Por Guilherme Zocchio, da Repórter Brasil
da série especial Promenino*
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Para evitar que crianças e adolescentes ingressem de modo precoce no mundo do trabalho – e na vida adulta – não basta somente contar com ações que encontrem, verifiquem e afastem meninos e meninas vítimas desse tipo de exploração. Em geral, fiscalizações trabalhistas, promovidas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), têm, no que diz respeito à tarefa de erradicar todas as formas de trabalho infantil, alcance limitado, porque agem mais no sentido de reprimir a prática do que preveni-la e garantir que não haja sua reincidência.
Se o Brasil almeja cumprir o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016 – e, até 2020, todas as formas de trabalho infantil –, deve contar também com um conjunto de políticas públicas que integrem um sistema que garanta efetivamente os direitos de meninas e meninos. Esse é, pelo menos, um dos principais entendimentos de autoridades e agentes da sociedade civil que lidam com o tema, ouvidos pela Repórter Brasil. Medidas como o fortalecimento do papel da educação e da saúde públicas são alguns exemplos.
O fato de o país ter reduzido substancialmente o número absoluto de crianças e adolescentes trabalhando nos últimos 12 anos demonstra, por um lado, considerável avanço na questão. Segundo o último Censo, 3,4 milhões de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos estavam em serviço em 2010 – número que indica uma redução de 13,4% desde o ano de 2000. No entanto, esse ritmo é insuficiente para que o Brasil cumpra as metas estabelecidas para eliminar o trabalho infantil dentro do seu território, mesmo se levado em conta o fato de o MTE ter intensificado a quantidade de fiscalizações a partir de 2012.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, entre 2007 e 2011 a média anual de ações fiscais exclusivamente voltadas à busca de focos de jovens trabalhando foi de 2,7 mil em todo o Brasil; em 2012, foram 7.392 ações do tipo, mas uma quantidade menor de meninos e meninas foi afastada de atividades remuneradas. Em 2007, as inspeções encontravam, em média, seis pessoas com menos de 18 anos a cada incursão em empresas ou logradouros públicos. Agora, a média é de 0,9 – o que significa que, em parte das vistorias, não são encontrados indícios de exploração infanto-juvenil.
Para Isa Maria de Oliveira, secretaria-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), é insuficiente jogar a responsabilidade do combate ao trabalho infantil exclusivamente sobre as fiscalizações do MTE. “Não basta que as inspeções retirem as crianças e adolescentes do trabalho, é preciso articular um conjunto de políticas públicas para evitar que essas situações se repitam”, explica.
O posicionamento dela, entretanto, leva em conta um cenário mais complexo. Todos os casos de flagrantes de crianças e adolescentes em atividades de trabalho seguem um procedimento adicional para a orientação das vítimas. Ao encontrarem meninos e meninas em serviço, as ações de fiscalização os encaminham para outros órgãos responsáveis. Conselhos tutelares, procuradorias do Ministério Público do Trabalho (MPT), órgãos governamentais de assistência social e mesmo organizações do terceiro setor recebem esses jovens. O procedimento é referência para a comunidade internacional e varia conforme as características de cada região do país, conforme indica o auditor Luiz Henrique Ramos, chefe da divisão de fiscalização de trabalho infantil do MTE. “Fazemos uma entrevista para verificar as especificidades de cada caso e encaminhamos os jovens para os órgãos responsáveis”, detalha.
“A fiscalização é eficiente, e referência. Deixa a desejar pela falta de recursos, como acontece com os sistemas de garantias”, acrescenta um dos coordenadores do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec, na sigla em inglês) do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Antônio Carlos de Mello. Segundo o representante da OIT, a fiscalização cumpre o papel que deve cumprir no combate ao trabalho infantil, e a única ressalva diz respeito à falta de recursos, ponto do qual os auditores que lidam com o tema também reclamam.
É consenso, entre os fiscais do MTE, que faltam equipamentos e mais pessoal para as fiscalizações trabalhistas – sobram relatos do tipo entre os profissionais da área e o concurso para 100 novos agentes na área é apontado como insuficiente para suprir o déficit do serviço, segundo o sindicato da classe, o Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho).
A analogia entre os problemas de estrutura para os agentes de fiscalização do trabalho e as políticas públicas desenvolvidas com o objetivo de manter um sistema de garantias no Brasil para o combate do trabalho infantil faz parte de como a OIT entende a situação, segundo Antônio Carlos. “Existe um interesse internacional nos tipos de políticas públicas desenvolvidos no Brasil, que partem da atenuação da pobreza. O processo vem acontecendo, mas faltam recursos físicos e humanos”, afirma. “Enquanto essa estruturação não acontecer, vai ser difícil erradicar o trabalho infantil.”
Educação e ciclo da pobreza
“As políticas públicas devem atuar sobre o conjunto de questões que são relevantes e impactam a exploração de trabalho infantil”, pontua Isa Maria de Oliveira, do FNPETI. “O não sucesso [de alguns jovens] na escola é uma questão a se analisar. A escola não responde às necessidades daquelas crianças que podem enfrentar problemas familiares”, exemplifica. Segundo ela, há situações em que pais e mães, ao não observarem o bom desempenho escolar dos filhos, forçam a entrada dos meninos e meninas no mundo do trabalho. Nesses casos, os adultos, se não encontram resultados esperados dos filhos, não veem necessidade de a criança perder tempo com o estudo quando já poderiam estar trabalhando.
“As políticas públicas devem atuar sobre o conjunto de questões que são relevantes e impactam a exploração de trabalho infantil”, pontua Isa Maria de Oliveira, do FNPETI. “O não sucesso [de alguns jovens] na escola é uma questão a se analisar. A escola não responde às necessidades daquelas crianças que podem enfrentar problemas familiares”, exemplifica. Segundo ela, há situações em que pais e mães, ao não observarem o bom desempenho escolar dos filhos, forçam a entrada dos meninos e meninas no mundo do trabalho. Nesses casos, os adultos, se não encontram resultados esperados dos filhos, não veem necessidade de a criança perder tempo com o estudo quando já poderiam estar trabalhando.
Uma leitura errada desse tipo de situação seria a de entender que os pais são culpados pelo fato de os filhos serem aliciados pelo mundo do trabalho. A representante do FNPETI entende, porém, que o problema está associado ao próprio modelo de funcionamento da educação no Brasil. Ela recomenda, por exemplo, uma escola em período integral, que assegure o acesso ao lazer de crianças e adolescentes e desenvolva um tipo de coordenação pedagógica que proporcione o pleno desenvolvimento na infância.
A fragilidade das escolas municipais e estaduais pode colaborar para que crianças e adolescentes estudem e também trabalhem, casos que evidenciam a pouca capacidade do sistema educacional de auxiliar no combate ao trabalho infantil. “Muitos jovens, por conta disso, já chegam à idade adulta com uma defasagem educacional”, pondera Antônio Carlos, da OIT. “Para a comunidade mais vulnerável, que de fato vai procurar trabalho por necessidade, essas dificuldades vão perpetuando o ciclo de pobreza. Por isso, deve haver o reconhecimento dessas deficiências por parte do Estado”, completa.
De um lado, o papel das políticas públicas deve ser o de proteger crianças e adolescentes que estejam mais vulneráveis ao aliciamento para o trabalho infantil por meio da garantia de direitos, com a estruturação de serviços de educação, saúde e transporte, em quantidade e com qualidade. De outro, o de articular redes que fortaleçam os vínculos comunitários e familiares dessas pessoas em situação de vulnerabilidade. É, de modo geral, o que entendem os representantes das entidades que lidam com o tema. O coordenador do Ipec aponta que certas medidas já vêm sendo tomadas, como a implementação de algumas escolas de período integral pelo país.
Para a secretária executiva do FNPETI, está claro que a erradicação do trabalho infantil passa pela reestruturação do próprio Estado. Crianças e adolescentes que trabalham não conseguem se desenvolver na plenitude e, portanto, têm dificuldade em almejar um emprego melhor que o dos pais e alcançar uma vida mais confortável. “Não há desenvolvimento sustentável onde há trabalho infantil. O Brasil, inclusive, tem carência de profissionais qualificados”, observa, em referência às dificuldades proporcionadas. “A permanência do trabalho infantil perpetua a pobreza e a desigualdade no Brasil. Não rompe e contribui para a manutenção do ciclo de miséria”, conclui.
* Reportagem produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil
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