segunda-feira, 6 de março de 2017

RECORDE DE DEGELO GLOBAL , INÍCIO DE 2017.

Recorde de degelo global em janeiro e fevereiro de 2017, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Para cada mil pessoas dedicadas a cortar as folhas do mal,
há apenas uma atacando as raízes”.
Duzentos anos do nascimento de Henry Thoreau (1817-1862)
from NSIDC sea ice concentration data
[EcoDebate] Não há mais como contestar. Os negacionistas das mudanças climáticas perderam totalmente seus argumentos, claramente, anticientíficos. O degelo global bateu todos os recordes em janeiro e fevereiro de 2017. Depois de três anos (2014, 2015 e 2016) de temperaturas muito elevadas, sem precedentes no Holoceno (últimos 10 mil anos), a desglaciação do Ártico, da Groenlândia, da Antártica e dos glaciares atingiu um recorde, como mostra o gráfico acima (ArctischePinguin – ver link abaixo).
A tendência de queda é clara ao longo dos últimos 40 anos. A curva acima tem uma distribuição bimodal, pois o hemisfério Norte tem pico de gelo em fevereiro, quando o hemisfério Sul está no vale (mínimo de gelo), sendo que em julho a Antártica está no máximo de gelo e o Ártico no mínimo. O máximo do gelo global acontece entre outubro e novembro. Seguindo as curvas anuais (todas com este mesmo tipo bimodal de distribuição), nota-se que elas mostram uma tendência de queda em relação à média de 1981-2010, embora haja oscilações anuais de curto prazo, diferentes da tendência de longo prazo.
Porém, chama a atenção que o padrão de queda na extensão de gelo, desde setembro de 2016, não tem paralelo nos últimos 40 anos, quando se começou as medidas por satélite. A curva de 2016 sofreu uma queda abruta no último trimestre do ano (outubro a dezembro) e continuou batendo recordes de baixa nos dois primeiros meses de 2017.
A tendência de queda nos meses de janeiro e fevereiro é clara no Ártico, como mostram os gráficos abaixo da NSIDC – National Snow & Ice Data Center. O ano de 2011 havia batido os recordes dos anos anteriores. O degelo nos meses de janeiro e fevereiro entre 2012 e 2016 foi um pouco menor do que em 2011. Mas, em 2017, o nível de gelo no Ártico ficou abaixo de qualquer outro período anterior. O Ártico foi atingido por ondas de calor (para os padrões do inverno ártico) nunca vistos, consequentemente, a formação de gelo foi menor. A vida dos animais do polo Norte corre sério perigo de extinção. A tendência do degelo é evidente pelos gráficos abaixo.
extent anomalies
Ao contrário do Ártico, a Antártica estava aumentando a extensão de gelo desde 1978. As causas deste aumento são complexas e envolvem a força dos ventos, as correntes marinhas, o ciclo hidrológico, etc. Todavia, nunca, desde o início da medição por satélites, a extensão do gelo nos meses de janeiro e fevereiro, foi tão grande como em 2014 e 2015. Mas essa tendência foi revertida e a redução do gelo na Antártica foi enorme em 2016 e bateu todos os recordes negativos em 2017, como pode ser visto nos gráficos abaixo.

extent anomalies
Uma das constatações do degelo é que uma imensa rachadura na plataforma de gelo Larsen C cresceu profundamente em dezembro de 2016 e falta pouco para que um imenso bloco de cerca de 5 mil km² (equivalente a área do País de Gales ou da Região Metropolitana do Rio de Janeiro) se desprenda da plataforma Larsen C.
Os gráficos abaixo da NSIDC – National Snow & Ice Data Center – mostram, com dados diários, que a extensão de gelo no Ártico e na Antártica nos últimos 4 meses está bem abaixo da média do período 1981-2010 e bem abaixo desta média mesmo quando se considera o desvio padrão da variabilidade natural (área em cinza). Também está abaixo das curvas mais baixas já existentes. Ou seja, nunca se viu tanta perda de gelo como tem acontecido em janeiro e fevereiro de 2017. 
arctic and antarctic sea ice extent 
As imagens abaixo mostram o máximo de gelo no inverno da Antártica nos meses de setembro de 2015 e 2016. Mostra também que o nível de gelo no verão da Antártica no mês de fevereiro de 2017 está muito abaixo do nível do mesmo mês em 2016.
sea ice extentsea ice extent
Além do Ártico e da Antártica, há mais duas áreas que estão contribuindo, de maneira acelerada, com o processo de desglaciação: a Groenlândia e os glaciares do Canadá. Assim, o aumento do nível dos oceanos é inexorável e trata-se de saber apenas quanto e quando isto vai ocorrer.
Artigo de John Abraham, no jornal Guardian (24/02/2017), mostra que a perda de gelo da Groenlândia aumentou substancialmente nas últimas décadas e é responsável agora por aproximadamente 1/3 ao aumento total do nível do mar. Observa-se que as águas ao redor da Groenlândia estão como se estivessem de cabeça para baixo. A água quente e salgada, que é pesada, fica abaixo de uma camada de água fria e fresca do Oceano Ártico. Isso significa que a água quente está no fundo, e as geleiras sentadas em águas profundas podem estar em apuros. À medida que a água quente ataca as geleiras marinhas (geleiras que se estendem para o oceano), o gelo tende a quebrar e partir, recuando em direção à terra. Em alguns casos, os glaciares recuam até que sua linha de aterramento coincida com a costa. Mas em outros casos, a superfície ondulante permite que a água quente use a parte inferior da geleira para longas distâncias e, assim, aumentar o risco de grandes eventos de “parto”. Muitas vezes, quando as geleiras perto da costa se rompem e descascam, o outro gelo pode então fluir mais facilmente para os oceanos. 
greenland melt extent 2016
Artigo de Nicole Mortillaro, na CBC News (20/02/2017), mostra que as geleiras do Canadá estão respondendo rapidamente ao aquecimento do Ártico e são, atualmente, um dos principais contribuintes para a elevação do nível do mar. Pesquisadores da University of California Irvine estudaram dados coletados de 1991 a 2015 sobre geleiras encontradas nas ilhas Rainha Elizabeth no Ártico. Eles descobriram que, de 2005 a 2015, o derretimento superficial desses glaciares aumentou em 900%.
Há duas maneiras pelas quais os glaciares perdem gelo: o derretimento superficial e a descarga de icebergs, conhecidos como partos. Antes de 2005, a massa perdida das geleiras nas ilhas da rainha Elizabeth foi compartilhada quase igualmente entre os dois, em 48% e 52%, respectivamente.
No entanto, após 2005, o derretimento da superfície tornou-se o principal contribuinte da perda de gelo: agora representa 90% das perdas totais na região. Eles passaram a derramar três gigatons de água anualmente para 30 gigatons – algo que tem sérias consequências. Enquanto a Groenlândia e a Antártida possuem a maior quantidade de água doce do mundo sob a forma de geleiras e lençóis de gelo, o Canadá também tem sua parcela significativa. O país é o lar de cerca de 20 por cento das geleiras do mundo e, como resultado, é o terceiro maior contribuinte para a mudança do nível do mar. 
queen elizabeth islands
O gráfico abaixo dá destaque para os dois primeiros meses dos anos de 1978 a 2017. Nota-se que a extensão de gelo global é a menor em 40 anos, bem abaixo de 2015 e 2016 e bem abaixo da média 1981 a 2010 (mesmo considerando o desvio padrão). Este recorde negativo de degelo é preocupante e indica que o mundo vai caminhar para uma era de grande inundação.
global ice extent
O filme “Before the Flood” retrata como a civilização está gerando problemas crescentes no Planeta e é um poderoso instrumento de conscientização dos problemas climáticos e da grave crise ambiental por que passa a humanidade. Esta crise tende a se agravar quando o governo Donald Trump (conforme discurso no Congresso de 28/02/2017) corta os gastos para a proteção do meio ambiente e aumenta os gastos militares, além de incentivar o consumo conspícuo.
Enquanto a governança global está sobre ameaça devido ao crescimento do nacionalismo e do militarismo, o Acordo de Paris está sob ameaça. Mas o aquecimento não arrefece e o declínio do volume global de gelo é uma realidade inquestionável como mostra o gráfico abaixo.
declínio do volume global de gelo nos dois hemisférios
O fato inescapável é que o aumento das emissões de gases de efeito estufa (a queima de combustíveis fósseis, liberação de gás metano na pecuária e no permafrost, etc.) eleva a temperatura da atmosfera e dos oceanos e aumenta o degelo global, acelerando a elevação do nível dos oceanos. A Groenlândia tem o potencial de elevar os oceanos em 6 metros e a Antártica em 60 metros. O degelo total pode provocar a subida em mais de 70 metros. Mas apenas 3% de degelo já seria para elevar as águas marinhas em mais de 2 metros, nível suficiente para provocar grandes danos.
Há dois bilhões de pessoas que vivem a menos de dois metros do nível do mar no mundo. O naufrágio das áreas costeiras vai, dentre outros efeitos, agravar o problema dos deslocados. A crise dos refugiados da guerra da Síria vai parecer um acontecimento trivial perto da crise gerada pela invasão das águas salgadas nas costas litorâneas de todo o mundo.
Referências:
Brandon Miller. Antarctic sea ice reaches record low, CNN, 16/02/2017
Leonardo DiCaprio. Before the Flood (Legendado em português), National Geography, 31 de out de 2016 https://www.youtube.com/watch?v=aV9w_chyuf4
NSIDC – National Snow & Ice Data Center: https://nsidc.org/data/seaice_index/

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/03/2017

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