Rio de Janeiro ‘Cidade Olímpica’: Vida removida, a luta pela permanência na Vila Autódromo
Publicado em junho 29, 2016
A transformação do Rio de Janeiro em cidade olímpica levou a prefeitura a ir além das obras de instalações esportivas e da ampliação das vias de acesso necessárias à mobilidade de atletas e do público. Para a construção do Parque Olímpico, o poder municipal removeu os moradores da Vila Autódromo, comunidade que reunia cerca de 500 famílias e tinha mais de 40 anos.
Do total de famílias que vivia ao lado do antigo Autódromo de Jacarepaguá, apenas 30 permanecerão no local depois da urbanização prometida pela prefeitura para ser concluída até 22 de julho. Apesar do número pequeno de moradores contemplados, a comunidade e a Defensoria Pública acreditam em “vitória da resistência”.
Cerca de 400 famílias foram alocadas em apartamentos no condomínio Parque Carioca, na Estrada dos Bandeirantes, zona oeste da cidade. Moradores entrevistados pela Agência Brasil reclamam do processo conduzido pela prefeitura, dizem que as promessas não foram cumpridas e que os apartamentos são pequenos para o tamanho das famílias. Eles consideram a negociação injusta e dizem que sofreram pressão psicológica para aceitar qualquer tipo de acordo. Há ainda moradores que receberam indenização e se mudaram para outros locais.
O poder municipal diz que essa é a única remoção diretamente ligada aos Jogos Rio 2016. O Comitê Organizador, entretanto, afirma que não exigiu a retirada da comunidade. Organizações de direitos humanos criticam a remoção de moradores e denunciam o que chamam de “limpeza social”.
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Para a pesquisadora Regina Bienenstein, coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (Nephu/UFF), a retirada forçada dos moradores da Vila Autódromo só beneficia a especulação imobiliária.
“Na história da evolução urbana, o capital imobiliário vem comandando o uso e a ocupação do solo. Com um megaevento, isso se acirra. É o que está acontecendo na Barra. É não ‘contaminar’ o espaço com uma população de trabalhadores que, na verdade, chegou lá muito antes de qualquer família de classe média ou média alta, antes de qualquer condomínio. E agora os condomínios não os querem perto, para não desvalorizar os imóveis, como se os trabalhadores não tivessem o direito de usufruir as benfeitorias e os bônus da vida urbana”.
Segundo o Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro 2015, quarta versão do documento lançada pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro em novembro, as remoções de comunidades de áreas valorizadas com as obras são “a ponta de um projeto de transformação profunda na dinâmica urbana do Rio de Janeiro”.
“Em novembro de 2011, a prefeitura lançou um edital de licitação para a concessão do terreno público e o estabelecimento de uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção do Parque Olímpico. Na concessão consta que, após a realização dos Jogos, 75% da área de 1,18 milhão de metros quadrados será destinada a empreendimento habitacional de alto padrão a ser comercializado pela concessionária. Assim, a retirada de uma comunidade de baixa renda consolidada tem sido colocada como prioridade pela prefeitura do Rio de Janeiro para viabilizar mais um projeto de mercantilização da cidade”.
O dossiê aponta que, segundo dados oficiais, foram removidas 22.059 famílias na cidade entre 2009 e 2015, totalizando 77.206 pessoas.
Questionada sobre o processo de negociação de espaços públicos com grandes construtoras apontado pelo comitê, a prefeitura enviou um balanço dos reassentamentos feitos desde 2009. “A esmagadora maioria – 15.937 famílias, ou 72,2% – saiu de casa por estar submetido a algum tipo de risco: deslizamentos de encosta, beira de rios (sujeitos a alagamentos), insalubridade e ruína do imóvel”.
A prefeitura cita também realocações para proporcionar melhorias na própria comunidade, que envolveram 3.997 famílias. Obras de mobilidade e infraestrutura “que trouxeram benefícios coletivos” foram responsáveis pela realocação de 2.125 famílias.
A nota acrescenta que a prioridade para escolha dos locais das moradias populares privilegia o acesso à infraestrutura de transporte e que os projetos buscam “diminuir a quantidade de desapropriações”. A prefeitura diz que não utiliza o instrumento de “remoção”, que seria a retirada à revelia do imóvel sem criar condições de transição para outra moradia.
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil, in EcoDebate, 29/06/2016
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