A América Latina acaba de viver uma década de bonança na mineração que despertou esperanças de riqueza como poucas vezes em sua história, embalada pelo que parecia ser uma inesgotável demanda chinesa por cobre, carvão e outros minérios. Mas a bonança terminou.
A reportagem é de Luis Fajardo e publicado por BBC Mundo, 18-10-2015.
A economia da China demonstrou ser como todas as outras, ou seja, uma economia de altos e baixos. E a redução recente do apetite chinês levou a uma freada brusca nos planos de investimento e venda de projetos multimilionários de mineração em países latino-americanos.
Nesta semana, por exemplo, a Glencore, uma gigante global desta indústria, anunciou que está vendendo a mina deLomas Bayas, no Chile. Um caso que não é único em meio ao ajuste do setor diante da queda de preços internacionais de muitos produtos básicos.
Mas qual é o legado que fica desta chuva de dólares que caiu na região nos últimos dez anos com chegada de projetos de mineração, muitas vezes diante da resistência de comunidades onde eles se instalaram?
Epicentro global
A América Latina tornou-se neste anos um dos epicentros globais da mineração, recebendo 27% do total de investimentos em exploração, segundo o Banco Mundial.
É difícil subestimar tal volume de dinheiro. O órgão afirma que um só país, o Chile, recebeu dividendos da mineração da ordem de US$41 bilhões (R$ 155,8 bilhões) em 2011, ou 19% de seu Produto Interno Bruto (PIB). O Peru recebeu US$17 bilhões e a Bolívia, US$ 1,3 bilhão.
No Brasil e no México, as duas maiores economias da região, a contribuição desta indústria não foi tão dominante em comparação com as demais atividades, dada a maior diversificação de suas economias, mas o valor recebido por ambos estão longe de serem desprezíveis. No Brasil, por exemplo, a receita gerada pela mineração alcançou US$67 bilhões, ou 3% do PIB.
Apesar da desaceleração, o Banco Mundial espera que os novos investimentos para a região até 2020 cheguem a US$200 bilhões.
Mais conflitos
Mas, enquanto alguns celebravam a chegada da "locomotiva da mineração", como dizia o governo colombiano diante do empurrão que a atividade dava a sua economia, outros advertiam que seu custo era muito maior do que afirmavam seus defensores.
"O ciclo da mineração aumentou os conflitos sociais. Registramos mais de 210 relacionados ao setor em toda a região", diz César Padilla, coordenador do Observatório de Conflitos de Mineração da América Latina (OCMAL), uma organização não governamental que combina esforços com mais de 40 organizações ambientais da região.
"Destes conflitos, mais de 50% estão ligados ao estresse provocado no entorno de conflitos pela água. As comunidades veem que os projetos de mineração irão roubar sua água e se opõem a eles."
A indústria de mineração como um todo tem buscado responder a estas críticas com ambiciosos programas de responsabilidade social, incluindo projetos multimilionários de recuperação ambiental e mitigação de custos sociais de muitos destes megaprojetos.
Mas Padilla os critica: "Não podemos apontar um único projeto de mineração sustentável, ou ambientalmente ou socialmente responsável em toda a América Latina".
"Os efeitos ambientais da mineração devem ser observados a longo prazo. Não podemos avaliar algo que os seus efeitos mais negativos podem surgir daqui a 40 ou 50 anos, quando a atividade de mineração já terá sido até mesmo abandonada", diz.
Emprego e impostos
A OCMAL também alega que o impacto socioeconômico positivo da mineração é menos que supõem os elevados montantes de investimento que caracterizam o setor.
"O significado econômico e social da mineração é muito baixo. Ainda que seja tão importante para as economias do Chile e do Peru, por exemplo, no melhor dos casos só consegue empregar 1% da população economicamente ativa", afirma Padilla.
Esta é uma acusação frequentemente direcionada às mineradoras, que respondem com dados da contribuição que fazem às finanças públicas e do impacto direto que isso terá sobre a vida de milhões de pessoas.
Segundo a publicação "Chile, País Minerador", da Sociedade de Mineração do Chile (Sonami), "de cada quatro pesos recebidos pelo Estado chileno entre 2006 e 2011, praticamente veio da mineração. Este montante equivale aos orçamentos dos ministérios da Saúde, Obras Públicas e Economia".
As lições
A América Latina vem experimentando ciclos de bonança e depressão na mineração desde o início do século 16. Terá, então, aprendido as lições necessárias para aproveitar a próxima leva de anos de vacas gordas?
O porta-voz da OCMAL diz que alguns países da região, mencionando "possivelmente o caso do Chile", as instituições ambientais se fortaleceram, mas ele adverte que a "indústria é bastante organizada e impõe suas regras ao jogo".
Outros especialistas concordam com a importância das instituições para regular a mineração e garantir que seus benefícios sejam distribuídos da melhor maneira possível entre todos na sociedade.
"A chave para maximizar o benefício do desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento está no nível de governança desta indústria no setor público", diz Paulo de Sa, gerente de Prática Global de Energia e Extrações do Banco Mundial.
Ele acrescenta que "instituições, marcos regulatórios e supervisão ambiental e social mais fortes maximizam o impacto positivo da arrecadação gerada, os empregos criados e as oportunidades para os negócios locais".
"Ao mesmo tempo, uma melhor governança e transparência pode minimizar os possíveis impactos negativos, como o impacto ambiental e a distribuição desigual dos benefícios", afirma.
A recomendação de outros é simplesmente não depender tanto da mineração. "Se a bonança dos commodities terminou, ao menos por agora, a América Latina precisa diversificar sua economia de produtos primários com uma gama mais ampla de setores competitivos para exportação", diz Lisa Sachs, diretora do Centro de Investimento Sustentável da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Para a especialista, a ênfase deveria ser agora em investimentos em educação e pesquisa para fortalecer setores de alta tecnologia.
Talvez assim as próximas bonanças econômicas da região sejam mais duradouras.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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