Política Imigratória do Brasil Enfrenta Novos Desafios
01.12.2012
Assunto há muito tempo discutido na Europa e nos EUA, a questão da imigração tem
sido recentemente tratada no Brasil. Conhecido até recentemente como um país de
emigrantes, essa nova realidade na qual se vê o país nos últimos anos implica
uma série de novos desafios, com claros desdobramentos na sua economia,
política externa e Direito, para os quais tanto a sociedade quanto o governo
brasileiro devem preparar-se com urgência caso as perspectivas de ascensão do
Brasil no contexto global se confirmem.
Brasil dos imigrantes e emigrantes
Como todas as ex-colônias europeias da América, o Brasil recebeu
várias vagas
imigratórias de muitas partes do mundo. A primeira começou com a
ocupação portuguesa do território brasileiro no século XIV, logo seguida pela
importação de mão de obra escrava da África e depois da abolição da escravatura em
1888, para substituir a mão de obra negra pela dos imigrantes europeus. Desde
então a sociedade brasileira mudou radicalmente por causa desses afluxos
imigratórios, dando a cada Estado da federação características étnicas e
culturais próprias.
Quanto aos primeiros emigrantes brasileiros, estes foram
inicialmente em direção aos países vizinhos, mas não tardou para que fossem
para os EUA, Europa e Japão. Entre as razões para deixar o país estavam a baixa
perspectiva de ascensão social, desemprego e a inflação galopante que afetava o
Brasil nos anos 1980. Paralelamente, havia a existência de redes sociais já
estabelecidas que facilitavam o estabelecimentos desses emigrantes em países
como Japão (decasséguis)
e Portugal. O fato é que o número de brasileiros que procuraram melhores
condições de vida no exterior aumentou exponencialmente desde então e hoje
totalizam cerca de 3 milhões, entre legais e ilegais.
O momento atual: brasileiros que retornam
Com a atual crise econômica, muitos desses brasileiros retornam ao
Brasil, principalmente para os Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. O
blog Geo-Conceição apresenta
números interessantes a respeito desses imigrantes:
" (…) 65% dos imigrantes são, na verdade, brasileiros que
retornaram ao país. São os chamados “imigrantes internacionais de retorno”. Em
2000, os brasileiros que voltavam para casa representavam 61% do total de
imigrantes.
O maior número de brasileiros retorna principalmente dos Estados
Unidos, Japão, Portugal, Espanha, Paraguai e Bolívia. Alguns dados sobre a
imigração de retorno chamam atenção, como o fato de 84,2% dos imigrantes dos
Estados Unidos serem de brasileiros voltando ao país. No caso do Japão, esse
percentual chega a 89,1% e no de Portugal, a 77%. "
Alguns setores da sociedade brasileira mostram-se atentos a esse
movimento de regresso. Por exemplo, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE) informa
ter firmado um acordo com o MRE (Ministério das Relações Exteriores)
para estabelecer uma parceria que ajude os brasileiros que retornam ao País:
" O Sebrae em Minas Gerais e o Itamaraty [MRE] firmaram
nesta sexta-feira (23) uma parceria de auxílio a brasileiros que vivem no
exterior e pretendam abrir e gerir um negócio próprio quando retornarem ao
Brasil. Com a atual crise econômica nos Estados Unidos e em países da Europa, a
expectativa é de que aproximadamente 500 mil dos cerca de 3 milhões de
emigrantes retornem ao país dispostos a tocarem seus próprios
empreendimentos. "
Em recente declaração,
o ministro Moreira Franco, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República (SAE), afirma que as leis sobre imigração seriam
anacrônicas e dificultariam a absorção de mão de obra qualificada sem oportunidade
em seus países de origem.
" É claro, conforme destacou Moreira Franco, que a
educação é a melhor ferramenta para o País alcançar o desenvolvimento
necessário. Mas esse é um caminho mais demorado. Por isso, ele salientou a
importância de o Brasil aproveitar este momento de grande oferta no cenário
internacional. "
A afirmação do ministro é paradoxal, pois que uma das antigas
demandas das classes mais baixas da sociedade brasileira era justamente maior
acesso à educação. Entre as demandas sempre estiveram a concessão de bolsas de
estudo a alunos de origem pobre, a valorização da profissão de professor
através de planos claros de carreira bem como salários dignos à classe e o
barateamento dos livros.
A lista é bastante longa, contudo o que foi dito anteriormente
mostra o quanto o Brasil desperdiçou de seu próprio povo. A este não seriam
necessárias alterações em caráter urgente das leis que regem os vistos de
trabalho para estrangeiros nem programas especiais de adaptação ao novo país -
o que inclui a aprendizagem da língua portuguesa - caso fosse aplicado um plano
que facilitasse o seu retorno ao mesmo tempo que aumentasse o investimento em
educação para os jovens no Brasil.
O Brasil, ao entrar nessa corrida pelos cérebros estrangeiros,
passa a competir com países como a Austrália (en)
e o Canadá, sobretudo o Quebec (fr),
que possuem programas arrojados para a captação de imigrantes de alto nível
para cobrir o déficit causado pelo envelhecimento de suas populações. Caso
bastante diferente do Brasil, que conta com uma população ainda relativamente
jovem e numerosa, chegando próximo dos 200 milhões, e sem grandes vazios
demográficos como aqueles países, além dos 3 milhões de emigrantes no exterior
desejosos por retornar ao seu país.
O professor de Relações Internacionais, Oliver Stuenkel, da
Fundação Getúlio Vargas pergunta-se qual
cenário o futuro pode trazer:
" O número crescente de pessoas do exterior em busca de
emprego mudará a forma como o Brasil se relaciona com estrangeiros. Visitantes
do exterior são bem quistos no Brasil, pois são poucos, ricos e não costumam
ficar por muito tempo. No futuro, os imigrantes virão em maiores números, serão
relativamente pobres, e terão a intenção de se instalar no Brasil.
[…] Embora possa levar décadas para que imigração ao Brasil chegue às
proporções conhecidas na Europa, resta a ver quão bem o Brasil lidaria com uma
nova onda de imigração, e os desafios que a acompanham. "
Um possível
cenário é o Brasil repetir as mesmas políticas equivocadas que levaram esses 3
milhões de brasileiros a emigrar: concentração de renda nas mãos de parcelas da
sociedade descomprometidas com a justiça social. Um outro cenário é o país ter
aprendido a lição dos “anos
de chumbo” e atentar-se à divida que tem tanto com os brasileiros que
emigraram como com os que continuaram no Brasil, sobretudo quanto ao acesso à
educação e, por conseguinte, o direito a empregos dignos.
Global
Voice, 29 de novembro de 2012
Escrito
por Richard de Araújo
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