Brasil precisa diminuir os gastos inúteis e aumentar os investimentos produtivos, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Economia – O Brasil precisa consertar a casa e seguir os fundamentos básicos da microeconomia, diminuindo os gastos inúteis e aumentando os investimentos produtivos
[EcoDebate] O Brasil vive a sua mais longa e mais profunda crise econômica da história e tem também o período de recuperação mais lento e com menor retomada do desemprego e da atividade econômica. Nos últimos anos houve crescimento da pobreza e da extrema pobreza, com o consequente aumento da mortalidade infantil, da mortalidade materna e do número de mortes violentas. Existem algumas pessoas que atribuem todos estes problemas ao austericídio (redução dos gastos públicos).
Contudo, o gráfico acima mostra que as contas públicas brasileiras continuam deficitárias, conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), WEO de abril de 2018. Nota-se que o resultado primário (saldo da arrecadação, menos os gastos do governo, mas sem contabilizar os juros da dívida) foi positivo entre 2003 e 2013, período de maior crescimento econômico do atual século, mas os déficits de 2015 a 2018 são os maiores dos anos 2000 e mostram que o Brasil continua gastando muito e gastando de maneira errada.
Em 2003, o superávit primário foi de R$ 56 bilhões (3,2% do PIB) e passou para R$ 118 bilhões (3,8% do PIB) em 2008. Na recessão de 2009, o governo promoveu políticas fiscais anticíclicas e o superávit primário caiu para R$ 65 bilhões (1,9% do PIB). O superávit voltou a subir até 2011, com R$ 129 bilhões (2,9% do PIB). Porém, o superávit começou a cair, embora tenha sido de R$ 91 bilhões (1,7% do PIB) em 2013. O superávit foi zerado em 2014 e se transformou em déficit a partir de 2015.
Ou seja, o governo teve superávit quando conseguia colocar as contas públicas em relativo controle e garantia o crescimento do emprego e da renda. Foi a perda de controle sobre os gastos públicos que jogou a economia na recessão e a recessão prejudicou ainda mais as contas públicas.
Enquanto o superávit primário se manteve relativamente alto entre 2003 e 2008, o déficit nominal ficou moderadamente controlado abaixo de R$ 100 bilhões, o que representava menos de 3% do PIB. Mas com a recessão, o déficit nominal ultrapassou R$ 100 bilhões em 2009 e chegou a R$ 159 bilhões (-4,2% do PIB), em 2010. Mas o que estava ruim piorou e o déficit nominal chegou a R$ 363 bilhões (-6,5% do PIB) em 2014 e a impressionantes R$ 588 bilhões (-9,8% do PIB) em 2015.
Enquanto houve superávit primário houve também redução da dívida pública bruta (como % do PIB), com redução forte entre 2003 e 2008 e redução moderada até 2013, conforme mostra o gráfico abaixo. Porém, quando o superávit primário se transformou em déficit, elevando o déficit nominal, a dívida pública bruta disparou, chegando a 87% do PIB em 2018 e devendo alcançar 95% do PIB, no ano dos 200 anos da Independência.
Portanto, a situação fiscal do Brasil é dramática e é um equívoco pensar que basta aumentar os gastos públicos para voltar a gerar emprego e renda. Na verdade, o Brasil precisa diminuir os gastos inúteis e aumentar os investimentos produtivos e ambientalmente sustentáveis. O debate eleitoral não deveria ser entre ter mais gastos ou ter menos gastos estatais. A questão é a qualidade dos gastos e o retorno social e ambiental das despesas públicas.
Os gastos sociais vem subindo no Brasil desde a Constituição de 1988, que estabeleceu uma série de direitos fundamentais, mas não estabeleceu normas (análise custo/benefício) para o financiamento destes direitos. Fica parecendo que basta fazer uma lei para resolver todos os problemas econômicos. Repetidamente, ativistas dizem que basta vontade política para acabar com os males que assolam o país.
Mas a economia tem seus fundamentos e não há como “fazer omelete sem quebrar os ovos”. Ceteris paribus, não há como aumentar a redistribuição dos excedentes sem aumentar a produtividade do trabalho e dos fatores de produção.
Dizer que as despesas com educação, saúde e previdência “não são gastos, mas sim investimentos” pode ser um bom exercício de retórica, porém, todo investimento requer gasto e só traz retornos econômicos e sociais se for bem-feito e bem implementado. Se o retorno dos investimentos não vier acima dos gastos com estes investimentos a economia vai para o buraco. Por exemplo, os investimentos nas refinarias de Pasadena e no Complexo Petroquímico de Itaboraí foram apenas gastos que endividaram a Petrobras, aumentaram o preço dos combustíveis, geraram a greve dos caminhoneiros de maio de 2018 e a população brasileira já está pagando e vai pagar por muitos anos adiante.
Quando se faz um investimento na construção de uma escola ou na criação de um hospital e as obras ficam no meio do caminho o que se tem é apenas gastos em educação e saúde que nunca vão ter retornos sociais e cujos prejuízos vão ser socializados com toda a população.
Quanto se investe na expansão da educação, mas não se investe na qualidade desta educação o resultado é o aumento das despesas e o não retorno dos investimentos. Quando se investe na educação básica dos jovens, mas não se gera as oportunidades de colocação no mercado de trabalho e se tem mais de 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos sem escola e sem trabalho (geração nem-nem) então a educação é apenas gasto sem retorno e não adianta utilizar o truque para dizer que educação é investimento. Pois mesmo que se considere investimento é um investimento que não seria aprovado em uma análise custo/benefício. Por exemplo, o Estado investiu na educação pública do ex-governador Sérgio Cabral e mesmo com educação superior e muito contato com a “inteligência” do Rio de Janeiro, todo este investimento reverteu contra a população ao se transformar em um generalizado esquema de corrupção ampla, geral e irrestrita.
Indubitavelmente, investimento em cidadania e direitos humanos é uma tarefa imprescindível, mas este tipo de investimento só se sustenta no longo prazo se houver retorno econômico para que haja acúmulos ainda maiores nas sucessivas gerações e na ampliação da qualidade de vida.
Outros exemplos são os programas de transferência de renda, que são muito bem-vindos para a redução imediata da extrema pobreza, mas que não devem reproduzir o ciclo intergeracional da pobreza, pois os filhos das famílias beneficiadas deveriam ter educação e emprego para sair do ciclo vicioso da miséria. As políticas universais são necessárias e imprescindíveis.
Enfim, se o próximo governo aumentar o déficit primário (que já é alto) sem melhorar a qualidade do investimento e a produtividade da economia, pode simplesmente propiciar o aumento da inflação e um agravamento ainda maior das contas públicas. Déficit primário elevado, com aumento da dívida pública, pode ser o estopim de uma nova recessão, ainda mais neste momento de crise cambial que se espalha pelo mundo, primeiro com a ida da Argentina ao FMI e depois com a desvalorização da moeda da Turquia.
O fato é que não basta aumentar gastos públicos e aumentar o déficit primário para resolver todos os problemas. Ao contrário, pode agravar tudo.
O Brasil precisa consertar a casa e seguir os fundamentos básicos da microeconomia, diminuindo os gastos inúteis e aumentando os investimentos produtivos, para que haja geração de emprego e de renda para todas as pessoas que desejam trabalhar e não possuem este direito humano fundamental.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2018
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