sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

POLUIÇÃO MARINHA ESTÁ GERANDO ROCHAS FORMADAS POR PLÁSTICO.

Poluição marinha está gerando rochas formadas por plástico

Estudo demonstra como o plástico está se integrando ao ciclo geológico no ambiente costeiro e marinho

 

O aumento da produção e do consumo de novos materiais, a partir do desenvolvimento tecnológico, tem ampliado a capacidade de os seres humanos influenciarem o ciclo geológico da Terra, tornando-nos capazes de alterar irreversivelmente esses processos. A poluição, encontrada especialmente no ambiente marinho e ocasionada, em grande parte, pelos materiais plásticos, pode alterar até mesmo os cenários de fauna e de flora do ambiente terrestre.

É o que sugere um artigo publicado por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de outras instituições brasileiras no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect (Elsevier). Os autores encontraram novos dados que comprovam que o homem está atuando como agente geológico e ocasionando a geração de novas rochas, a partir da poluição marinha.

Antropoceno – impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais. O tempo geológico, que embasa importantes teorias fundamentais da ciência moderna –como a Teoria da Evolução –, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje.

estudo relata a ocorrência de rochas idênticas às naturais mas compostas por plástico no Parcel das Tartarugas, região da Ilha da Trindade – ilha vulcânica localizada a 1.140 quilômetros de Vitória (Espírito Santo) e administrada pela Marinha do Brasil. O local é uma importante reserva marinha do Atlântico Sul e uma Unidade de Monumento Natural Brasileiro. As rochas constituídas por plástico foram identificadas próximo à maior região de ninhos da tartaruga-verde (Chelonia mydas) e de recifes de caracóis marinhos do Brasil.

Pertencente à chamada Amazônia Azul – área com riquezas naturais e minerais abundantes que apenas o Brasil pode explorar economicamente –, a ilha é habitat natural de aves marinhas e alberga um ecossistema frágil e único que inclui espécies endêmicas de peixes e diferentes conjuntos recifais.

A descoberta de Fernanda Avelar Santos, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR, aconteceu durante atividades de mapeamento geológico na Ilha.

“Identificamos quatro tipos de formas de detritos plásticos, distintos em composição e aparência. Os depósitos plásticos na plataforma litorânea recobriam rochas vulcânicas; sedimentos da atual praia compostos por cascalhos e areias; e rochas praiais com superfície irregular devido à erosão hidrodinâmica”, descreve a pesquisadora.

Os plastiglomerados, análogos às rochas sedimentares, foram relatados pela primeira vez no Havaí, em 2014. Outro material identificado na ilha brasileira foi o plastistone, similar às rochas ígneas e com composição predominantemente plástica. O elemento foi encontrado recobrindo rochas vulcânicas existentes na região, que registram o último episódio de vulcanismo ativo no Brasil.

“Além disso, observamos piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra”, revela Fernanda.

Os materiais retratados no artigo foram visualizados em campo em 2019 e possuem, no máximo, duas décadas de existência. Amostras coletadas passaram por análises laboratoriais que permitiram reconhecer diferentes formas de detritos plásticos. A autora explica que o fenômeno local-único ocorre acima de dois tipos diferentes de substratos – que estabelecem a ligação entre o substrato geológico e as formas plásticas.

Antropoceno: a era das consequências promovidas pelos homens no tempo geológico

A principal contribuição do artigo é o reconhecimento de que os seres humanos estão se comportando como agentes geológicos e influenciando os depósitos sedimentares. Com base nas intervenções humanas, os autores alertam que é necessário questionar o que é verdadeiramente natural.

Para a pesquisadora e coautora Giovana Diório, mestranda em Geologia na UFPR, o atual comportamento das pessoas em relação à poluição marinha está provocando uma mudança de paradigma da Geologia clássica, que possui uma perspectiva pré-antropocênica, ou seja, que entende os processos antigos da história da Terra a partir de uma concepção baseada no período anterior à interferência significativa do ser humano nos processos naturais.

“As ocorrências mostram que o impacto humano, assim como os seus resíduos, estão tão presentes no meio ambiente que começaram a influenciar processos antes considerados essencialmente naturais, a exemplo da formação de rochas”, pondera Giovana.

“Ao longo do tempo geológico, os principais agentes transformadores dos registros da Terra eram naturais. Por exemplo, processos tectônicos e mudanças climáticas. No entanto, a ação humana nos tempos atuais está tão penetrante que está modificando o planeta de forma mais acelerada do que os processos naturais”, declara a autora principal do artigo, que exemplifica: “ao destruirmos montanhas para exploração mineral ou realizarmos a construção de estradas, em semanas ou poucos anos essa montanha pode ser aplainada. Em um contexto de erosão natural, esse processo levaria milhares ou milhões de anos”.

O processo de formação de uma rocha a partir da poluição marinha, por exemplo, é rápido e depende de três etapas, nas quais o ser humano atua como principal agente geológico: disponibilidade de lixo plástico no ambiente marinho ou costeiro; arranjo e deposição do lixo em um local da praia, que ocorre quando as pessoas juntam o lixo a fim de descartar ou fazer fogueira; e aumento da temperatura do ambiente por meio de fogo, que derrete o plástico interage com os sedimentos da praia formando cimento plástico e, consequentemente, essas rochas.

Estudo demonstra como o plástico está se integrando ao ciclo geológico no ambiente costeiro e marinho

 

Para o geólogo Carlos Conforti Ferreira Guedes, professor do departamento de Geologia da UFPR e colaborador no artigo publicado, é necessário preservar estratigraficamente o impacto humano na Terra. A análise sedimentar e estratigráfica é o estudo e a descrição dos sedimentos e rochas sedimentares para interpretar como eles foram formados.

Ele explica que, com os materiais não-naturais, como lixo e plásticos, ocorrendo de forma indiscriminada na natureza, eles passaram a participar dos processos sedimentares e a se acumularem junto às rochas clássicas, ficando preservados no que se chama de registro geológico. “Quando os geólogos do futuro forem analisar as rochas deste período, poderão reconhecer o impacto humano na Terra pela identificação desses materiais não-naturais junto aos materiais naturais”, reflete.

Apesar de ainda não ser possível definir os impactos dessas rochas compostas por plásticos para o meio-ambiente e como elas irão se comportar no registro geológico, Fernanda sugere que as Geociências comecem a considerar a ação humana, assim como os materiais antropogênicos, como atributos fundamentais nos processos recentes.

“Atualmente, os conceitos clássicos da Geologia consideram apenas os fatores naturais como preponderantes para definir termos, como a definição de rocha. Em uma perspectiva do Antropoceno, estes critérios precisam ser atualizados e integrar a ação humana como aspecto fundamental. Dessa forma, poderemos entender de que modo estamos impactando o sistema terrestre atual e buscar soluções para amenizar e construir um futuro geológico em harmonia com os sistemas naturais”, alerta a cientista.

O impacto humano no planeta Terra é o campo de estudos dos pesquisadores do Antropoceno, perspectiva que representa o tempo em que a humanidade está se tornando o agente geológico ativo dos processos geológicos atuais.

O tempo geológico, que embasa importantes teorias fundamentais da ciência moderna – como a Teoria da Evolução –, representa o reconhecimento de uma escala cronológica que subdivide os 4,5 bilhões de anos de história da Terra e é crucial para o entendimento da evolução do planeta, desde o seu início até como o conhecemos hoje.

Fonte: Ciência UFPR

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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