Em seu novo livro, Educação familiar – Presente e futuro, Içami Tiba defende a sustentabilidade na educação
Por Chantal Brissac Fotos Érico Hiller
Ele é autor de 31 livros – entre eles o best-seller Quem ama, educa!, que passou de 170 edições – e já realizou mais de 80 mil atendimentos psicoterápicos a adolescentes e suas famílias. Nascido há 73 anos em Tapiraí, no interior de São Paulo, filho de imigrantes japoneses, o psiquiatra Içami Tiba não baixa a guarda quando o assunto é família. “Nada é mais sustentável que a educação de valores”, afirma. Confira os principais trechos da conversa com o médico e palestrante, que aconteceu em seu consultório, em São Paulo.
O que é a educação sustentável, tema de seu novo livro?
É ensinar os filhos a aprender, cobrar responsabilidade e ações coerentes. Os pais devem ajudar os filhos a desenvolver o seu potencial na mais alta performance possível. Pais que não cobram estão no mesmo nível de pais que não ensinam. Mas muitos estão perdidos porque querem se safar na hora do problema, são imediatistas. Se o filho faz uma coisa errada, ele já diz: “você é burro, não sabe!” Eles estão muito impacientes porque também são crianças, foram promovidos a educadores sem um mínimo de condições. Eles queriam namorar mais tempo, curtir a vida, não querem investir tempo na educação dos filhos.
Um exemplo que o senhor cita é o dos pais que dão aos filhos tudo o que não tiveram, tentando poupar-lhes angústias e sofrimentos.
E isso é um desastre, porque o filho se torna um incapaz, não aprende a fazer. Os pais não devem fazer pelo filho, e sim ajudar o filho a fazer. Não há felicidade pronta, algo que possa ser herdado, doado ou transmitido. A felicidade é conquista pessoal. Aliás, o conceito de felicidade vem do hinduísmo e significa fertilidade, esforço, trabalho, criação. Há muito, muito tempo, Buda já falava nisso.
Há algum ponto em comum nos pais de hoje?
São pais que não receberam educação, receberam muito mais a realização dos sonhos dos pais deles, que não queriam que seus filhos sofressem. Cresceram na zona de conforto, e na zona de conforto não se educa. São infantis. Há pais jovens que se sentem enciumados quando a esposa se dedica muito ao nenê. Eu falo que ele entrou como filho temporão, porque compete com o filho. É uma geração infantilizada, que não queria casar.
Mas se hoje não há mais pressão para casar e ter filhos, como acontecia antes, por que ter filhos sem vocação?
Justamente porque a sociedade é mais aberta, hoje pode tudo, não se aguenta nada. É aquela história: “se não der certo, eu caio fora”.
A paciência é fundamental?
É ingrediente básico. Você vê uma mãe descontrolada, irritada, ela começa a falar mais alto e rápido, e as palavras lembram mais as balas de uma metralhadora do que comunicação. Se a mãe quiser ser ouvida, que fale baixo, com calma e pouco. Evite repetir o que já falou, porque esse repeteco desliga o cérebro de quem mais precisa ouvir. Filhos que gritam, em casa ou em lugares públicos, geralmente convivem com quem grita com eles.
Quais são os valores mais importantes da educação sustentável?
São meritocracia, relação custo-benefício, aprender a aprender, ética, religiosidade, cidadania, gratidão, pragmatismo, disciplina e responsabilidade. No primeiro valor, a meritocracia, é muito comum ver pais que, no aniversário de um filho, também compram presente para o outro, porque ficam com ‘peninha’ do que não vai ganhar nada. Por que tem que ganhar se o aniversário é só do irmão? Começa desse jeito. Depois ele quer um brinquedo porque vai dar um brinquedo a alguém. Onde está a raiz disso? Está nos pais, que ensinam que o menino tem direitos que não deveria ter. A mensagem que essa família dá é: para que fazer um esforço se mesmo não fazendo você recebe a mesma consideração?
E a relação custo-benefício?
É comum ver um filho ofendendo a mãe, e ela engolindo em seco ou se afastando, magoada. Isso reforça a má educação. Sem gritar, ela tem que dizer que não aceita como o filho a tratou. Do mesmo jeito, dois filhos adolescentes tiram boas notas na escola, mas um é folgado, enquanto o outro está sempre procurando ajudar. Este merece ir para a balada; o outro, não. Nota boa é obrigação dos filhos. Os pais devem mostrar, sem ofensa e gritos, que ir ou não para balada não é uma questão financeira, mas de custo-benefício. Vai quem merece. O folgado não pode ser louvado. Os delinquentes sociais nada mais são que os folgados familiares que praticam na sociedade os abusos que já faziam em casa.
Qual é a sua opinião sobre o uso da maconha?
A maconha faz mal. E como médico sou contra a legalização. Eu ensino os pais a se informarem porque os filhos vêm com falsos conhecimentos sobre o assunto e os pais aceitam resignados. Os jovens dizem que a maconha faz menos mal que o cigarro e que é natural. Há muitos venenos mortais que vêm do nosso jardim, como a cicuta, que vem da planta apiácea. A maconha mata a alma da pessoa porque despersonaliza. Se você acompanhar o usuário crônico, ele é despersonalizado, passivo, não tem ânimo nem ambição, está perdendo o prazer de viver. No meu livro, eu listo 30 sinais que apontam aos pais que os filhos estão usando maconha. É difícil não perceber. E quanto mais cedo for a interferência da família, melhor o resultado, porque ninguém começa já viciado.
Hoje as pessoas estão dependentes de bebidas, drogas, comida e até da tecnologia. Como o senhor vê isso?
A tecnologia é um recurso ótimo e a gente pode aproveitá-la para o bem, para nos entrosarmos mais. Quando viajo, eu mando fotos para os meus três filhos e minha esposa pelo whatsapp, boto no instagram da família. Mas o que a gente mais vê em restaurantes é a cena muda e triste de cada um dos integrantes da família cabisbaixo com seu próprio smartphone.
O que o senhor acha de pais que dão celulares para crianças pequenas?
Eles não têm noção, conhecimento e só querem agradar. Por isso, falo que quem precisa de educação são os pais. As pessoas não estão preparadas para usar adequadamente a internet. A maioria está viciando os próprios filhos.
O senhor tem casos assim no seu consultório?
Tenho alguns. Tem uma criança de apenas um ano que chega em casa e só quer o iPad. “Ped, ped”, a menina grita. Não quer brincar, não quer abraçar a mãe. A mãe estende o braço e ela continua: “ped, ped”. E essa mãe acha graça! Que sustentabilidade tem isso?
Qual é a reação das mães quando o senhor explica?
Elas ficam chocadas, porque não esperavam. Elas não sabiam que o iPad pode viciar o bebê, porque o prazer estimula o circuito da recompensa nos neurônios. Tudo o que o bebê faz e repete torna-se um hábito, como dormir no colo ou o uso da chupeta. O virtual não pode substituir o calor dos pais, o contato visual, o abraço, a conversa e a interação cotidiana. Dá trabalho isso tudo? Dá, porque tem investimento diário em conversa, amor, correção. Mas isso é educação.
No livro, o senhor diz que as mães ainda educam de forma machista. Por que isso acontece?
Mesmo tendo se emancipado, a mulher continua produzindo machistas em casa. Ela fabrica e perpetua o machismo, por exemplo, quando chama a filha para ajudá-la na cozinha e deixa o filho ver TV com o pai na sala. São outros detalhes que ficam evidentes no convívio familiar. E a criança não aprende porque a mãe fala, ela aprende por uma série de instintos.
Qual é a qualidade mais importante dos pais para educar os filhos?
É conhecimento. Não é porque viraram pais que se transformaram em educadores. Hoje valorizamos o conhecimento em tudo, não se conserta computador com martelo. Para educar é a mesma coisa, não adianta fazer halterofilismo. E é muito difícil virar educador. Não é só uma questão de conhecimento, é de dedicação ao outro. É querer que o outro, o filho, seja uma pessoa melhor, faça melhor. Mesmo terceirizando, por causa da vida ocupada e do trabalho, os pais têm que acompanhar, se interessar, monitorar. Isso se chama dar sequência.
Como formar cidadãos melhores?
É com cidadania familiar, que inclui cumprimento de deveres, obrigações. Mas isso não existe, o que tem é uma “criação de herdeiros”. Os filhos só ganham coisas sem ter que retribuir nada. Este é o mesmo princípio do Bolsa Família, que eu considero uma farsa, porque o povo não recebe educação e não aprende a votar. A pessoa recebe o dinheiro e não dá nada em troca. É a tal da esmola. Porque se ela arranjar um emprego, sai do Bolsa Família. Isso, claro, só estimula a deseducação, a preguiça, a estagnação.
O senhor diz em seu livro que quem tem necessidade de prazer não é feliz. Por quê?
Porque sempre precisa de algo mais. Por isso quem usa droga é infeliz. Por que eu preciso de mais prazer se já estou satisfeito? É aquela coisa: “tô bem, então vamos tomar uma para ficar melhor”. Por que o esquenta? Os pais têm que ensinar que não pode beber até os 18 anos, faz parte da regra. Mas tem pais que preparam a festa do filho e já põem a ambulância na porta da casa! O envolvimento com bebidas e drogas mostra a falta de valores e de projetos da família. E isso influencia a baixa estima dos jovens, que entram nessa para serem aceitos pela turma.
Como fica a hora da escolha da profissão?
Cada vez mais confusa e conflituosa. Isso também é consequência de toda uma cultura do ficar. O ficar é o namoro do meio, sem começo nem fim, só o meio. O rapaz vai contar para os amigos que vai ficar com dez garotas na noite. As meninas começaram a imitar, só que ficam com cinco, e no dia seguinte esperam a ligação. A geração do ficar aprendeu a ser “serial kisser” (beijoqueiro em série) e reproduz esse valor em outras áreas da vida. Não tem paciência, não aprendeu a lidar com frustrações.
O casal de namorados quer dormir junto na casa dos pais. Tem que deixar?
Lógico que não, mas dá para controlar. É a cidadania familiar! O pessoal esquece que está numa casa com mais gente e sai do quarto meio pelado... eles estão tornando pública uma coisa privada. Tem que ter maturidade e responsabilidade no namoro. O sexo deve começar quando eles têm responsabilidade suficiente para arcar com as consequências do ato. Eu acho que para o namorado dormir em casa tem que entrar pela sala. Vai ficar na sala um bom tempo com os pais, conhecer, ter uma convivência.
No campo da carreira, tem que fazer o que gosta?
Mais importante é gostar do que faz. Porque se você faz o que gosta, você esgota o gostar. E quando você aprende a gostar do que faz, aquilo se torna prazeroso.
Fonte : 29 HORAS AGENDA 29H
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