Opinião: Biocombustíveis são solução errada para proteger o clima, por Johannes Beck
Até 2020, os biocombustíveis devem representar 10% do consumo da
União Europeia: a solução errada para um sistema de transportes menos
nocivo ao clima, opina o chefe da redação Português para a África,
Johannes Beck.
[Deutsche Welle]
Nem tudo o que se denomina “bio” é correto do ponto de vista ambiental.
Há, por exemplo, poucos biocombustíveis que realmente trazem vantagens
ao meio ambiente. Entre eles estão sobretudo aqueles provenientes de
dejetos, como o gás metano extraído da purina.
Mas dejetos são uma fonte muito limitada. E quando a meta é
substituir em grande escala o petróleo como combustível, é preciso
cultivar enormes extensões de terra para produzir biodiesel ou etanol.
Campeão mundial da produção de biocombustíveis – ao lado do Brasil –
os Estados Unidos apostam em especial no milho. Uma opção que não
beneficia, em absoluto, o clima global. Durante o cultivo do milho são
liberadas enormes quantidades de óxido nitroso, nocivo ao clima. Além
disso, a produção de etanol a partir do milho consome uma grande
quantidade de energia.
Desse modo – segundo cálculos do Departamento Ambiental da Suíça –
quem abastece seu veículo com etanol de milho contribui tanto para a
emissão de gases estufa quanto os que utilizam gasolina convencional.
Balanço ecológico catastrófico
O pior exemplo é o óleo de palmeira do Sudeste Asiático, também
utilizado como biodiesel. Na Malásia e na Indonésia foram queimados, nos
últimos anos, milhares de hectares de mata tropical para o plantio de
palmeiras. Um fato tanto mais catastrófico porque grande parte das
florestas afetadas estava sobre solos de turfa, e os gases estufa neles
contidos foram liberados num volume gigantesco.
Segundo dados da organização ambientalista WWF, somente em Sumatra o
desmatamento das florestas de turfa entre 1990 e 2002 provocou a
liberação de 1,1 gigatonelada de dióxido de carbono por ano. Isso é mais
do que a emissão anual da Alemanha. Além disso, a substituição das
selvas tropicais por plantações implica a destruição do habitat de
plantas, animais e seres humanos.
Nesse meio tempo, a União Europeia (UE) reagiu, exigindo a
apresentação de certificados para biocombustíveis, com o fim de evitar
que as florestas sigam sendo dizimadas. A UE também passou a privilegiar
outros tipos de biocombustível, com melhor “desempenho ambiental”.
Entre elas, o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar –muito mais
eficiente do que o de milho, centeio ou trigo –, do qual o Brasil é o
maior fornecedor.
Mas a cana-de-açúcar e a maioria das outras plantas ideais para a
produção de biocombustível só crescem nos trópicos ou subtrópicos. Isto
é: justamente onde se encontram as selvas e os ecossistemas de maior
biodiversidade do planeta. E estes têm que ser transformados em
monoculturas agrárias para que a produção seja suficiente para
substituir os combustíveis fósseis.
Monoculturas no Brasil
Paralelamente a isso os preços dos gêneros alimentícios subirão
drasticamente em todo o mundo, pois não há áreas agricultáveis
suficientes para, ao mesmo tempo, matar as necessidades de combustível e
de comida da população planetária.
Mesmo o pioneiro Brasil não consegue cobrir com o etanol nem um terço
de seu consumo de combustível. E para isso já é necessária 5% de toda a
área agrícola do país.
Enormes extensões de Mata Atlântica no Nordeste foram derrubadas para
o cultivo da cana-de-açúcar nas últimas décadas. Em Pernambuco, por
exemplo, restam apenas 2,7% das florestas originais. Há também pressão
para transformar em plantações partes do Pantanal. Tais conflitos
demonstram os limites práticos do biocombustível.
Nesse ínterim, o governo brasileiro reagiu, designando para o plantio
sobretudo áreas do Cerrado no Planalto Central. Porém também estas são
ricas em espécies vegetais e animais, as quais seria lamentável
sacrificar em nome das monoculturas de soja ou cana-de-açúcar.
Indiretamente, a expansão do bioetanol também aumenta a pressão sobre
a região amazônica, pois os canaviais expulsam bovinocultores e
plantadores de soja, forçando-os a adentrar a mata tropical.
UE precisa redefinir metas
Somente para satisfazer a meta da UE – de, até 2020, substituir 10%
de todo o combustível consumido por substâncias de origem orgânica –
será necessário criar novas áreas agrícolas do tamanho da Irlanda. O
cálculo é do Instituto de Política Ambiental Europeia (IEEP), sediado em
Londres.
Por isso, a União Europeia deveria abrir mão de suas metas.
Biocombustíveis originários de monoculturas agrícolas são um caminho
equivocado, já que, desse modo, a natureza e o clima não são protegidos,
mas ainda mais prejudicados.
O caminho para um sistema de transporte mais ecológico tem de ser
outro: os automóveis precisam tornar-se mais eficientes e consumir menos
combustível. É preciso ampliar os transportes públicos e, no futuro,
reduzir drasticamente o tráfego, através de um planejamento urbano
inteligente.
Autor: Johannes BeckRevisão: Alexandre Schossler
Artigo de opinião na Agência Deutsche Welle, publicada pelo EcoDebate, 11/03/2011
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