Esvaziamento do Mar Morto gera buracos com mais de 20 metros
A consequência deste esvaziamento do Mar Morto foi surpreendente. São mais de três mil abismos. É praticamente um novo buraco por dia.
Tudo bem que, fora algumas bactérias, não tem vida que aguente uma concentração de sal nove vezes maior que a dos oceanos. Esse lago enorme impressionou até Aristóteles.
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Mais de 300 anos antes de Cristo, o filósofo grego se espantou ao descobrir que nada afundava por lá. Até hoje o mundo inteiro quer boiar nas águas calmas e cristalinas que já foram cenário para muita história,
Muita gente fina - do passado e de agora - foi se sujar na lama. Até mesmo Cleópatra, rainha do antigo Egito, foi conhecer o Mar Morto, pensando nos benefícios dos minerais para saúde dela. São concentrações altíssimas de magnésio, potássio, cálcio. Os tesouros que o Mar Morto vai pouco a pouco depositando nas margens.
É fascinante a gente poder testemunhar o processo da natureza, enquanto ela está trabalhando. É possível ver sedimentos formando futuras pedras. Por enquanto, não passa de lama. A lama do Mar Morto. Ela vai endurecendo. E mais para a frente dá para ver formações muito mais antigas.
Nos nossos tempos, o Mar Morto é também fronteira, separa Israel e a Cisjordânia, na margem ocidental; da Jordânia, na outra margem.
Caminhando por praias maravilhosas esquece-se que se está 412 metros abaixo do nível dos oceanos, na parte mais profunda do planeta Terra.
Uma imagem linda pode dar a impressão errada de que de repente a gente apareceu no Polo Norte. Por todo o mar morto, há formações de sal, impressionantes, lindas, que parecem cristais. Agora, se nada for feito, se as águas continuarem baixando, isso pode desaparecer.
Em uma das regiões mais secas do mundo, três países sedentos - Israel, Síria e Jordânia - bebem grande parte da água que deveria repor a evaporação natural do Mar Morto. Desviam o Rio Jordão e outros afluentes, principalmente para irrigação. Retiram água do próprio Mar Morto para indústrias de fertilizantes e represam a água rara das chuvas para levar para as usinas.
Mas a água que escorre pelos desertos depois das chuvas fica tão salgada que precisa passar por um processo complicado de filtragem, dessalinização.
"A Jordânia é um dos países mais pobres em termos de água. Por isso, não desperdiçamos nada aqui", diz o gerente da usina, Ibrahim Ghandour.
Ibrahim Ghandour explica que a água que em qualquer outro país seria jogada fora é filtrada de novo e reaproveitada.
O sistema de tubos inverte o processo natural e separa o sal da água. Ele diz que a água que eles usam iria toda para o Mar Morto, mas se defende: "As necessidades da população são maiores que as do Mar Morto".
E assim, para matar a sede alheia, o grande lago vai encolhendo, recebendo menos da metade do que precisaria para sobreviver, o Mar Morto tem baixado 1,1 metro por ano.
O lugar onde judeus ortodoxos param para rezar, à beira da estrada, é um bom exemplo, ficava coberto de água. Em meio século, o nível das águas baixou quase 50 metros.
De uma hora para a outra, a consequência deste esvaziamento do Mar Morto foi surpreendente. Começaram a surgir por todos os lados buracos gigantescos. Uma triste consequência da ação do homem sobre a natureza.
A ambientalista Gundi Shachal chegou lá há mais de 40 anos. Viu, pouco a pouco, a praia que ela frequentava ser tomada pelos abismos. Crateras gigantescas que simplesmente surgem em questão de segundos.
"Quando o nível do Mar Morto baixa, a água que vem das montanhas avança pelo subsolo e dissolve tudo o que encontra pela frente. Surgem grandes buracos no interior da terra. Até que, de repente, o chão desaba", conta a ambientalista.
Surgem buracos enormes, às vezes com mais de 20 metros de profundidade.
No fim das contas o que acontece é que os buracos vão se juntando e de novo forma-se um lago. Mas isso não é necessariamente uma boa notícia.
A imagem é bonita, impressionante, mas a destruição das margens do Mar Morto também impressiona.
São mais de três mil abismos, praticamente um novo buraco por dia.
Nos escombros do que um dia foi um hotel à beira-mar, o zelador Shimon Shukrun mostra o chão se abrindo.
"Uma menina estava caminhando e caiu. Ela ia pela calçada e caiu no buraco. O terreno trabalha o tempo todo", conta Shimon.
Pelos caminhos perigosos do hotel abandonado às pressas, o zelador mostra como a terra engole tudo o que vê pela frente.
Depois de meio século matando o Mar Morto de sede, os governantes dos países da vizinhança finalmente acordaram. E o que parecia impossível aconteceu: eles concordaram.
Israelenses, palestininos e jordanianos conseguiram fechar um acordo. E vão usar a água do Mar Vermelho pra, ao mesmo tempo, matar a sede da população e salvar o mar morto.
Pelo projeto aprovado há poucas semanas, a água bombeada do Mar Vermelho vai ser levada a usinas de dessalinização na beira do Golfo de Aqaba e dali vai seguir em tubos, até uma central de distribuição.
Mas, os ambientalistas dizem que a conta não fecha. O Mar Morto precisa de 800 bilhões de litros de água por ano e, por enquanto, só vai receber 100 bilhões.
"Eu acho que 100 bilhões de litros de água não vão salvar o mar morto. Vão diminuir a velocidade do esvaziamento do Mar Morto por dez centímetros por ano. Não vão parar o esvaziamento, não vão trazer o Mar Morto de volta de jeito nenhum", diz Gundi Shachal.
Para que isso acontecesse, seria preciso revitalizar o Rio Jordão e os outros afluentes do Mar Morto. E as indústrias de fertilizantes teriam que tirar menos água de lá.
Jordanianos, israelenses e palestinos sabem que ainda vão ter que concordar muitas outras vezes. Vão precisar de pelo menos US$ 10 bilhões adicionais pra trazer ainda mais água do Mar Vermelho pro quase Morto.
"Acho que vale cada centavo pra tentar salvar este lugar tão especial", afirma a ambientalista.
Fonte : G1 / Record
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