Estudo mostra que se não forem tomadas medidas para conter a urbanização descontrolada o continente estará mais vulnerável a desastres no futuro.
Um Brasil ainda mais quente, com ondas de calor frequentes e duradouras e frentes frias progressivamente escassas e fracas. As projeções climáticas para até o fim do século não são otimistas, como alerta um relatório especial sobre gerenciamento de eventos extremos e desastres, encomendado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). O documento, que será divulgado nesta semana em São Paulo, analisou 68.250 episódios de catástrofes naturais nos últimos 60 anos na América Latina e Caribe. Suas conclusões servem de alerta para os tomadores de decisão. A não ser que se tomem medidas para conter a urbanização descontrolada e a favelização do continente, sua vulnerabilidade a desastres e a expansão de epidemias como a malária devem progredir. Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4560.
O documento latino-americano é um desmembramento do estudo global, divulgado em novembro passado em Londres. Outras regiões – África, Ásia e Estados insulares, por exemplo – receberam o mesmo tratamento. Os resultados terão peso fundamental no quinto relatório do IPCC, cuja divulgação deve se estender entre o fim do ano que vem e 2015. O relatório do IPCC será dividido em três partes. Uma delas – abordada por este levantamento latino-americano – é especificamente voltada a adaptações para extremos climáticos e desastres.
“O clima pode ser um deflagrador, mas ele não atua sozinho”, pondera o representante do Brasil entre os autores do estudo, José Marengo, do Inpe. “Como não dá para acabar com a chuva ou a enchente, precisamos pensar na possibilidade de que a população se instale em regiões mais protegidas, longe das encostas. Devemos considerar fatores políticos, econômicos e sociais”.
Por reunir 220 pesquisadores, o grupo optou por não divulgar números ou percentuais relacionados em seus prognósticos. Em vez disso, usou os termos “provável” (de 66% a 100% de chances) e “muito provável” (acima de 90% de probabilidade). Os estudos brasileiros, porém, estão mais avançados do que na maioria do continente – o que lhes permite serem mais específicos em seus cálculos.
O País inteiro ficará mais quente, com ondas de calor frequentes e longas. O Centro-Sul registrará mais 2 ou 3 graus Celsius em seus termômetros. Já Nordeste, Norte e, em especial, a Amazônia podem esperar por um acréscimo igual ou superior a 4 graus na temperatura.
A pluviosidade é mais variável conforme a região. A Amazônia Oeste, mais próxima à Cordilheira dos Andes – onde está a nascente de rios como o Amazonas – receberá um aumento de pancadas extremas. Já a fração Leste do bioma, que já sofre estações de seca todos os anos, verá a estiagem se agravar. O Nordeste deve ter a redução mais significativa das chuvas – pode ficar até 40% mais seco -, especialmente em sua porção semiárida, que concentra 10 milhões de habitantes.
No Sul, o problema é com o excesso d’água – e mal dispersa durante o ano. “Haverá um aumento de até 30% nas chuvas, e elas não devem ocorrer de forma regular”, revela Marengo. “Serão precipitações concentradas, daquelas que costumam causar enchentes e derrubar encostas. O Sudeste, por sua vez, é a região mais complicada. Está entre o Sul chuvoso e o Nordeste seco. Por isso, é difícil saber que tendências esperar dali”.
De acordo com o relatório, há uma relação direta, em países de média e baixa renda, entre temperatura diária e mortalidade. O estresse pelo calor provocaria danos mesmo em metrópoles com boa infraestrutura e acostumadas ao clima quente, como a cálida Salvador. “Em março de 2010, uma onda de calor em São Paulo provocou dez mortes”, lembra Marengo. “Estamos acostumados a ler sobre isso quando o fenômeno ocorre em países temperados, mas nossa população também é vulnerável, mesmo vivendo em cidades tropicais”.
As enchentes, “seja por mudanças climáticas, degradação ambiental ou outros fatores sociais, podem levar a mudanças geográficas de regiões de epidemia malárica”, previne o estudo. Surtos da doença foram associados à mudança do habitat de mosquitos vetores em 1991, depois de enchentes na Costa Rica.
No Brasil, o deslocamento dos mosquitos seria da Amazônia para o Sul, região que tende a se tornar mais aquecida e úmida – condições propícias para o acasalamento da espécie.
Pesquisador da Fiocruz e especialista em mudanças climáticas e saúde, Ulisses Confalonieri contesta esta hipótese. “Há muitos fatores a serem considerados em doenças transmissíveis. Devemos lembrar das condições físicas, como a umidade, temperatura e distribuição de chuvas, a evolução da vigilância epidemiológica e os índices de saneamento básico”, explica. “Creio que, com a evolução dos serviços do País, ficará ainda mais difícil que certas doenças se disseminem pelo território nacional, mesmo que as temperaturas aumentem 2 ou 3 graus Celsius”.
O Caribe é, de acordo com Marengo, a região que mais preocupa os climatologistas. Entre os danos previstos para as ilhas estão o aumento dos ciclones tropicais; a morte dos recifes de corais; e a elevação do nível do mar – um tema delicado onde metade da população vive a menos de 1,5 quilômetro da costa. O relatório indica “alta confiança” de que estas fatalidades traguem parcelas enormes do PIB desses países. Um furacão em 1998, por exemplo, custou à Honduras 95% de sua receita daquele ano.
EcoDebate, 14/08/2012
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