Cresce o número de homicídios no Brasil em meio à crise social, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Artigo III: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”
Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU: 10/12/1948
[EcoDebate]No mundo da diversão e da manipulação midiática do futebol como ópio do povo, o Brasil estreou na Copa da Rússia com empate contra a Suíça. A superioridade brasileira só não prevaleceu porque o juiz não marcou uma falta contra o Brasil e nem um pênalti a favor. Tirando estes erros do juiz, dizem os analistas ufanistas, o Brasil se mostrou, no gramado, muito superior à Suíça.
Mas na vida real e no dia a dia da dinâmica social, o Brasil perde de 62 x 1 para o país alpino, pois a taxa de homicídio brasileira foi de 31,3 mortes para cada 100 mil habitantes, em 2016, enquanto a taxa da Suíça foi de 0,5 mortes para cada 100 mil habitantes, segundo o relatório World Health Statistics 2018, da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na verdade, o Brasil tem ficado entre os 10 países mais violentos do mundo e desrespeitado, cotidianamente, o Artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU: 10/12/1948), que diz: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
A tabela abaixo, mostra que o Brasil ocupa a sétima posição no ranking dos homicídios das Américas e a nona posição no mundo. O primeiro lugar, em 2016, ficou com Honduras, com 55,5 mortes para cada 100 mil habitantes, o segundo lugar ficou com a Venezuela com 49,2 mortes. Os únicos dois países africanos entre as 10 maiores taxas de homicídios são Lesoto, com 35 mortes e África do Sul, com 33,1 mortes. Oito dos 10 países mais violentos do mundo são da América Latina e Caribe (ALC), que se firma como a continente mais desigual (em termos sociais e de concentração de renda) e mais violento do mundo. Não por coincidência, existe alta correlação entre desigualdade social e violência.
O número absoluto de homicídios no Brasil, em 2016, foi de 62.517 mortes, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS). Este número, é muito maior do que o número de mortes dos Estados Unidos nos 15 anos da Guerra do Vietnã. A figura acima mostra que o número de mortes por homicídio no Brasil foi maior do que a soma dos homicídios em 154 países, no mesmo ano. E nestes 154 países estão China, EUA e Indonésia que são países com maior população do que o Brasil. Ou seja, a posição do Brasil é vergonhosa e preocupante, pois, além de desrespeitar os direitos humanos, representa um grande custo econômico, social e psicológico para as famílias e para o país.
O mais alarmante é que a taxa de homicídio não é somente alta, mas ela está em elevação durante os últimos 10 anos. O número de pessoas mortas por causas violentas estava abaixo de 50 mil em 2006 e 2007 (taxa abaixo de 27 por mil), ultrapassou a marca de 50 mil em 2008 e manteve uma média acima de 60 mil entre 2014 e 2016 (taxa superior a 30 por mil), nos anos de recessão econômica e de aumento do desemprego.
Este aumento do número e do percentual de homicídios, apresentado pelo Atlas da Violência 2018, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), torna-se mais dramático quando se percebe que em algumas Unidades da Federação as taxas que estão acima daquelas consideradas maiores do mundo. A primeira tabela abaixo mostra que Sergipe apresentou uma taxa de 64,7 mortes para cada 100 mil habitantes, em 2016, percentual muito maior do que as 55,5 mortes para cada 100 mil habitantes de Honduras, o país campeão mundial em violência letal. A tabela seguinte mostra que o Rio de Janeiro, com 6.053 mortes foi a UF com maior número absoluto de homicídios, em 2016.
Esta taxa escandalosa, que coloca o Brasil no topo dos países mais violentos do mundo, é ainda mais dramática quando se considera que incide especialmente sobre os jovens e os negros. A taxa de homicídios de negros (pretos e pardos) no Brasil foi de 40,2, enquanto a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) ficou em 16 por 100 mil habitantes. O gráfico abaixo, também do Atlas da Violência 2018, mostra que no Brasil, a taxa de homicídios de jovens de 15 a 29 anos, em 2016, foi de 65,5 mortes para cada 100 mil pessoas. Foram assassinados 33.590 jovens (15-29 anos), sendo 94,6% do sexo masculino, o que representa um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior.
Este é o lado mais perverso, pois cria uma juventude perdida, que está fora das escolas e não consegue se inserir no mercado de trabalho e acaba sendo promotora e vítima de uma violência kafikiana e que está comprometendo o futuro do Brasil. A tabela abaixo mostra que a taxa de homicídio entre os jovens brasileiros está acima de 100 mortes para cada 100 mil indivíduos em Sergipe (142,7), Rio Grande do Norte (125,6), Alagoas (122,4), Bahia (114,3), Pernambuco (105,4) e Amapá (101,4). As menores taxas estão em Santa Catarina (27,2) e São Paulo (19,0).
As mortes violentas não só reduzem a esperança de vida e a razão de sexo (devido ao “Homencídio”), mas alteram também a dinâmica da economia, da sociedade e das famílias, ao interromper de forma precoce o ciclo de vida das pessoas e ao impedir que jovens – homens e mulheres – possam melhor contribuir para o desenvolvimento social e cultural das nações. O impacto nas famílias é enorme, pois muitos pais perdem os filhos, filhos perdem os pais, esposas perdem os maridos, irmãos perdem parentes e cônjuges perdem seus companheiros, quebrando as relações interfamiliares. Um país que vê passivamente sua juventude ser morta de forma violenta é injusto no presente e tem seu futuro comprometido irremediavelmente.
O artigo “A validade da explicação demográfica para a tendência recente do homicídio de homens jovens em quatro regiões metropolitanas brasileiras (2002-2012)”, de (MANETTA e ALVES, 2018), mostra que a transição demográfica e a superação da onda jovem contribui para a redução das taxas de homicídios, mas o bom desempenho do mercado de trabalho e a geração de oportunidades para os jovens está entre os principais determinantes para a prevalência de menores taxas de violência letal.
Referências:
CERQUEIRA, D. et. al. Atlas da Violência 2018 Ipea e FBSP, 2018
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas_da_violencia_2018.pdf
MANETTA, Alex; ALVES, JED. A validade da explicação demográfica para a tendência recente do homicídio de homens jovens em quatro regiões metropolitanas brasileiras (2002-2012), Ideias, Campinas, SP, v.9, n.1, AOP, jan./jun. 2018
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652691/18147
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ideias/article/view/8652691/18147
MOTTA, Aydano André. Melhor ficar no futebol – porque no resto…, Colabora, 16/06/2018
https://projetocolabora.com.br/educacao/melhor-ficar-no-futebol-porque-no-resto/
https://projetocolabora.com.br/educacao/melhor-ficar-no-futebol-porque-no-resto/
WHO. World health statistics 2018: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals, 2018 http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/272596/9789241565585-eng.pdf?ua=1&ua=1
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/06/2018
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