O aumento do desemprego entre as pessoas mais escolarizadas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Publicado em março 18, 2016
[EcoDebate] A Pesquisa Mensal de Emprego, segundo o site do IBGE, produz indicadores mensais sobre a força de trabalho que permitem avaliar as flutuações e a tendência, a médio e a longo prazos, do mercado de trabalho, nas suas áreas de abrangência, constituindo um indicativo ágil dos efeitos da conjuntura econômica sobre esse mercado, além de atender a outras necessidades importantes para o planejamento socioeconômico do País. Abrange informações referentes à condição de atividade, condição de ocupação, rendimento médio nominal e real, posição na ocupação, posse de carteira de trabalho assinada, entre outras, tendo como unidade de coleta os domicílios. A pesquisa foi iniciada em 1980, sendo submetida a uma revisão completa em 1982 e duas parciais, de vulto, em 1988 e 1993.
Em 2001, passou por um amplo processo de revisão metodológica visando não só à captação mais abrangente das características de trabalho e das formas de inserção da mão de obra no mercado produtivo, como também à atualização da cobertura temática da pesquisa e sua adequação às mais recentes recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT. A nova série começa em março de 2002 e com finalização em fevereiro de 2016. A periodicidade é mensal e a abrangência geográfica cobre as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Ela é uma excelente pesquisa para se avaliar o desempenho do mercado de trabalho nas regiões metropolitanas mais dinâmicas do país entre 2002 e 2016.
A população em idade ativa (PIA) das seis regiões metropolitanas mais dinâmicas do país era de 36,7 milhões de pessoas com 10 anos e mais de idade, em março de 2002. A população ocupada (PO) era de 17,6 milhões de pessoas e a taxa de ocupação (PO/PIA) era de 47,9%. Doze anos depois, em dezembro de 2012 a PIA passou para 43,5 milhões de pessoas, a PO era de 24,1 milhões e a taxa de ocupação passou para 55,3%, atingindo o maior valor da série.
Contudo, as condições do mercado de trabalho nas 6 regiões metropolitanas pioram após o pico ocorrido em dezembro de 2012 e a população ocupada começou a diminuir nos meses seguintes em termos absoluto e relativo. A partir de 2015 o mercado de trabalho entrou em colapso. Assim, quatorze anos depois do início da nova série da PME, em janeiro de 2016, a PIA passou para 45,3 milhões de pessoas, a PO diminuiu para 23 milhões e a taxa de ocupação caiu para 50,7%
Como o gráfico abaixo mostra, os ganhos na taxa de ocupação ocorreram devido ao aumento do nível de escolaridade da população de 10 anos e mais de idade. Das 36,7 milhões de pessoas com 10 anos e mais de idade(PIA), em março de 2002, o montante de 17,4 milhões (47,5% do total) tinham menos de 8 anos de estudo, 7,3 milhões (20% do total) tinham entre 8 e 10 anos de estudo e 11,9 milhões (32,5%) tinham 11 anos ou mais de estudo. Ou seja, a maior parte da PIA tinha baixos níveis de escolaridade no início do século, mas houve uma melhoria significativa nos anos seguintes.
Em janeiro de 2016, a PIA passou para 45,3 milhões de pessoas, sendo 13,6 milhões (30,1%) com menos de 8 anos de estudo, 8 milhões (17,6%) com 8 a 10 anos de estudo e 23,7 milhões de pessoas (52,3%) com 11 anos ou mais de estudo. Nota-se que houve uma melhoria significativa no grau de escolaridade da população em idade ativa das regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A população mais escolarizada que era menos de um terço do total em 2002 passou a ser mais da metade em 2016. Como as pessoas com mais anos médios de estudo possuem taxas de ocupação maiores, podemos dizer que foi o aumento da escolaridade que possibilitou o aumento da população ocupada, em um quadro de recuperação do crescimento econômico que ocorreu enquanto durou o super ciclo das commodities (2003-2012), que beneficiou os países emergentes do mundo e, em especial, a América Latina. Porém, houve uma perda de dinamismo do mercado de trabalho a partir do início de 2013, o que explica, inclusive, as manifestações de protestos dos jovens das principais cidades brasileiras em junho de 2013.
O número de pessoas desempregadas (que declaram que não estavam trabalhando nem procurando emprego) caiu entre março de 2002 e dezembro de 2014, iniciando um movimento altista acelerado a partir de janeiro de 2015. O estranho aconteceu entre dezembro de 2012 a dezembro de 2014, quando o número de pessoas ocupadas estava diminuindo, mas o desemprego aberto não subiu. Isto indica que várias pessoas ficaram desalentadas com o mercado de trabalho, neste período, mas o desemprego ficou oculto e não apareceu nas estatísticas. Mas a insatisfação dos jovens se manifestou nas ruas e nas redes sociais.
O gráfico abaixo mostra que o número de desempregados em março de 2002 era de 2,6 milhões de pessoas, sendo 925 mil pessoas (35,5% do total) desempregadas com menos de 8 anos de estudo, 714 mil pessoas (27,4%) com 8 a 10 anos de estudo e 967 mil pessoas (37,1%) com 11 anos ou mais de estudo. Portanto, o desemprego era aproximadamente o mesmo entre os mais escolarizados e os menos escolarizados. Mas isto mudou nos anos seguintes.
Entre março de 2002 e dezembro de 2014 o número de pessoas desempregadas nas 6 regiões metropolitanas da PME caiu de um total de 2,6 milhões para 1,1 milhão de desempregados. Mas, o mais significativo foi que, rompendo com uma tendência histórica, o desemprego caiu mais entre a população menos escolarizada e caiu menos entre a população com 11 anos e mais de estudo. O diploma não foi garantia contra o desemprego. Em dezembro de 2014 havia 690 mil pessoas desempregadas com 11 anos e mais de estudo (64,2%), 239 mil pessoas desempregadas com 8 a 10 anos de estudo (22,3%) e apenas 145 mil pessoas desempregadas com menos de 8 anos de estudo (13,5%).
Porém, surpreendentemente, a estagflação de 2015 afetou negativamente, em maior proporção, as pessoas mais escolarizadas. Entre dezembro de 2014 e janeiro de 2016 o número de pessoas desempregadas que tinham 11 ou mais anos de estudo passou de 690 mil (64,2%) para 1,2 milhão (65,3%), enquanto as pessoas com 8 a 10 anos de estudo que estavam desempregadas passou de 239 mil (22,3%) para 406 mil (21,6%) e as pessoas que tinha menos de 8 anos de estudo e estavam desempregadas passou de 145 mil (13,5%), em dezembro de 2014, para 246 mil (13,1%) em janeiro de 2016. Provavelmente, o recebimento de programas sociais como o Bolsa Família contribuiu para reduzir o desemprego entre a população menos escolarizada. Mas chama a atenção que não existe nenhum programa social capaz de mitigar o desemprego entre a população mais educada, especialmente ente os jovens com maiores níveis de escolaridade.
São estes jovens desempregados que não enxergam perspectivas para o investimento que fizeram em educação e que agora engrossam os setores críticos às políticas econômicas do governo Federal. Isto fica claro no gráfico abaixo que mostra que o desemprego é maior entre as pessoas com 8 a 10 anos de estudo, sendo que a desocupação entre as pessoas com 11 ou mais anos de estudo ultrapassou a taxa de desemprego das pessoas menos escolarizadas.
O que os dados acima mostram é que o mercado de trabalho entrou em colapso nas seis regiões metropolitanas mais dinâmicas do país, em 2015, e tudo indica que a situação vai continuar ruim em 2016. O pior é que o desperdício da força de trabalho está ocorrendo em maior proporção entre a população mais educada. Assim, o Brasil está jogando fora o seu bônus demográfico e ficará dificil recuperar as taxas de ocupação.
Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho, mostram um colapso do emprego formal. Depois das últimas eleições presidenciais, entre dezembro de 2014 e janeiro de 2016 foram fechadas 2,28 milhões de vagas com carteira assinada no Brasil. São 163 mil empregos perdidos por mês, ou 5.430 vagas com carteira de trabalho assinada perdidas por dia, em 8 meses. O emprego formal encolhe enquanto cresce a população em idade de tabalhar e que está engrossando as fileiras do desemprego aberto ou do desalento. E a situação está se agravando, pois a perda de empregos em dezembro de 2015 foi maior do que dezembro de 2014 e a perda de janeiro de 2016 foi pior que janeiro de 2015. Há projeções que estimam uma perda de 2 milhões de empregos formais somente em 2016. Todo este processo vai atingir, em maior proporção, a população mais escolarizada.
O emprego formal cresceu bastante entre 2002 e 2014, reduzindo o grau de informalidade. Havia 22,8 milhões de empregos com carteira assinada em 2002 e aumentou para 41,2 milhões em 2014. Mas houve uma queda de 1,5 milhão em 2015 e talvez haja uma queda de 2 milhões em 2016. Isto quer dizer que o Brasil está longe da meta da OIT de pleno emprego e trabalho decente. Se não houver uma reversão desta queda, toda a população brasileira vai sofrer bastante.
Artigo de Hugo Fernandes Ferreira, no Brasil Post (25/02/2016) descreve a saga de um exército de Doutores desempregados no Brasil. Ele diz:
“O resumo da história é… Temos um exército de graduados analfabetos funcionais e de mestres que não merecem o título. Em um pelotão menor, mas ainda numeroso, doutores cujo diploma só serve para enfeitar a parede. Bilhões de reais gastos para investir e manter um grupo cujo retorno científico é pífio para o País. Entretanto, esse não é o pior cenário. Alarmante é ver um outro exército de Carinhas, esse qualificado, com boas produções, só que desempregado e enfrentando a maior dificuldade financeira de suas vidas. Alguns há anos em bolsas de Pós-Doutorado, sem saberem se essas podem ser cortadas no ano seguinte. Se forem, nenhum mísero centavo de seguro desemprego. Na rua, ponto. Outros abandonando por vez a carreira para tentar os já escassos concursos públicos em outras áreas ou mesmo para fazer doces caseiros, entre outras alternativas”.
“Ao passo que o governo acertou na criação de novas universidades, programas e bolsas de pós-graduação nestes últimos 14 anos, a gestão desse material humano e financeiro foi bastante descontrolada. Quantidade exacerbada de cursos criados sem demanda profissional, falta de política de cargos e carreiras para o cientista brasileiro, recursos transportados para um programa de intercâmbio que não exigia praticamente nenhum produto de um aluno de graduação (sobre Ciência Sem Fronteiras, teremos um post exclusivo), critérios de avaliação bem distantes da realidade das melhores universidades do mundo, além de uma série de outros absurdos. Teremos cerca de dez anos pela frente para que essa curva entre oportunidades e demanda volte a estabilizar. Não tenho dúvidas de que alcançaremos isso. Mas, até lá, cabe a pergunta. O que faremos com os novos Carinhas que ainda surgem a cada vestibular?”
Esta é a realidade brasileira: uma crescente juventude com maiores níveis educacionais mas sem perspetiva de emprego, enquanto se aprofunda a estagflação e os problemas sociais do Brasil.
Referências:
Hugo Fernandes-Ferreira. Um exército de Doutores desempregados, Brasil Post, 25/02/2016
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, 18/03/2016
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