Abelhas nativas são os principais polinizadores do açaí (Euterpe oleracea)
Mais de 90% da polinização do açaí é realizada por abelhas da Amazônia
- Mais de 70 espécies de insetos transportam pólen de açaí.
- Porém, abelhas nativas carregam, pelo menos, oito vezes mais que os demais insetos.
- A polinização da planta é feita, majoritariamente (90%), por abelhas sem ferrão e solitárias da família Halictidae.
- Presença da floresta nativa é fundamental para manter a biodiversidade dos polinizadores.
- Descobertas são importantes para a cultura, pois afetam a produtividade e a própria reprodução da planta.
- O valor da polinização animal para a agricultura brasileira é estimado em R$ 43 bilhões anuais.
As abelhas nativas são os principais polinizadores do açaí (Euterpe oleracea). É o que afirma um estudo que acaba de ser publicado na revista científica Neotropical Entomology, pela Embrapa, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). O trabalho mostra que elas representam mais de 90% do trabalho de polinização nas flores da palmeira e são mais eficientes no transporte do pólen que os outros insetos, o que impacta diretamente na cadeia produtiva do açaí.
O estudo foi realizado em oito áreas nos municípios paraenses de Barcarena e Abaetetuba. Foram analisadas quatro áreas manejadas de açaí de várzea e outras quatro de plantios em terra firme. Nos locais, foram coletados insetos de 74 espécies diferentes que visitaram as flores da palmeira.
Autora principal do artigo, a agrônoma da UFRA Leilane Bezerra conta que ao estudar o número de grãos de pólen de açaí transportados pelos insetos, a equipe descobriu que as abelhas nativas são o grupo de polinizadores mais eficaz.
Oito vezes mais pólen
“Descobrimos que mais de 70 espécies de insetos, incluindo abelhas, moscas, vespas, formigas e besouros, transportam pólen de açaí. Mas as abelhas nativas, incluindo espécies sem ferrão (Meliponinae) e solitárias (como as da família Halictidae), carregam pelo menos oito vezes mais pólen do que os outros insetos e representam seis em cada dez visitas de insetos às flores de açaí”, revela.
De acordo com a bióloga Márcia Maués, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental (PA), coautora do trabalho, até agora cientistas sabiam pouco sobre o percentual das contribuições dos diferentes grupos de insetos à polinização do açaí. Esse conhecimento, segundo ela, é fundamental para embasar recomendações aos agricultores sobre a polinização e manejo de polinizadores dessa palmeira tão importante para a economia do Pará e do Brasil.
“A polinização é um processo essencial para a produção de sementes e frutos em três quartos dos cultivos globais. Mas para muitos cultivos tropicais como o açaí, o conhecimento sobre polinização ainda era limitado, dificultando o desenvolvimento de práticas agrícolas amigáveis para os polinizadores’”, comenta a cientista.
Mercado de R$3 bi no Pará
O açaizeiro (Euterpe oleracea) é uma espécie nativa das áreas de várzea da Amazônia, mas o seu plantio em terra firme vem conquistando o mercado. O estado do Pará produziu, em 2018, 1,4 milhão de toneladas do fruto, em uma área de quase 200 mil hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse total envolve o manejo de áreas de várzea e os plantios de terra-firme. Somente na economia paraense, o produto movimentou cerca de três bilhões de reais, em 2018.
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Visitantes florais
A pesquisa analisou todos os visitantes da palmeira durante a fase feminina, cujo período é de quatro a oito dias, no período de maior floração da palmeira, entre março e junho. Isso, segundo Maués, serviu para facilitar a identificação dos potenciais polinizadores, “pois apenas os insetos que transferem pólen para as flores femininas podem polinizar”, detalha.
Ela explica que o açaí é uma espécie que depende de polinização cruzada entre flores masculinas e femininas em diferentes palmeiras. Ao buscarem alimento, os insetos carregam o pólen das flores masculinas para as femininas e é nesta última que acontece a polinização. “Todos são insetos visitantes, mas uns são coletores e outros, polinizadores. Nosso estudo focou no segundo grupo”, complementa.
O primeiro resultado encontrado pelos cientistas foi que mais da metade (51%) dos 596 insetos visitantes coletados na palmeira são abelhas nativas. As abelhas sem ferrão representam 38%; as moscas são 16%; outras abelhas (solitárias e em sua maioria nativas) somam 13%; vespas, 12%; formigas, 8%; e 6% são besouros.
A etapa seguinte foi quantificar os grãos de pólen presentes no corpo de cada inseto, o que a pesquisa chama de carga polínica. Essa atividade revelou a média de dois grãos por animal, pois em 25% deles não foi detectado pólen. “Porém, encontramos abelhas solitárias que carregavam até cinco mil grãos de pólen em seu corpo. Era como se tivesse mergulhada em farinha”, compara o biólogo Alistair Campbell, pesquisador visitante em atuação na Embrapa Amazônia Oriental.
O estudo comprovou que as abelhas nativas representam mais de 90% da polinização do açaí, e entre elas estão as sem ferrão (60%) e as solitárias (35%). Das quatro espécies nativas que se destacaram na carga polínica e abundância nas flores, duas são abelhas solitárias dos gêneros Augochloropsis e Dialictus; e outras duas espécies sem ferrão do gênero Trigona, a arapuá (Trigona branneri Cockerell) e a olho-de-vidro (Trigona pallens Fabricius).
As abelhas sem ferrão apresentaram ainda vantagens em relação às solitárias, como afirma Campbell. “Elas visitam com mais frequência as flores, quase sempre carregam pólen e possuem colônias mais populosas. São as espécies mais consistentes na polinização do açaí e podem ser criadas e manejadas”, detalha. O cálculo feito pelos cientistas considerou carga polínica e a frequência de visitas.
Nada substitui a floresta
Campbell explica ainda que há pouco conhecimento sobre o manejo das abelhas solitárias e que muitas delas constroem seus ninhos no chão. No caso das abelhas Trigona, o manejo também não é fácil, pois, apesar de não terem ferrão, são agressivas e exigem mais cuidado. No entanto, existem outros meliponíneos que podem ser manejados. O cientista afirma que manter a floresta ao redor de plantios, contribuindo para a polinização natural, ainda é a melhor opção ao produtor.
Inserir colmeias em áreas de açaí plantado em terra firme e em áreas manejadas de várzea é uma estratégia para aumentar a produção de frutos, especialmente quando há desmatamento no entorno, segundo Campbell. Porém, nada substitui a preservação da floresta na manutenção da biodiversidade. “A gente nunca vai conseguir reproduzir o esforço da floresta”, afirma o cientista.
“Os resultados mostram que a produção de açaí depende de um conjunto diverso de abelhas para obter altas colheitas. Algumas delas podem ser manejadas em colmeias. Mas é importante que os produtores mantenham florestas preservadas perto das áreas de produção para promover polinizadores silvestres e a alta produção de frutos”, reforça o biólogo Cristiano Menezes, da Embrapa Meio Ambiente, coautor do trabalho.
Ele diz ainda que os produtores podem investir em polinizadores manejados, mas isso envolve custos de compra de colmeias e manutenção de colônias. “Ainda assim, os polinizadores silvestres presentes na floresta são mais eficientes. É melhor ter áreas menores de açaí cercadas por florestas que produzem mais frutos por touceira do que plantações maiores que produzem muito menos”, conclui Menezes.
Serviço de alto valor
Os autores reforçam a necessidade de mais pesquisas sobre a polinização do açaí para transformar essas descobertas em práticas agrícolas que protejam a biodiversidade e o bem-estar humano. “O valor total da polinização animal para a agricultura brasileira é estimado em R$ 43 bilhões por ano. E nos trópicos, 90% das plantas com flores dependem, pelo menos parcialmente, de polinizadores para produzir seus frutos e sementes”, afirma Maués.
Para chegar ao estudo recente, a equipe de pesquisadores vem trabalhando desde 2016. Maués conta que são nove projetos que estudam as abelhas e polinização, financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (Abelha).
“Trata-se do primeiro edital do CNPq com aporte de parcerias público-privadas. Entre os objetivos do projeto está o estudo do papel das abelhas na polinização de diferentes espécies frutíferas e arbóreas e o impacto na produtividade de plantios e de áreas manejadas”, conta Maués, coordenadora do trabalho.
Produtor teve mais produtividade e maior rendimento de polpa
Que o açaí é um bom negócio não é novidade. Mas manejar abelhas sem ferrão nos plantios foi a inovação que o produtor Fernando Miranda buscou na Embrapa. Ele possui um plantio de 12 hectares de açaí no município de Santa Bárbara, na Região Metropolitana de Belém (PA).
Quando iniciou sua produção de açaí, Miranda buscou técnicas e ações que pudessem aumentar a produtividade de sua área. “Passei a me interessar pela polinização realizada pelas abelhas sem ferrão e, em dezembro de 2017, realizei um treinamento na Embrapa sobre a criação e manejo desses insetos”, conta.
Ele lembra que teve dificuldade de encontrar fornecedores de colônias em caixas específicas. ”Por isso, optei por realizar um trabalho de identificação das espécies que ocorriam naturalmente no meu açaizal e manter a preservação das colônias”, relata. Foi assim que se estabeleceu a parceria do agricultor com a Embrapa. Os técnicos da instituição passaram a avaliar a área de Miranda e a realizar estudos no local, onde foi instalado um meliponário.
“Os resultados são, sem dúvida alguma, muito animadores”, comemora o produtor. Ele diz que houve um aumento na quantidade da produção de frutos de aproximadamente 30% quando a plantação foi exposta às novas colônias trazidas pela Embrapa. Além disso, as palmeiras passaram a produzir frutos com mais qualidade e melhor rendimento de polpa.
Foto: Ronaldo Rosa
Por Ana Laura Lima (MTb 1268/PA)
Embrapa Amazônia Oriental
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/08/2020
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