O mundo vive o risco de uma década perdida no desenvolvimento humano, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Os primeiros anos desta década anunciaram um período particularmente perturbador da história humana
“O que estava em jogo no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” (Ulrich Beck, Sociedade de Risco)
O Banco Mundial divulgou, em janeiro, o relatório “Perspectivas Econômicas Globais 2023” prevendo um redução do ritmo de crescimento da economia mundial no corrente ano, podendo chegar perto de uma recessão.
O banco prevê um crescimento global do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,7% em 2023, o ritmo mais lento desde as recessões de 2009 e 2020 e um valor bem abaixo do previsto no relatório anterior, de junho de 2022, que estimava um crescimento de 3% no atual ano.
O mundo vive uma crise do desenvolvimento. Para o Banco Mundial, a deterioração é ampla, pois, em praticamente todas as regiões do mundo, o crescimento da renda per capita será mais lento do que na década anterior à pandemia da Covid-19 e o revés da prosperidade global provavelmente persistirá até o final de 2024. O patamar do PIB nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento deve ficar cerca de 6% abaixo do nível esperado antes da pandemia. Além disso, os níveis de renda estão sendo corroídos significativamente pela inflação, moeda depreciação e subinvestimento das pessoas e do setor privado. O crescimento global deve desacelerar para um de seus ritmos mais lentos em quase três décadas, ficando atrás apenas das recessões globais de 2009 e 2020.
O gráfico abaixo mostra o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), para o mundo, entre 1990 e 2021. Nota-se que o IDH cresceu cerca de 0,05 entre a última década do século XX e a primeira década do século XXI. Na década passada o IDH global passou de 0,697 em 2010 para 0,735 em 2020, o menor ritmo de avanço desde a criação do indicador. Para piorar, pela primeira vez, o IDH caiu entre 2019 e 2021 refletindo os problemas gerados pela pandemia da covid-19. A década de 2020 pode ser de estagnação.
O Banco Mundial prevê que o crescimento global deve desacelerar para um de seus ritmos mais lentos em quase três décadas, ficando atrás apenas das recessões globais de 2009 e 2020. Estima-se que o crescimento de investimentos nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento permaneça abaixo da taxa média das duas últimas décadas. Qualquer choque extraordinário desfavorável pode levar a economia global à recessão. Os países menores estão especialmente vulneráveis a esses choques devido à dependência do comércio e do financiamento externos e também à diversificação limitada, à dívida elevada e à suscetibilidade a desastres naturais. Uma ação política imediata é necessária para impulsionar o crescimento e o investimento, incluindo o redirecionamento dos gastos existentes, como subsídios agrícolas e de combustíveis.
Avaliação preocupante foi feita também pela 18ª edição do Relatório Global de Riscos (Global Risks Report) do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, que se reuniu na segunda metade de janeiro de 2023. Segundo o relatório, os primeiros anos desta década anunciaram um período particularmente perturbador da história humana. O retornar a um “novo normal” após a pandemia da Covid-19 foi rapidamente interrompido pela Guerra na Ucrânia, inaugurando uma nova série de crises no preço dos alimentos e energia – desencadeando problemas que décadas de progresso procurou resolver.
Com o início de 2023, o mundo enfrenta uma série de riscos que parecem totalmente novos e estranhamente familiares. Assim, o mundo tem visto um retorno de riscos “antigos” – inflação, custo de vida crises, guerras comerciais, saídas de capital de países emergentes, agitação social generalizada, confronto geopolítico e o espectro da guerra nuclear. Esses estão sendo amplificados por desenvolvimentos relativamente novos no cenário de riscos globais, incluindo níveis de endividamento, uma nova era de baixo crescimento, baixo investimento, desglobalização e a pressão crescente dos impactos das mudanças climáticas em uma janela cada vez menor para a transição para um mundo de 1,5°C. Juntos, estes riscos estão convergindo para gerar uma década incerta e turbulenta que está por vir.
O Relatório de Riscos Globais 2023 apresenta os resultados da última Pesquisa Global de Percepção de Riscos (GRPS). A tabela abaixo mostra os riscos globais classificados por gravidade no curto e longo prazo:
Também em janeiro de 2023, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, alertou para o risco crescente de fragmentação da econômica global. Ela diz que os líderes mundiais enfrentam um nó górdio de desafios: desaceleração econômica global, mudanças climáticas, crise do custo de vida e aos altos níveis de endividamento. Não há maneira fácil de superar isso, especialmente, face às tensões geopolíticas que tornaram ainda mais difícil abordar questões globais vitais. Sem dúvida, mesmo quando se precisa de mais cooperação internacional em várias frentes, o mundo enfrenta o espectro de uma nova Guerra Fria que pode levar a economia internacional a se fragmentar em blocos econômicos rivais. Isso seria um erro de política coletiva que deixaria todos mais pobres e menos seguros.
De fato, os benefícios econômicos globais estão sendo ameaçados pelos custos sociais e ambientais. A gigante global de resseguros, Munich Re, disse que vê as mudanças climáticas e La Niña como dois dos impulsionadores de uma conta anual de perdas seguradas por desastres de US$ 120 bilhões a partir de 2022. Sendo que as perdas totais decorrentes de desastres naturais são estimadas provisoriamente em US$ 270 bilhões para 2022 (abaixo dos US$ 320 bilhões de 2021), com o mercado de seguros assumindo US$ 120 bilhões dessa conta. As enchentes do Paquistão e da Califórnia são exemplos dos custos da crise climática e o aumento do preço dos alimentos (que bateu o recorde histórico em 2022) é um exemplo não só da crise climática, mas também da crise da biodiversidade e do colapso das espécies polinizadoras.
Em síntese, há muitas incertezas sofre o futuro, mas as perspectivas para os próximos anos é de menor crescimento econômico, maior endividamento e maiores danos provocados pela crise climática e ambiental, na linha do que disse o economista ecológica, Herman Daly, que alertava sobre o “crescimento deseconômico” e como disse Ulrich Beck, sobre a Sociedade de Risco: “o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
World Bank. Global Economic Prospects, January 2023
https://openknowledge.worldbank.org/bitstream/handle/10986/38030/GEP-January-2023.pdf
WEF. The Global Risks Report 2023, 11/01/2023
https://www.weforum.org/reports/global-risks-report-2023/
Kristalina Georgieva. Confronting Fragmentation Where It Matters Most: Trade, Debt, and Climate Action, IMF, January 16, 2023
https://www.imf.org/en/Blogs/Articles/2023/01/16/Confronting-fragmentation-where-it-matters-most-trade-debt-and-climate-action
Steve Evans, Munich Re sees climate change & La Niña in $120bn disaster insurance bill from 2022, Artemis, 10/01/2023 https://www.artemis.bm/news/munich-re-sees-climate-change-la-nina-in-120bn-disaster-insurance-bill-from-2022/
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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