quinta-feira, 28 de setembro de 2017
ENERGIA EÓLICA E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Seminário regional debateu sobre impactos ambientais e sociais dos parques de energia eólica no Nordeste
IRPAA
Fortes relatos de quem sente na pele todas as consequências da instalação dos parques eólicos nos seus territórios de origem e a certeza de não ser viável esse modelo de geração de energia, marcaram o Seminário sobre os impactos ambientais e sociais dos parques eólicos no Nordeste brasileiro. O evento reuniu de 22 a 24 de setembro deste ano, em Juazeiro – BA, cerca de 50 pessoas impactadas pela instalação destes parques, assessores, pesquisadores, estudantes, lideranças comunitárias e representantes de entidades de apoios a organizações e movimentos sociais dos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará.
O evento teve o objetivo de garantir uma troca de experiências e de articular as comunidades que estão sendo ameaçadas por estes empreendimentos. A intenção é que estas se fortaleçam e agreguem mais força na resistência em torno do avanço de projetos de desenvolvimento nas comunidades rurais, ribeirinhas e litorâneas.
Reunidos por estado, os/as participantes socializaram quais os impactos que estão sofrendo e quais as experiências de resistências frente à entrada dos parques eólicos nos territórios dos povos tradicionais e originários por todo o Nordeste. “O território é sagrado”, diz um dos participantes sobre o pertencimento das pessoas com o seu local de socialização, produção econômica, social e cultural e também da sua relação com a natureza.
Um dos questionamentos levantado se refere, principalmente, a matriz energética brasileira que ignora os modos de vida, as desigualdades sociais e explora, em grande escala, os recursos naturais, sendo que ainda é chamada de energia limpa. Porém, para os/as atingidos/as e especialistas no assunto, estes modelos de geração de energia – que promovem uma lógica socioambiental injusta onde as empresas ganham e as populações e o meio ambiente perdem, gerando diversas consequências, muitas vezes, irreversíveis – não podem ser chamadas de limpa. “Muito se tem dito que esta é uma energia limpa, porém ela tem gerado sérios danos nas comunidades, que não são ditos, são invizibilizados. Impacta na existência das comunidades”, denuncia Nonato Filho, do Conselho Pastoral de Pescadores, do Ceará (CPP).
Entre os argumentos contrários aos parques eólicos estão os prejuízos ambientais, culturais e sociais para a sociedade. Desmatamento, grilagem, destruição de habitat de diversas espécies de animais nativos selvagens, mudança (brutas) nos modos de produção e vida das comunidades, cerceamento do direito de ir e vir dos povos no próprio território, populações expulsas das suas localidades, mudanças no vento, são alguns dos impactos sofridos pelas comunidades. “Não é só uma leitura do impacto ambiental e econômico, mas do ponto de vista da nossa existência”, argumenta Nonato sobre o evento. Ele explica ainda que a implementação da matriz energética brasileira também contribui para o empobrecimento das populações, “pois ela tem seu território fatiado e privatizado. Muda toda a relação com o território. Tem mais perca do que ganho. Essa energia é pra que e pra quem? Os mecanismos são muito sujos, inclusive de sangue”, afirma Nonato.
Marina Rocha, da Comissão Pastoral da Terra de Juazeiro, esclarece que um evento como este também serve de alerta para que a sociedade entenda que estas comunidades não são as únicas afetadas por estes grandes projetos, mas toda a sociedade. “Quando a comunidade sai do seu território não está prejudicando só a sua comunidade, pois ela produz alimento [na terra] e ainda preserva a natureza, isso tem haver com a sociedade… uma comunidade sem território, não tem vida”, pontuou Marina.
Outro impacto desconhecido pela sociedade é a destruição das nascentes. Com a instalação dos parques nas serras, o desmatamento e a devastação da Caatinga no entorno das torres, as nascentes desapareceram, gerando um desequilíbrio ambiental. Para Rizoneide Gomes, do CPP, a sociedade no geral não conhece esses impactos e o desafio é levar estas informações e conscientizar toda a sociedade de que “esse tipo de energia é como os outros, concentrado nas mãos de pequenos grupos”, avalia.
Realidades alteradas
O que também inquieta as comunidades é a facilidade que estas empresas tem em acessar a documentação de terras que pretendem ocupar, que são, na maioria das vezes, originárias de grilagem. Portanto, as comunidades estão vivenciando, além dos conflitos ambientais, os conflitos jurídicos. Nonato argumenta que na cartografia apresentada por estas empresas, as comunidades são invisibilizadas, desconsideradas como pertencentes ao local.
Elencaram também que um grave problema é o encantamento existente por conta das promessas das empresas ao afirmar que o empreendimento na comunidade iria gerar renda local e melhorar a qualidade de vida. O que nunca aconteceu na comunidade de Dona Maria Nazaré dos Santos, Canavieira, em Aaracati – CE, que tem um parque eólico em toda a sua extensão. Ela diz, que dos nove filhos que tem, nenhum deles teve sua renda gerada a partir da instalação dos parques. A comunitária também citou diversos transtornos e desconfortos provocados pelo fluxo intenso de caçambas atravessando a comunidade, principalmente, no período da implantação das torres.
Mas o que mais impactou a vida das famílias da comunidade de Canavieira foi a retirada do direito de ir e vir da população local pelo seu próprio território e também a negação do acesso aos locais de lazer comunitário, como a região das dunas e a lagoa. “Melhor que ela [empresa de eólica] não existisse, para nós era bem melhor, pois só assim a gente teria o nosso território livre, para ir e vir a hora que a gente quisesse, hoje ninguém pode”, desabafa Maria.
Na avaliação de todos/as, os impactos apresentados pelos participantes foram diversos e se ampliavam na medida que se tinha uma visão minuciosa da instalação dos parques por todo o Nordeste. Do litoral ao sertão, os problemas decorrentes destes grandes empreendimentos só avançam. No litoral do Ceará houve aterramento de lagoas, uso em excesso da água, privatização da terra, aumento do custo de vida da comunidade, a ilusão de compensação, impacto da estrutura das habitações populares. “Se fosse tão bom [o parque], não teria tanta coisa escondida que a comunidade não precisa saber”, comenta uma das participantes, que prefere não se identificar.
No interior do Estado da Bahia, no território Sertão do São Francisco, seu Antônio Santos, que é de comunidade de Fundo de pasto, relata que a economia local das famílias oriunda da criação de caprinos e ovinos tem sido afetada com a chegada dos parques, que está na fase de avaliação e teste. “Proibição da gente transitar na área dos parques eólicos, onde criadores criavam sem problemas, onde tinham aguadas e foram ‘secadas’ devido ao parque eólico”. Ele faz um apelo aos poderes públicos no tocante a entender que o modo de vida desta família é no campo: “observem a nossa Convivência com o Semiárido porque nenhum de nós, que vive no Fundo de Pasto, tem condições de viver na cidade sem emprego”, apela seu Antônio, que é dos que foram atingidos pela construção da barragem de Sobradinho.
Uma realidade contada também é com a desigualdade na negociação da implantação do parque, de um lado quem tem o poder com seus interesses privados, favorecimento político e domínio do conhecimento e do outro as famílias que terão seus territórios desmatados, cortados. A primeira vai ganhar e a segunda vai perder, avaliam os/as participantes.
Neste cenário de expansão dos parques eólicos, a perspectiva de uma matriz energética é a da apropriação dos recursos naturais para a geração do lucro, passando por cima da dinâmica social e existência das comunidades. O Seminário foi organizado pela CPT – BA, CPP Nordeste, Irpaa, Instituto Terra Mar – CE e contou com o apoio da Cese.
Texto e fotos: Comunicação Irpaa
Do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/09/2017
SANTOS JÁ ESTÁ EXPOSTA A ELEVAÇÃO DAS MARES
Santos já está exposta a elevação das marés, tempestades, erosão e intrusão de água salgada
Da Agência FAPESP
Os estudos do Projeto Metrópole, com apoio da FAPESP, demonstram que a cidade de Santos, no Estado de São Paulo, já está exposta a tempestades, erosão e intrusão de água salgada, de acordo com a Assessoria de Comunicação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Há uma tendência das alterações climáticas e a subida do nível do mar intensificarem esses riscos, conforme pesquisa coordenada pelo climatologista José Marengo, do Cemaden.
Esses impactos foram observados também em Broward, nos Estados Unidos, e Selsey, na Inglaterra. Iniciativa internacional com pesquisadores brasileiros, norte-americanos e ingleses vem desenvolvendo, desde 2013, estudos sobre adaptação às mudanças climáticas em áreas costeiras.
Os dados da pesquisa fazem projeções dos impactos associados à elevação da temperatura oceânica e chuvas extremas, além do aumento do nível do mar e aumento na frequência e na intensidade das tempestades. Esses fatores podem gerar deslizamentos de terra, enchentes urbanas e contaminação das águas subterrâneas. Na situação atual, as áreas suscetíveis à inundação já apresentam problemas de drenagem.
Na cidade de Santos, no litoral paulista, os estudos projetam que as mudanças climáticas provocarão a subida do nível do mar em pelo menos 18 centímetros até 2050, podendo chegar até 45 centímetros em 2100. Essa elevação do nível do mar poderá chegar a dois metros, durante a ocorrência de marés altas, tempestades e as ressacas.
“As adaptações serão necessárias, não há como escapar. E não estamos falando sobre mudanças do clima em um futuro distante – é preciso entrar em ação agora”, afirmou o pesquisador Marengo.
Medidas de minimização de impacto
Entre as medidas estratégicas indicadas às cidades costeiras para a gestão da adaptação, podem-se destacar o monitoramento da mudança do clima e as avaliações dos desastres socioambientais, para adequar a situação das mudanças ocasionadas ao longo do tempo.
O trabalho científico aponta dois caminhos para a preparação e diminuição dos impactos das mudanças climáticas nas áreas costeiras: as medidas proativas e planejadas para preservar e proteger os recursos – antecipando-se aos impactos (adaptação planejada) – e as medidas reativas/emergenciais, implementadas após o impacto das mudanças climáticas.
O Projeto Metrópole é uma coprodução entre a comunidade científica, os tomadores de decisões e a população. Santos foi escolhida para o projeto, segundo Marengo, porque tem os dados mais completos sobre variações de marés e o georreferenciamento mais preciso entre as cidades litorâneas. Os métodos utilizados podem ser replicados em qualquer cidade da costa brasileira.
A pesquisa aplicada desenvolvida nos últimos quatro anos faz uma avaliação conjunta sobre possíveis impactos da elevação do nível do mar, extremos de chuva e tempestades na frequência e intensidade das inundações costeiras que afetam a Ponta da Praia, no município de Santos. Segundo os dados científicos, estes impactos podem aumentar no futuro.
Mais informações: www.cemaden.gov.br/pesquisa-alerta-para-medidas-antecipadas-aos-impactos-provocados-pela-elevacao-das-mares-nas-cidades-costeiras/.
Outras informações sobre o Projeto Metrópole estão disponíveis nas reportagens publicadas pela Agência FAPESP: Não se adaptar às mudanças climáticas sairá no mínimo cinco vezes mais caro, Nível do mar na costa brasileira tende a aumentar nas próximas décadas e Medidas de adaptação às mudanças climáticas são anunciadas em Santos.
Da Agência FAPESP, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/09/2017
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL : CAUSAS E SOLUÇÕES
Os seis maiores bilionários brasileiros têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões mais pobres
ABr
No Brasil, os seis maiores bilionários têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Caso o ritmo de inclusão no mercado de trabalho prossiga da forma como foi nos últimos 20 anos, as mulheres só terão os mesmos salários dos homens no ano de 2047, e apenas em 2086 haverá equiparação entre a renda média de negros e brancos. De acordo com projeções do Banco Mundial, o país terá, até o fim de 2017, 3,6 milhões a mais de pobres.
Essas são as constatações do relatório A Distância Que Nos Une, Um Retrato das Desigualdades Brasileiras, divulgado ontem, segunda-feira (25), pela Oxfam Brasil. A organização, que trabalha no combate à pobreza e à desigualdade, resolveu publicar pela primeira vez um estudo em que investiga, com base em vários dados, as raízes e soluções para um país onde se distribui de forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços essenciais.
De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da entidade, o objetivo é divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e mostrar os diferentes problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação brasileira. “Nós pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é excessiva, na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [em termos de carga tributária]. Mas é uma tributação onde quem paga o pato é a classe média e as pessoas mais pobres”, disse.
Tributação indireta
O documento identifica falhas na forma como o imposto é arrecadado no Brasil, em contraste com outros países. Além da alta tributação indireta, há questionamentos à isenção de impostos sobre lucros e dividendos de empresas e à baixa tributação de patrimônio, que, com isso, acabam contribuindo para aumentar a concentração de renda dos mais ricos.
A coordenadora do relatório defende que é possível que as autoridades brasileiras combatam fatores que impedem a tributação proporcionalmente igualitária, mesmo antes de uma necessária reforma tributária. Um deles é a evasão tributária, em que somente em 2016, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), deixaram de ser arrecadados R$ 275 bilhões.
Como pontos positivos dos últimos anos, A Distância Que Nos Une credita ao mercado de trabalho o “principal fator” da recente redução da desigualdade de renda no Brasil. Com a estabilização da economia e da inflação nos últimos 20 anos, foi possível ao país investir na queda do desemprego, na valorização real do salário mínimo e no aumento do mercado formal. Há diferenças, porém, que ainda precisam ser enfrentadas, de acordo com o relatório. Ele também enumera dados sobre as já recorrentes diferenciações salariais entre mulheres/homens e negros/brancos que possuem a mesma escolaridade.
“A média brasileira de anos de estudo é de 7,8 anos, abaixo das médias latino-americanas, como as do Chile e Argentina (9,9 anos), Costa Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos). É ainda mais distante da média de países desenvolvidos”, indica o estudo, complementando que apenas 34,6% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em universidades, dos quais apenas 18% concluem o curso.
Juventude negra e pobre é a mais afetada por barreiras educacionais
“Em geral, a juventude negra e pobre é a mais afetada pelas barreiras educacionais. Baixo número de anos de estudo, evasão escolar e dificuldade de acesso à universidade são problemas maiores para esses grupos, que, não por acaso, estão na base da pirâmide de renda brasileira”, afirma.
Para Katia Maia, a construção da sociedade brasileira é baseada em uma divisão entre cidadãos de “primeira e de segunda categoria. “Os números são muito fortes: 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos, e estamos falando de 50% da população brasileira. A gente olha no nosso entorno e vê as bolhas de pessoas brancas, enquanto as negras são colocadas na periferia da cidade. É importante a gente debater e conversar sobre o racismo, mostrando que somos iguais. Esse déficit a gente tem de assumir, que somos país racista e enfrentar, buscar solucionar isso. É grave porque do jeito que estão colocados, os números falam por si, a gente quase não resolve isso nesse século”, alerta.
Embora aponte uma “notável universalização do acesso à educação básica”, o relatório pede cuidados para lidar com a evasão escolar, especialmente em séries mais adiantadas. No que diz respeito a outros serviços essenciais, apesar de elogiar uma “importante expansão” nos últimos anos, o documento coloca como desafio a ampliação do acesso de mulheres e negros ao sistema público de saúde.
O documento lembra – como exemplos de desigualdade – a situação de dois dos 96 distritos de São Paulo, a maior cidade brasileira: “Dados mais recentes dão conta de que, em Cidade Tiradentes, bairro de periferia de São Paulo, a idade média ao morrer é de 54 anos, 25 a menos do que no distrito de Pinheiros, onde ela é de 79 anos. Trata-se de um dado que resume como as desigualdades se manifestam de diversas formas, sempre a um preço muito alto para a base da pirâmide social no Brasil”.
Com elogios à redução geral da desigualdade de renda e pobreza após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o relatório considera ainda a retirada, nos últimos 15 anos, de 28 milhões de pessoas da pobreza e a saída do Brasil do Mapa da Fome, em 2015. A parcela da população abaixo da linha da pobreza caiu, entre 1988 e 2015, de 37% para 10%, conforme o estudo. Devido à crise econômica dos últimos anos, porém, os governos têm feito “mudanças radicais” que, segundo o levantamento, evidenciam uma “acelerada redução do papel do Estado” que “aponta para um novo ciclo de aumento de desigualdades”, segundo a organização.
Garantia de Direitos
A Emenda do Teto dos Gastos, que limita os gastos públicos por 20 anos, é considerada no documento como um “largo passo atrás na garantia de direitos”. De acordo com as constatações da Oxfam Brasil, há a necessidade de se revisar a reforma trabalhista aprovada recentemente pelo Congresso Nacional, “onde ela significou a perda de direitos”. Outros entraves ao fim das “desigualdades extremas” do Brasil, segundo a pesquisa, são a melhoria dos mecanismos de prestação de contas, mais transparência, combate à corrupção e uma “efetiva regulação da atividade de lobby”.
De acordo com Katia, a meta do relatório não é defender que todas as pessoas tenham a mesma coisa e sim mostrar os extremos que não devem ser aceitos pela sociedade. No dia em que se completam dois anos da assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pelos 193 Estados Membros da Organização das Nações Unidas (ONU), com metas para os países até 2030, a coordenadora do relatório acredita, corroborando o documento, que as desigualdades “não são inevitáveis”.
“Elas são fruto de decisões políticas, de interesses, e nos níveis que nós temos hoje no Brasil, são eticamente inaceitáveis. Estamos construindo uma sociedade onde uma parte da população vale mais que outra. Não pode ser assim, somos todos parte da mesma sociedade. Essa distância entre nós está tão grande que a única forma de reduzir é atuando juntos, nos unindo”, finaliza.
Por Paulo Victor Chagas, da Agência Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/09/2017
terça-feira, 26 de setembro de 2017
CATALUNHA E O PLEBISCITO
5 questões-chave para entender polêmico plebiscito sobre a independência na Catalunha
A polícia da Espanha deteve esta semana 14 pessoas envolvidas com a organização de uma consulta popular sobre a independência da Catalunha, que está prevista para 1º de outubro, mas foi considerada ilegal pela justiça espanhola. Entre os detidos estão representantes do alto escalão do governo regional.
Mobilizações sem precedentes levaram milhares de pessoas às ruas em Barcelona e em outras cidades da região contra a operação policial e em defesa do plebiscito.
Os manifestantes exigem o direito de votar no plebiscito, que o governo central espanhol considera inconstitucional.
A tensão na região aumentou a níveis inéditos desde que a Espanha restaurou sua democracia, há quatro décadas.
A BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, preparou uma lista de cinco pontos centrais para entender a tensão na Catalunha.
1. O que vai acontecer em 1º de outubro?
O governo da Catalunha convocou para 1º de outubro um plebiscito para que os cidadãos respondam a uma pergunta: "Quer que a Catalunha seja um Estado independente sob a forma de república?".
Se ganhar o "sim", o Executivo catalão pretende declarar a independência da região autônoma.
Desde o primeiro momento em que o Generalitat, como é chamado o governo regional, anunciou a intenção de realizar um plebiscito, Madri, sede do governo espanhol, se colocou contra a iniciativa e advertiu que tomaria medidas judiciais para impedir que a Catalunha fosse às urnas se manifestar sobre o desejo de independência.
As autoridades da Catalunha ignoraram o governo - liderado pelo premiê Mariano Rajoy - e a Constituição espanhola, e, com apoio do Parlamento regional, onde a maioria dos partidos é a favor da separação, aprovou duas leis para proteger o plebiscito e estabelecer uma espécie de roteiro dos passos a serem tomados até a independência.
Em 6 de setembro, o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, fez um pronunciamento oficial convocando o plebiscito. O governo de Mariano Rajoy denunciou a iniciativa nos tribunais, que declararam a consulta popular ilegal.
Não se sabe se as autoridades tentarão impedir o plebiscito no dia 1º de outubro e se haverá confrontos.
2. Por que a Justiça da Espanha suspendeu o plebiscito?
O Tribunal Constitucional proibiu o plebiscito por considerar que ele contraria a Constituição.
A Carta Magna espanhola estabelece que a "soberania nacional prevalece sobre o povo espanhol". Isso significa que uma parcela da população, como os cidadãos da Catalunha, não podem decidir por todos.
Além disso, segundo a legislação espanhola, as comunidades autônomas não têm autoridade para convocar uma consulta popular como essa.
Segundo o texto constitucional, plebiscitos só podem ser convocados pelo rei e precisam ser propostos pelo chefe de governo com autorização do Legislativo. E a Constituição não prevê o direito de separação.
3. Por que a tensão aumentou?
A Catalunha já é uma região autônoma na Espanha, e em setembro de 2015 elegeu um governo regional pró-independência.
Esse governo ignorou a decisão do Tribunal Constitucional - que proibiu o plebiscito - e está levando adiante os preparativos para a consulta.
Madri disse que usaria todas as possibilidades judiciais. Esta semana, a Guarda Civil, cumprindo uma ordem da Justiça, deteve pessoas e apreendeu urnas e cédulas para tentar impedir o plebiscito.
A tensão política gerou protestos pró-plebiscito. Há sinais de que as manifestações podem aumentar.
4. O que pensa a comunidade internacional?
A União Europeia pediu que a Catalunha respeitasse a decisão do Tribunal Constitucional e advertiu que só reconhecerá o resultado de um plebiscito se ele for feito dentro da legalidade.
Nenhum país apoiou diretamente a consulta, além da Venezuela. Alguns representantes da comunidade internacional sugeriram que o governo de Rajoy tentasse negociar com os que querem a independência.
A associação local Òmnium Cultural, uma referência de defesa e promoção da língua e cultura catalãs, conduziu uma campanha internacional de apoio à consulta popular, chamada "Deixem os catalães votarem", e reuniu assinaturas de 50 personalidades renomadas, entre eles Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do Nobel da Paz, ativistas como a artista Yoko Ono, atletas como o ex-jogador do Barcelona, Hristo Stoichkov e de filósofos como o norte-americano Noam Chomsky.
5. Os catalães realmente querem a independência?
Apesar de ser difícil de prever o resultado do referendo em meio a um clima de tensão, uma pesquisa pública encomendada pelo governo local mostrou, em junho deste ano, que 49% dos catalães eram contrários à independência contra 41% favoráveis.
A enquete também indicou que 48% defendem que a consulta seja feita de qualquer forma, 23% que ela seja realizada apenas com o respaldo de Madri e 22% eram contra sua realização.
Fonte : BBC
POPULAÇÃO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
População e mudanças climáticas, artigo de Natalia Kanem
Em artigo, a diretora-executiva em exercício do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Natalia Kanem, menciona conexões equivocadas frequentemente feitas entre crescimento populacional e mudança climática.
Segundo ela, apesar de o crescimento populacional fazer com que mais pessoas consumam mais e, portanto, emitam mais gases do efeito estufa, essas emissões não estão distribuídas de forma igualitária entre todas as populações do mundo.
Por Natalia Kanem*
Compreender a relação entre população e mudança climática é crucial para o desenvolvimento de políticas que protejam os direitos das pessoas, particularmente a garantia de escolhas individuais reprodutivas ao mesmo tempo em que se preserva o planeta. No entanto, as consequências sociais, econômicas e ambientais resultantes do crescimento populacional têm sido tema de opiniões fortes, inclusive da mídia — e têm sido fonte de muita controvérsia ao longo dos anos.
Muitos receios a respeito do crescimento populacional não surgiram baseados em evidências, assim como a sua possível relação com as mudanças climáticas. O Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, mudou o discurso que prevalecia sobre números e populações. No lugar, colocou em foco a conversa sobre ações para manter princípios universais dos direitos humanos e liberdade de escolha, particularmente para mulheres e meninas a respeito da autonomia sobre os próprios corpos.
Concepções erradas
Quando pensamos sobre as emissões de gases do efeito estufa (GEEs), é muito comum colocar a culpa sobre o crescimento populacional e apontá-lo como o principal ator das mudanças climáticas, ou ignorar o crescimento da população por completo, já que, historicamente, este é um tópico altamente politizado.
As abordagens contraditórias são conduzidas pelas conexões equivocadas entre população e mudança climática. Este equívoco é o de que mais pessoas correspondem automaticamente a mais emissões. De uma perspectiva a partir da mudança climática ou dos recursos naturais, há uma certa lógica intuitiva. Mais pessoas estão propensas a se alimentar e a beber mais, a dirigir mais ou consumir mais energia — todas situações que, em nosso modelo atual, aumentam as emissões de GEEs. Mas essas emissões não estão distribuídas de forma igualitária a todas as populações do mundo, assim como o consumo de alimentos, de carros ou o uso de ar condicionado.
A figura 1 mostra as emissões de GEEs per capita comparada às taxas de fecundidade — o número de filhos que uma mulher pode ter ao longo da sua vida reprodutiva — fator-chave para compreender o crescimento populacional. Os altos índices de emissão de gases per capita que acontecem nos países mais ricos estão correlacionados às baixas taxas de fecundidade apresentada nesses lugares. Os países mais pobres geram as menores taxas de emissões per capita — muitos próximos a zero. Apesar de não ser intuitivo para algumas pessoas, os países mais pobres que têm as taxas mais altas de fecundidade e os índices mais acelerados de crescimento populacional também são os que menos contribuem para o fenômeno das emissões de GEEs.
Atualmente, não é possível estabelecer uma relação linear entre o aumento populacional e o das emissões de GEEs. Ao invés disso, podemos relacionar as mudanças climáticas com o poder aquisitivo dos países. Atualmente, apenas 28% da população mundial ganha mais de 10 dólares por dia, nível de renda onde o consumo começa a contribuir significativamente para a emissão de GEEs. A realidade alarmante é que não foi preciso muitos emissores para pôr o planeta em perigo.
A alegação de que o crescimento populacional, sobretudo em países mais pobres, é um dos principais responsáveis pelas mudanças climáticas deve ser tratado com ceticismo. E deve ser notado que as pessoas que vivem nos países mais pobres, que contribuíram menos com as emissões, provavelmente serão as que irão sentir os impactos de maneira mais intensa.
Fazendo melhores escolhas
O mundo está focado em ajudar os países mais pobres a erradicar a pobreza, inclusive com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que possuem a ambição de acabar com a pobreza extrema até 2030. Baseado no nosso modelo atual de crescimento econômico, a redução da pobreza causaria um aumento das emissões de gases. E então, de fato, as populações dos países mais pobres serão cada vez mais importantes para as emissões e as mudanças climáticas. Assim, no longo prazo, o aumento populacional é certamente um fator importante para as mudanças climáticas.
Experiência global também nos mostra que, com melhores escolhas, podemos estruturar nossas vidas de forma a melhorar nosso bem-estar ao mesmo tempo que limitamos as emissões. Há reduções drásticas de emissões em alguns países europeus e (por um período) nos Estados Unidos, e um declínio na intensidade (ou do custo do crescimento das emissões de GEEs) na China e em outras economias emergentes.
A Figura 1 nos mostra variações consideráveis de emissão per capita entre países com alta e média renda. Isso sugere que, mesmo agora, nós não estamos presos a um cenário em que o crescimento da riqueza necessariamente implica em altas emissões.
Razões para otimismo
Conforme a tecnologia se aprimora, expande-se o desenvolvimento menos dependente de carbono, o que permite aos países e às populações a oportunidade de se desenvolverem enquanto previnem as mudanças climáticas.
Isso é absolutamente necessário. Os dados sobre população e emissões mostram que o conter o crescimento da população, mesmo que rapidamente, não é um atalho para evitar as mudanças climáticas. De fato, isso terá pouco ou nenhum efeito se não pudermos fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis e outros causadores das mudanças climáticas e em busca de modelos de vida renováveis e sustentáveis.
É preciso que sejamos mais cautelosos sobre a relação entre populações e as mudanças climáticas para fazermos as melhores escolhas de políticas e evitarmos armadilhas passado. O Programa de Ação do CIPD avançou para proteger mulheres e homens dos abusos dos direitos reprodutivos em conseqüência de preocupações generalizadas sobre o crescimento populacional nas décadas de 1970 e 1980.
No Programa, há um consenso entre os governos do mundo de que a promoção dos direitos e do acesso à saúde reprodutiva e o empoderamento das mulheres oferecem meios mais eficientes de avançar com o desenvolvimento do que apenas manter o foco no controle da população. Com saúde, educação e oportunidades melhores, mais pessoas escolhem por famílias menores — e as taxas de crescimento da população reduzem.
A revisão dos vinte anos do Programa, completados em 2014, corroboram a verdade. Investimentos que promovem a realização do acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos — incluindo a educação de mulheres e meninas e a expansão na educação sobre saúde sexual e reprodutiva, informação, serviços de saúde, entre outros — resultam em pessoas optando por famílias menores, e a fecundidade continua reduzindo.
A Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável reconhece a importância dessa abordagem com a população, incluindo o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos. Chegou o tempo de redobrar nossos esforços para garantir essas conquistas.
Com a implementação do Acordo de Paris, que representa uma conscientização global sobre os desafios que ainda precisam ser superados sobre as mudanças climáticas, nós temos agora muitos motivos para manter o otimismo. Podemos simultaneamente alcançar um mundo com índices menores de emissões enquanto expandimos os direitos, as escolhas e o bem-estar de mulheres e meninas.
Vamos aos fatos
A taxa global do crescimento da população está desacelerando rapidamente — de 2,05% ao ano no período de 1965-70 para 1,52% em 2015-20. Quase metade do crescimento populacional projetado de agora para até 2100 não acontecerá por altos índices de fecundidade. Ele será alimentado pelo “momentum populacional”, ou por grandes números de mulheres em idade reprodutiva (de alta fecundidade no passado) tendo filhos e filhas.
Apenas 38 países contam com taxas de fecundidade totais maiores do que quatro crianças por mulheres, o que leva a taxas mais rápidas de crescimento populacional. Juntos, esses países constituem apenas 13% da população mundial. São muitas as pessoas que querem famílias menores, mas lutam para alcançá-las. Cerca de 214 milhões das mulheres de regiões em desenvolvimento que não querem ter filhos não têm acesso a métodos modernos de contracepção.
*Diretora-executiva em exercício do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)
Da ONU Brasil, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/09/2017