sábado, 18 de fevereiro de 2017

PRODUÇÃO E A CONSERVAÇÃO FLORESTAL

Reduzir unidades de conservação e desproteger 1 milhão de hectares não é bom para o agronegócio

desmatamento
Por André Guimarães e Paulo Moutinho*
Parlamentares do Amazonas e seus convivas que desejam reduzir unidades de conservação criadas no ano passado na Amazônia impõem um risco considerável a um setor da economia que tanto defendem: o agronegócio.
Eles pleiteiam que mais de 1 milhão de hectares sejam “desprotegidos”, pois atrapalhariam interesses econômicos, e o fazem de forma temerosa. Antes, deveriam escutar a ciência.
A preservação florestal tem um papel fundamental no equilíbrio do clima amazônico. E, como todo bom homem do campo sabe, um clima ruim inviabiliza qualquer negócio.
Estudos recentes do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e instituições parceiras mostram que, sem floresta, determinadas áreas da Amazônia podem esquentar demais. Na região do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, por exemplo, a temperatura aumentou entre 2000 e 2010 quase 0,5 grau célsius. Pode parecer pouco à primeira vista, mas é suficiente para bagunçar padrões regionais de chuva, por exemplo.
Além disso, a temperatura das áreas desmatadas ao redor do parque é até 6 graus célsius mais alta do que a temperatura em seu interior. Isso mostra que, sem a floresta, o clima seria tão quente que a produção poderia ser inviabilizada.
O resumo é: sem floresta, a produção agrícola lucrativa se esvai. Por isso, essa pseudo disputa entre produção e conservação florestal que alguns atores ruralistas brasileiros insistem em travar está velha. Nem a ciência, nem os mercados internacionais de commodities, nem os consumidores, nem atores mais modernos do setor agrícola a aceitam mais.
A criação e a manutenção de áreas protegidas na Amazônia são um excelente negócio para a agricultura ao garantir um regador constante para lavouras. Ao mesmo tempo, ajudam a controlar as mudanças climáticas e preservam a biodiversidade, dois ativos no atual debate econômico mundial, além de ordenar o uso do solo em áreas em que o desmatamento tende a crescer, como os locais previstos para a construção de grandes obras de infraestrutura.
Sempre que surgem pleitos internos para reduzir a proteção de unidades de conservação e terras indígenas, com eles vem a dúvida de quem ganharia com isso. A população brasileira e o agronegócio responsável, certamente não. Pois, como o próprio setor reconhece, há área aberta suficiente para a produção crescer.
O próprio governo federal tem vendido o Brasil, especialmente em foros internacionais, como o país que produz alimentos com respeito à natureza. O agro brasileiro, pelo menos lá fora, é pop e verde. Ao mesmo tempo, dá espaço internamente para quem ainda vê floresta como problema em vez de solução.
É hora então de o governo mostrar se o discurso feito no exterior é verdadeiro ou se apenas tenta parecer mais moderno do que é de fato. Porque ainda que haja diferenças entre o moderno agronegócio brasileiro e o outro, retrógrado, o governo não pode pactuar com uma posição esquizofrênica que não traz nada de substancioso para o crescimento do país.
* André Guimarães, agrônomo, é diretor-executivo do IPAM, e Paulo Moutinho, biólogo, é pesquisador sênior. Esse artigo foi originalmente publicado no Blog do Planeta, da Revista Época.

Do IPAM, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/02/2017

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