Muralhas fantasmas
Elevado número de empreendimentos vazios na China alimenta o temor global de uma bolha imobiliária na segunda maior economia do mundo
Fabíola Perez
Imponentes e modernas, as cidades chinesas são um símbolo da pujança econômica do país. O setor de construção civil responde por 11% do PIB nacional e demanda uma grande parcela da produção internacional de aço e cobre. No entanto, a China enfrenta hoje uma das maiores contradições de seu vasto mercado imobiliário: são 64 milhões de imóveis vazios, entre eles, casas, torres, escritórios e até shoppings. O fenômeno, que ocorre em várias regiões, é resultado do excesso de investimento imobiliário e já traz o perfil de uma bolha, prestes a fazer estragos na segunda maior economia do globo e assustar investidores de todo o mundo. “As cidades fantasmas são consequência de um investimento insustentável gerado pela expansão do crédito no país”, explica Bruna Santos, diretora de Relações Internacionais e sócia-fundadora da consultoria Radar China.
Em algumas regiões há distritos comerciais e residenciais inteiros que nunca chegaram a ser ocupados. O mais conhecido é o bairro fantasma em Ordos, na Mongólia Interior, ao norte do país. Cerca de US$ 1 bilhão foram investidos na construção de 300 mil apartamentos e na infraestrutura para uma população estimada oficialmente em 30 mil pessoas. A intenção dos empresários e da prefeitura era usar os lucros da indústria do carvão local, uma das maiores do país, para transformar a cidade em uma versão chinesa de Dubai, nos Emirados Árabes. A intensa construção de imóveis na China ocorreu na expectativa de que a migração para as cidades se tornasse um processo crescente e com crescimento exponencial. “Os chineses assistiram, porém, a uma desaceleração que não sustentou o tamanho do investimento e mostrou-se incapaz de gerar o número necessário de empregos nas cidades”, ressalta a diretora.
Uma das explicações para as cidades vazias é a falta de opção para aplicações. “Entre poupar e investir, os chineses preferiram a segunda opção, sem pensar exatamente no que estaria por vir”, diz Bruna. Boa parte dos empreendimentos desabitados na China pertence a investidores privados da classe média em ascensão. Eles preferem colocar sua poupança no mercado, uma vez que o rendimento das aplicações nos bancos é baixo e apostar em ações é uma escolha considerada arriscada para o perfil das famílias chinesas. Nos últimos anos, comprar imóveis foi uma opção vantajosa para a população, já que os impostos sobre a propriedade eram baixos e, para estimular a economia, o governo decidiu aumentar a oferta de crédito após a crise mundial de 2008. Com isso, estima-se que 30 milhões de chineses tenham hoje mais de um imóvel.
Para o coordenador do Programa de Estudos Asiáticos Pró-Ásia da Universidade de São Paulo, Gilmar Masiero, existe uma distância entre a demanda da população chinesa e a velocidade com que opera o setor de construção do País. “É preciso levar em consideração que na China a migração é controlada pelo governo, o que dificulta o processo de mudança para quem adquiriu um imóvel nas cidades reformadas”, afirma ele. Outro fator apontado pelo especialista é que as construtoras ergueram mais propriedades do que eram capazes de vender a um preço alto. “Esse fenômeno gerou um excesso de oferta para uma população vinda das áreas rurais e despreparada”, analisa o professor.
CONSTRUÇÃO
Condomínio em Ordos é uma das regiões fantasmas mais famosas
da China (acima). Abaixo, mão de obra empregada no setor
Tentando evitar uma crise, o governo dificultou a compra de múltiplos imóveis para especulação no mercado. Além disso, elevou para 60% a entrada cobrada para um segundo imóvel, o dobro do exigido para o financiamento da primeira casa própria. Com isso, depois de nove meses consecutivos em queda, uma pesquisa realizada com incorporadoras e corretores de imóveis revelou que o preço médio do metro quadrado em 100 grandes cidades chinesas subiu em junho em comparação com o mês anterior. “O mundo olha para a China como um propulsor da economia mundial e o temor é de que o país não consiga alcançar essa meta, provocando uma forte recessão mundial”, observa Bruna, diretora da Radar China. “O pior cenário sobre o crescimento chinês envolve o colapso do mercado imobiliário”, declarou Mark Williams, economista especialista em Ásia, da Capital Economics, de Londres. Caso um crescimento racional do investimento não seja alcançado, especialistas asseguram que mais elefantes brancos farão o mercado imobiliário dar sinais de esgotamento no gigante asiático.
Fotos: Stringer/REUTERS; MIchael Christopher Brown; Xu Wanglin
FONTE: ISTOÉIndependente-Mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário. Aguarde a publicação após a aprovação da Professora Conceição.