Crise financeira mundial: a bolha de carbono está implodindo? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em outubro 17, 2014
[EcoDebate] O mundo das finanças está passando por um período de instabilidade e o setor energético, novamente, joga um papel central no processo de turbulência. Ironicamente, todas as recessões mundiais anteriores foram precedidas por aumento do preço do petróleo e demais combustíveis fósseis, mas a crise atual está sendo agravada pela queda do preço dos hidrocarbonetos e pela baixa rentabilidade do capital investido pelas empresas de energia.
Em artigos anteriores aqui no EcoDebate, já havia abordado os temas sobre os desafios financeiros do mundo (ALVES, 09/10/2013), sobre a “bolha de carbono” (ALVES, 05/02/2014) e sobre o choque de oferta energética (ALVES, 28/05/2014). Uma nova crise energética e financeira era fácil de ser prevista em decorrência da teoria do Pico do Petróleo e da elevação dos custos de produção de energia. Evidentemente, ninguém saberia dizer a data exata do início do estouro das bolhas e suas consequências. Todavia, há sinais sérios acontecendo agora, em outubro de 2014.
No momento em que a economia americana parecia estar se recuperando, com crescimento do PIB e redução do desemprego, surge uma crise no mercado de capitais. O índice da Bolsa de Nova Iorque, DJIA (Dow Jones Industrial Average), atingiu seu pico máximo de 17.280 pontos em 19 de setembro de 2014. Até o final de setembro se manteve pouco acima dos 17 mil pontos. No dia 08/10 estava em 16.994 pontos. No dia 15/10 fechou a 16.142 pontos. E no dia 16/10 (quando este artigo foi escrito) fechou a 16.117 pontos. Os ganhos de 2014 foram eliminados.
A quinta-feira, dia 16 de outubro de 2014, foi marcada por queda em todas as bolsas do mundo. Em Londres, o índice Financial Times caiu 2,83%. Em Lisboa a desvalorização foi de 3,21%. Em Madri, o índice Ibex-35 registrou baixa de 3,59%. Em Frankfurt, o DAX recuou 2,87%. Paris perdeu 3,63%. E Milão teve desvalorização de 4,44%.
Na Ásia não foi diferente, segundo a Bloomberg. O índice Nikkei 225 que estava em 16.311 pontos em 29/09/2014, fechou em 14.738 pontos na quinta-feira, 16/10. Em Hong Kong, o índice Hang Seng perdeu 1,03%, aos 22.900,94 pontos. Em Seul, o índice sul-coreano Kospi, recuou 0,37%, para 1.918,83 pontos. Mesmo com dados positivos da economia chinesa, o índice Xangai Composto perdeu 0,72%, aos 2.356,50 pontos, e o índice Shenzhen Composto recuou 1,35%, para 1.332,90 pontos.
A BOVESPA fechou a quinta-feira a 54.298 pontos, abaixo dos 56.135 de 15/10 e bem abaixo do pico de 61.896 pontos de 02/09/2014. Independentemente dos resultados eleitorais, o IBOVESPA tende a acompanhar o cenário internacional. As dificuldades da economia brasileira tendem a se agravar em 2015.
Em artigo publicado há 5 meses (ALVES, 28/05/2014), escrevi o seguinte: “As análises internacionais dizem que, dentre outras bolhas financeiras, uma ‘bolha de carbono’ pode aprofundar uma nova crise econômica mundial, pois os mercados estão investindo pesado em reservas de combustíveis fósseis, mas devido ao alto custo de extração e por serem incompatíveis com a segurança climática, podem nunca vir a ser usadas. Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a ‘bolha de carbono’ é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis fósseis. Uma análise do desempenho econômico da indústria petrolífera mostra uma situação preocupante. A estudiosa Gail Tverberg, atuária e decrescentista, com base em uma apresentação de Steven Kopits, Diretor da Douglas-Westwood, mostra que as grandes empresas de petróleo, de capital aberto, estão em dificuldade, pois aumentaram as despesas de capital (Capex) – gastos como exploração, perfuração e implantação de novas plataformas de petróleo offshore – mas tiveram a producão de petróleo bruto reduzidas desde 2006. O mercado financeiro esperaria que a produção de petróleo bruto subisse quando o Capex aumentasse, mas Kopitsmostra que, de fato, desde 2006, o Capex tem continuado a aumentar, mas a produção de petróleo caiu. Ou seja, o dinheiro está indo para o ‘buraco’, mas o petróleo não está saindo na proporção esperada”.
De fato, são as empresas de energia que estão liderando a queda do mercado acionário em outubro de 2014. O pior desempenho nas bolsas de valores dos Estados Unidos este ano tem ocorrido nos setores de energia, com as empresas de “Oil & Gas Drilling” caindo cerca de 25% e as empresas de equipamentos e serviços do setor de petróleo e gás caindo cerca de 20%. As empresas que trabalham com combustíveis fósseis possuem ativos em torno de US$ 6 trilhões.
Todavia, os preços do petróleo têm sido especialmente atingidos recentemente pela desaceleração da economia internacional. O máximo alcançado em 2014 pelo óleo cru (WTI), foi de US$ 107 o barril e o preço do óleo cru (Brent) chegou a US$ 113 o barril. Na quinta-feira, 16/10/2014, estavam perto de US$ 80,00 o barril. Neste nível de preços as empresas não conseguem pagar os custos de produção e o prejuízo é uma consequência inevitável. A Petrobrás que já teve suas ações (PETR3.SA) valendo R$ 61,70 em 26/05/2008, chegou a R$ 19,02 em 15/10/2014 e a R$ 17,64 em 16/10/2014. Para além das denúncias de corrupção, a situação da Petrobrás é realmente preocupante.
O mercado de petróleo é altamente especulativo e sofre alta volatilidade. A recente queda do preço do petróleo tem a ver com a menor demanda global, mas também com outros fatores. A Arábia Saudita, por exemplo, tem se recusado a cortar sua produção interna, não só para aumentar sua fatia de mercado – mas segundo algumas teorias conspirativas – para ferir as economias da Rússia e do Irã, inimigos dos sauditas (além do Estado Islâmico – ISIS). Os sauditas estão dizendo que estão dispostos a manter o barril de petróleo a US$ 80-90 por um ano ou dois, no sentido de atingir seus objetivos. Neste sentido, os sauditas tem se recusado a atender os pedidos de outros membros da OPEP, como a Venezuela, que estão sofrendo com as baixas receitas da exportação de petróleo.
Mas o baixo preço do petróleo também afeta a produção de gás de xisto dos Estados Unidos e as areias betuminosas do Canadá, deixando toda a indústria de combustíveis fósseis exposta à especulação do mercado acionário. Desta forma, em vez de ajudar a recuperação econômica, o baixo preço dos hidrocarbonetos tem aprofundado a crise financeira internacional e pode acelerar o processo de “estagnação secular”.
Para o Brasil, a queda na cotação do preço do barril de petróleo reduz os gastos da Petrobras com a importação de derivados e diminui a defasagem dos preços dos combustíveis entre o mercado externo e interno. Isto é uma boa notícia para o controle da inflação. Porém, por outro lado, pode inviabilizar o desenvolvimento dos principais projetos do pré-sal. A avaliação geral é que uma cotação do petróleo abaixo de US$ 80 significa prejuízo na produção do pré-sal. Significa também que não haverá royalties para a educação e a saúde. O “passaporte para o futuro” pode virar pesadelo.
Sem dúvida vivemos em uma sociedade de risco. Os mercados especulativos aumentam a volatilidade dos preços e a instabilidade internacional. Uma crise financeira pode reduzir o preço do barril do petróleo ou o aumento dos combustíveis fósseis pode provocar uma crise financeira. Ainda não sabemos se a “bolha de carbono” murchou definitivamente. Mas os acontecimentos de outubro de 2014 tende a ser só o começo de um longo processo que vai afetar toda a população mundial na medida em que se aprofunde as consequências do abismo energético.
Referências:
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
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