Águas para a Vida! artigo de Nísio Miranda
“A água é o princípio de todas as coisas”
Tales de Mileto
[EcoDebate] Há muito estudamos e trabalhamos com as questões ambientais, especialmente às inerentes ao elemento mais importante, do ponto de vista da manutenção da vida, em todos os seus aspectos: a água. E sob uma perspectiva que talvez não interesse – mas deveria interessar – a todos: a de que a água não é um recurso. Água é patrimônio. Para chegarmos a esta conclusão, basta pensarmos que recurso é algo negociável, que se vende, do qual se dispõe, de acordo com as circunstâncias; e ao patrimônio nos dedicamos, cuidamos, preservamos, zelamos por sua manutenção e até tendemos à busca pela sua multiplicação. E o compartilhamos, a qualquer tempo e sem contrapartida.
No dia 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água. Em anos anteriores, vivemos este dia com a angústia e a apreensão provocadas pela iminente falta dela, em toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte – território no qual focamos nossa atuação neste momento – bem como em vários pontos de Minas Gerais e do País. Neste 2018, um pouco aliviados, podemos comemorar, relativamente ao abastecimento da RMBH, pelas chuvas constantes e intensas. E lamentar, também, pelos inúmeros problemas causados nas cidades, estradas e áreas de maior vulnerabilidade ambiental, que trazem, além de prejuízos ambientais e materiais, risco às nossas vidas, o que nos faz refletir sobre a nossa incapacidade de convivência com o que considero ser o mais importante e forte elemento da Natureza.
O mundo manteve seus olhares para a nossa Capital Federal, pelos mais diversos interesses que a água desperta e, o que é pior, pelos diversos conflitos hoje já estabelecidos em torno dela. No centro das discussões do 8º Fórum Mundial da Água (idealizado e produzido por organismos internacionais, empresas e alguns governos nacionais que insistem em encarar a água como “recurso”), a sua valoração como mercadoria, a sua privatização e a apropriação por grandes grupos econômicos, que a sujeitariam às regras de um mercado nem sempre justo ou interessado em preservar os direitos universais – humanos, animais e ambientais – a ela imanentes.
Por outro lado, no Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA, realizado paralelamente àquele, a tentativa de se construir uma ampla articulação social, institucional e política em torno do reconhecimento da água como um patrimônio e direito humano, universal, difuso e coletivo. Bem inestimável a ser preservado e usufruído por todos, de forma equilibrada, inteligente, parcimoniosa e racional, com acesso e disponibilidade em quantidade e qualidade, garantindo a sua preservação para as gerações vindouras, numa confirmação da sua natureza de direito inalienável de todos os seres vivos.
No caso da RMBH, especialmente nossa Capital deverá se dedicar, de modo vigoroso e sistemático, em cooperação com o Estado e os municípios vizinhos, a estudar, planejar e executar, sem morosidade, ações que garantam, no futuro, abastecimento regular e qualificado de água, considerando seus múltiplos usos. Primar, também, pela identificação (não tão difícil, por óbvias) e a eliminação das principais causas dos problemas e transtornos que afetam a população, sempre que chuvas intensas atingem a região, mesmo em períodos de baixas – mas concentradas – precipitações pluviométricas.
Em diálogo constante no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas, em seminários, cursos, audiências públicas e eventos em que o tema é abordado e estudado com afinco, pela sua urgência, temos nos convencido, a cada dia mais, de que a garantia da manutenção do abastecimento de água para Belo Horizonte e outros municípios da RMBH, num futuro próximo, só se dará a partir de um grande acordo com os municípios localizados no Alto Rio das Velhas e até em parte da Bacia do Paraopeba – principais abastecedores da RMBH – não necessariamente integrantes do território metropolitano. Na construção de uma cooperação que determine o pagamento, por meio de recursos diversos, de acordo com a necessidade e aplicabilidade de cada recebedor, pela prestação de serviços ecossistêmicos, compensando esses municípios pela preservação das condições ambientais necessárias não só à acumulação e à reservação, mas à produção de água em seus territórios.
Isso implicaria em restrições à expansão urbana, das atividades industriais diversas e à impermeabilização, e na necessidade de implementação de sistemas e práticas para a preservação e o manejo adequado do solo, a restauração de nascentes e ecossistemas, que assegurem perenidade aos mananciais, com quantidade e qualidade. As práticas agroecológicas e agroflorestais como instrumentos de geração de trabalho, renda e segurança alimentar e nutricional, neste contexto, contribuiriam para o fortalecimento da economia desses municípios, com a aquisição da produção desses arranjos pelas administrações e as populações dos municípios da RMBH.
Já na perspectiva do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – 11, que almeja “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, os municípios metropolitanos – mais uma vez, em especial, Belo Horizonte – em concordância com inúmeros envolvidos com as políticas públicas de abastecimento e saneamento, deverão se desdobrar na missão de reverter as intervenções que invisibilizaram e estreitaram o leito dos cursos d’água em suas áreas mais adensadas; trabalhar fortemente na instalação de equipamentos urbanos sustentáveis e acessíveis à população, como parques lineares no entorno de nascentes e mananciais urbanos, de modo a sensibilizar a sociedade para a necessidade de convivência e preservação desses como condição sine qua non para a sobrevivência das cidades. Investir na estruturação de uma rede de áreas de proteção ambiental e de drenagem e armazenamento adequado de águas pluviais, de ampliação da rede de interconexões com estações de tratamento terciário de efluentes, garantindo a qualidade da água após a sua passagem pelo núcleo mais populoso da Região Metropolitana, para o abastecimento dos municípios a jusante.
O apoio à atuação e a atenção às propostas e sugestões dos comitês e subcomitês (estrutura descentralizada do CBH-Velhas) de bacias hidrográficas torna-se um diferencial relevante e enriquecedor na implantação dessas políticas, considerado o enorme acervo documental e de conhecimento em poder desses organismos, e seu potencial multiplicador e mobilizador em torno das causas preservacionistas da água.
Como alento, a percepção de que não há inércia na busca de soluções e salvaguarda desse nosso patrimônio. Muito se tem estudado, debatido e planejado, nas universidades, governos e organizações sociais, resultando em produtos como o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI da RMBH, concebido pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – ARMBH, em cooperação com a Universidade Federal de Minas Gerais e outras, com ampla participação social, hoje em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para que seja transformado em Lei Complementar; o Macrozoneamento Metropolitano, parte integrante dos estudos do PDDI; o Sistema de Informações do CBH-Rio das Velhas (Siga – Rio das Velhas); e a Plataforma de Infraestrutura de Dados Espaciais – IDE, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM, dentre outras iniciativas.
E alguma coisa tem sido feita, no campo das políticas públicas, por parte de empresas públicas, governos, universidade e sociedade civil, como os programas Pró-mananciais, da Copasa/MG e Plantando Futuro, da Codemig; a Rede Urbana de Agroecologia Metropolitana, com inúmeros atores sob a coordenação do grupo de Estudos em Agricultura Urbana – AUÊ!, da UFMG; as feiras agroecológicas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário – Seda; as intervenções hidroambientais dos SCBHs do CBH-Rio das Velhas, que contemplam a restauração de nascentes urbanas, a instalação de fossas sépticas, o financiamento de Planos Municipais de Saneamento Básico e de Planos Diretores de Unidades de Conservação, dentre outros projetos financiados com os recursos da cobrança pelo uso das águas, dentre outras. A integração dessas iniciativas poderia significar um grande ganho em escala e qualidade das soluções delas advindas.
Diante desse quadro, caminhemos! Há esperança! É o que nos entusiasma e alimenta a luta! Com a certeza de que a preservação e o uso sustentável de nosso Patrimônio Hídrico e Ambiental equivalem à nossa autopreservação e à sagrada preservação, em cada rincão e em toda a aldeia global, da Vida: a que é e a que será!
Nísio Miranda é Bacharel em Direito, Especialista para Magistério Superior em Direitos Difusos e Coletivos e em Poder Legislativo; poeta e ambientalista. Está como Titular do Observatório de Políticas Metropolitanas da Agência de Desenvolvimento da RMBH.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/03/2018
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