados como a Apple e o Google) ainda é sinônimo de inovação. Mas isso agora também vale para Nova York e Londres, os dois polos em ascensão.
O número de contratos de investimentos de alto risco, dos quais sai o dinheiro para os novos empreendimentos, caiu 10% no Vale nos últimos cinco anos. Em Nova York, esse índice cresceu 32% no mesmo período. Lá renasceu o Silicon Alley (beco do silício, em inglês), que foi à falência com o estouro da bolha da internet no fim dos anos 90. Em Londres, o cenário das startups — empresas de inovação tecnológica — explodiu numa parte de East London agora conhecida como Silicon Roundabout (rotatória do silício). Com a ajuda do governo britânico, que cortou impostos e reduziu as exigências burocráticas, o número de startups saltou de 300 para 770 desde o ano passado.
Nova York e Londres ocupam o segundo e o terceiro lugares no ranking dos polos tecnológicos publicado em abril pela consultoria Startup Compass. O levantamento analisou 16 000 empresas para qualificar as regiões do mundo que mais fomentam a indústria. O Vale do Silício continua em primeiro lugar, posição que reflete o fato de abrigar o quartel-general de muitas empresas gigantes —, mas o ritmo de crescimento favorece os polos rivais. O número de empregos na indústria de tecnologia no Vale é hoje 20% menor que em 2000.
Um estudo divulgado em maio pelo Center for an Urban Future, que analisa a evolução de cidades americanas, mostrou que, em Nova York, a oferta de empregos cresceu quase 30% em cinco anos. Esses números não devem ser entendidos como uma mensagem de mau agouro para a indústria tecnológica da Califórnia. Mas, sim, como a comprovação de que o silício — matéria-prima essencial para a indústria da computação e, por isso, aproveitada para dar apelido aos polos de tecnologia — se espalhou devido à preferência das startups por outras cidades. Em termos de novos negócios, o polo nova-iorquino já equivale a um terço do Vale e o de Londres, a um quarto.
O ritmo de crescimento do Silicon Roundabout é equiparável aos tempos de glória do Vale do Silício, entre as décadas de 70 e 90. O número de empresas de tecnologia multiplicou-se por quatro em apenas dois anos. Facebook, Intel, Cisco e Twitter são alguns dos gigantes que passaram a apostar rios de dinheiro lá. Em março, o Google inaugurou um prédio de sete andares, o Google Campus, que abriga 100 empreendedores. É a primeira iniciativa do tipo da empresa. "Aqui vão surgir as próximas grandes empresas on-line, e há vantagens evidentes em estarmos de olho nelas", disse a VEJA Ezequiel Vidra, o argentino que dirige o Campus. Para Vidra, que foi dono de startups e trabalhou em Israel, São Francisco e Nova York, Londres é a bola da vez.
O Silicon Roundabout nasceu em 2008, com a abertura de quinze startups nas proximidades da rotatória existente no encontro entre duas vias, a Old Street e a City Road. Durante dois séculos, East London foi sinônimo de pobreza e criminalidade. Os empreendedores viram o local com outros olhos. "É o paraíso para eles. Havia muitos prédios vazios, existem universidades por perto e o aluguel ainda é metade do de bairros nobres", diz Chris Moore, um consultor encarregado pelo governo inglês de convencer estrangeiros a investir em Londres. Nos últimos dois anos, as ruas do East London foram tomadas por centenas de jovens na faixa dos 20 anos, que andam pelas calçadas com tablets, smartphones e MacBooks.
Eles também são vistos fazendo fila em frente a danceterias e restaurantes da região, repentinamente na moda. Londres se firmou como a capital da tecnologia na Europa, ultrapassando Berlim e Paris, que antes disputavam o posto. "Como estamos no meio do caminho entre América, Europa e Ásia, viramos um polo internacional", diz o americano Geoffrey Prentice, sócio do grupo de investimentos Atomico, do qual faz parte Niklas Zennström, criador do Skype. "Acabou a dependência do Vale, já que abrir uma startup não exige mais rios de dinheiro", acrescenta. Um dos investimentos mais conhecidos da Atomico é o Angry Birds, game que virou febre em smartphones. De Londres, seu grupo injeta dinheiro ao redor da Europa — a Rovio, desenvolvedora do Angry Birds, está na Finlândia —, na América e na Ásia.
Um dos fatores que afastam os empreendedores do Vale do Silício é a sua indústria consolidada e, por isso mesmo, menos propensa a aventuras. "Ir para o Vale seria arranjar dor de cabeça. Lá estão os gigantes e o espaço é disputadíssimo. Em Londres o dinheiro tem fluído mais fácil para quem está começando", diz Kieran O'Neill, de 24 anos, criador da Playfire, rede social para jogadores de videogames. O'Neill é um empreendedor em série. Idealizou seu primeiro negócio aos 15 anos: o site de vídeos de humor Holy Lemon, que vendeu por 1,25 milhão de dólares. "Em um negócio global, criamos fenômenos mundiais sem sair de casa. A maioria de meus jogadores é de americanos, mas não preciso estar nos Estados Unidos para continuar assim", diz o inglês Max Scott-Slade, de 26 anos, que há cinco anos fundou a desenvolvedora de games Johnny Two Shoes. Seu jogo mais conhecido é o Plunderland, um game de aventura para iPhone e iPad. Ele divide o aluguel com Rob Boyett, de 31 anos, cuja agência de publicidade digital trabalha para a Samsung, a Toyota e o Nickelodeon.
Um jogo de ganhadores - é um empreendedor em série. Aos 15 anos, criou seu primeiro negócio, o site de vídeos Holy Lemon, que vendeu por 1,25 milhão de dólares. Hoje, dedica-se à Playfire, a maior rede social para jogadores de videogames. Ele criou o site em 2007 e já captou mais de 3 milhões de dólares em investimentos. “Do 1 milhão de usuários do Playfire, a maioria é dos Estados Unidos. Estou melhor em Londres do que estaria no Vale”, diz ele
Durante algum tempo, muita gente acreditou que Boston, onde está o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, era o melhor candidato para se tornar um polo tecnológico capaz de rivalizar com o Vale do Silício nos Estados Unidos. Uma série de fatores, contudo, favoreceu Nova York. O primeiro deles é a tradição. A infraestrutura criada no Silicon Alley durante a euforia da bolha da web serviu de base para um recomeço a partir de 2007. Hoje a cidade é o polo de tecnologia de mais rápido crescimento nos Estados Unidos.
Em Nova York surgiram várias das startups de maior sucesso nos últimos anos, como o Foursquare e o Tumblr. Afirmou a VEJA David Karp, criador do Tumblr e milionário aos 25 anos: "Em Nova York há menos competição que no Vale. Lá todo mundo quer ser o próximo grande empreendedor. Em Nova York, a disputa é menor e temos uma variedade maior de profissionais, como publicitários, para tocar nosso negócio". O Tumblr é uma rede social de blogs com 36 milhões de usuários e 14 bilhões de visualizações por mês — mais que o Twitter ou a Wikipedia. Karp aprendeu programação aos 11 anos e criou o Tumblr aos 19. Com 85 milhões de dólares investidos na empresa, cujo valor de mercado é estimado em quase 1 bilhão, ele poderia competir de igual para igual com as redes sociais instaladas no Vale do Silício. Mas prefere ficar em Nova York.
100 novos empreendedores - o argentino Ezequiel Vidra gerencia o prédio de sete andares que o Google inaugurou em março em Londres para abrigar 100 empreendedores e grupos de investidores: “Aqui a indústria é nascente e há menos competição e mais colaboração do que no Vale do Silício”
"As mídias, como as revistas, estão aqui, não no Vale, o que facilita a divulgação", diz. Talvez quem explique melhor a multiplicação dos "silícios" seja Zennström, o criador do Skype: "O conhecimento e a tecnologia não são mais localizados, como era quando o Vale surgiu. Isso mudou as regras do jogo".
Fonte : Revista Veja .com
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