Geração perdida: cresce o número de jovens nem-nem no Brasil
[EcoDebate] O futuro de qualquer nação depende de uma população com alto nível educacional e uma boa inserção no mercado de trabalho. Indivíduos com maior qualificação tendem a ser trabalhadores mais produtivos. A produtividade do trabalho é condição essencial para o aumento da produção da riqueza per capita. Ou seja, um país com alto padrão de bem-estar é aquele que aproveita o potencial produtivo de sua população, aumentando a quantidade de bens e serviços gerados por unidade de trabalho (com respeito ao meio ambiente). Por isto, existem duas bandeiras que são fundamentais para o progresso nacional: 1) educação de qualidade para todos; e 2) pleno emprego e trabalho decente.
Dar educação de qualidade para todos e garantir altas taxas de atividade – como mecanismos de efetivação da cidadania e de criação das bases materiais de uma economia produtiva e próspera – são pré-condições para a riqueza das nações. Este processo – chamado de desenvolvimento – não é simples e só se efetiva durante muitas décadas ou até mesmo séculos. São necessárias melhorias incrementais por várias gerações para implementar um processo de mobilidade social ascendente intergeracional. O princípio básico do progresso de longo prazo é que os jovens superem os adultos e idosos em cidadania e produtividade (maior quantidade e maior qualidade na educação e no emprego).
Diante de tudo isto, é preocupante acompanhar o que está acontecendo no Brasil. Em 2016, um quarto dos jovens estavam fora da escola e do mercado de trabalho. O percentual de jovens (16 a 29 anos) que nem estudavam nem estavam ocupados no Brasil (os chamados “nem-nem”) aumentou de 22,7%, em 2014 para 25,8% em 2016, representando um montante de 11,6 milhões de jovens. Este aumento ocorreu em todas as regiões do país, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), de 2017, do IBGE.
A maior incidência de jovens que não estudavam e nem estavam ocupados (ou mesmo procurando emprego) ocorre entre jovens com o ensino fundamental incompleto ou equivalente, entre aqueles de cor preta ou parda (os negros), entre as mulheres e entre a população pobre. Assim, o fenômeno dos jovens nem-nem reforça os diferenciais de gênero, de raça e de classe, acentuando os problemas de exclusão e desigualdade social do Brasil.
Se a situação está ruim para os jovens, está pior para as crianças e pré-adolescentes. Ainda segundo o IBGE, o Brasil tinha 42,1 milhões de indivíduos de zero a 14 anos de idade em 2016. Desses, 42,4% estavam na pobreza e viviam com renda domiciliar per capita diária inferior a US$ 5,50 (R$ 387,07 por mês). As crianças pobres quando crescerem terão como perspectiva engrossar o contingente de jovens nem-nem, reforçando o ciclo intergeracional da pobreza.
A falta de alternativas para crianças e jovens não é uma novidade e nem um drama recente. Na verdade, a juventude brasileira foi às ruas em grandes manifestações de massa em junho de 2013 protestando contra a incompetência do governo e a falta de perspectivas no transporte, na educação, no mercado de trabalho, etc. Os jovens também protestaram contra a manipulação e a corrupção ocorridas nos grandes eventos (Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas).
De lá para cá as coisas pioraram ainda mais e agora – diante da profunda crise dos partidos políticos e a desmobilização geral da sociedade civil – só restam as manifestações de ódio e de desencanto nas redes sociais. Neste ano em que a palavra ‘youthquake’ (revolução promovida por jovens) foi eleita como destaque pelo dicionário Oxford, o aumento da pobreza e o crescimento dos jovens nem-nem no Brasil mostram o quanto o país está devendo às suas crianças e aos seus jovens.
A nação brasileira está comprometendo o futuro de suas crianças e desperdiçando o potencial de, pelo menos, um quarto de sua juventude. Jovens frustrados serão adultos frustrados e decepcionados. E o pior, jovens sem perspectiva de ascensão social tendem a ser vítimas do crime e das mortes violentas. Os dados mostram que as taxas mais altas de mortes por causas violentas, no Brasil e na América Latina, acontecem entre a população de 15 a 29 anos.
O Brasil passa pelo processo da transição demográfica, com a consequente mudança na estrutura etária e a redução da razão de dependência. O país vive o seu melhor momento demográfico da história. Com a efetivação do bônus demográfico, seria o momento para dar um salto no processo de desenvolvimento humano. Segundo o demógrafo americano Richard Easterlin “coortes menores tendem a ter melhores oportunidades no mercado de trabalho e na educação”. Portanto, o Brasil, que vive uma janela de oportunidade demográfica, teria uma chance única de avançar com a inclusão social de seus adolescentes e jovens, construindo hoje, o futuro de seu povo.
Como o número absoluto de jovens está diminuindo, este seria o momento para se investir nos direitos da juventude, permitindo uma tranquila e avançada transição para a vida adulta. O Brasil precisaria “enriquecer” antes de envelhecer. O futuro do país depende do avanço qualitativo da inserção social das novas gerações. Porém, o crescimento da geração nem-nem é um prenúncio de tempos sombrios. A atual crise brasileira está parindo uma geração perdida. Se este processo não for revertido rapidamente, o Brasil também terá o seu futuro jogado fora.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/12/2017
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