Mais renda menos filhos e menos filhos mais renda, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A transição demográfica é um fenômeno sincrônico com o desenvolvimento econômico. Depois da Revolução Industrial e Energética que teve início no final do século XVIII, houve um grande aumento do padrão de vida médio da população mundial (a despeito das desigualdades) e um grande avanço no sistema de saúde, na higiene e no saneamento básico (os avanços foram maiores no acesso à água tratada e menores na canalização e no tratamento do esgoto).
Ou seja, o desenvolvimento econômico propiciou aumento da renda e do padrão de consumo e, também, nas conquistas da medicina e na saúde pública. Isto provocou uma grande redução das taxas de mortalidade. A esperança de vida ao nascer da população mundial estava abaixo de 30 anos no final do século XIX e chegou a 66 anos no ano 2000. A mortalidade na infância global estava pr volta de 400 por mil no século XIX e chegou a 40 por mil no final do século XX. O tempo médio de vida mais que duplicou em 100 anos. Isto nunca havia acontecido antes (nos 200 mil anos do Homo sapiens) e, provavelmente, nunca acontecerá novamente.
Os seres humanos pararam de morrer como “mariposas” e passaram a viver mais tempo nas idades produtivas, contribuindo para o crescimento da renda individual, familiar e nacional. Há uma relação de retroalimentação neste processo, pois o aumento da renda per capita reduz as taxas de mortalidade e, potencialmente, aumenta o retorno das pessoas para a economia. Enfim, os ganhos macroeconômicos e microeconômicos se somam para aumentar o padrão de vida da população e aumentar a riqueza das nações.
Algo semelhante ocorre com o desenvolvimento econômico e a transição da fecundidade. O primeiro efeito do aumento da renda é abaixar a taxa de mortalidade infantil e elevar a proporção de filhos sobreviventes. Desta forma, as mulheres (e os casais) atingem o número desejado de filhos muito antes do fim do período fértil. Assim, após um certo lapso de tempo decorrido para reduzir consistentemente as taxas de mortalidade infantil, inicia-se a transição (de altos para baixos níveis) da taxa de fecundidade total – TFT.
O desenvolvimento econômico contribui para a redução das taxas de fecundidade por meio dos seguintes mecanismos: 1) redução da mortalidade infantil e aumento da proporção de filhos sobreviventes para satisfazer o tamanho ideal de família em menos tempo; 2) aumento dos níveis educacionais dos pais, permitindo que eles tenham acesso às informações sobre a melhor maneira de garantir a autodeterminação reprodutiva; 3) aumento das oportunidades de emprego assalariado, especialmente para as mulheres, criando projetos de carreira e sucesso profissional em vez de manter a mulher segregada nas infinitas tarefas da maternidade e do espaço doméstico; 4) aumento do padrão de consumo e diversificação da cesta de bens e serviços o que eleva o custo de oportunidades de ter filhos; 5) alteração da relação custo/benefício dos filhos, o que modifica os investimentos na prole, possibilitando o “trade-off” da quantidade para a qualidade dos filhos; 6) aumento do grau de cobertura da previdência social (pública e privada), o que diminui a dependência dos idosos em relação aos filhos; etc.
Por tudo isto, não é de se estranhar que os países mais ricos são aqueles com menores taxas de fecundidade. Aliás, atualmente, não existe nenhum país rico (com IDH acima de 0,850) em que a TFT esteja acima do nível de reposição (2,1 filhos por mulher). A queda da fecundidade é um pré-requisito para o enriquecimento das nações. O gráfico acima mostra a estreita relação entre o nível de renda (medido pelo PIB per capita) e a taxa de fecundidade total. O gráfico mostra não só as médias de cada país, mas as desigualdades dentro dos países. O resultado é claro: existe uma relação inversa entre renda e fecundidade: quando a renda sobe diminui o número médio de filhos e quando a fecundidade cai a renda per capita sobe.
Outro fenômeno importante mostrado no gráfico é que alguns países conseguiram reduzir a fecundidade mesmo em um quadro de baixa renda per capita. Ou seja, a redução da TFT pode ocorrer mesmo diante de um cenário nacional de baixo desenvolvimento. Como a queda da fecundidade abre uma janela de oportunidade demográfica (bônus), se esta for bem aproveitada, ela pode impulsionar o crescimento da renda per capita e do bem-estar.
A Tailândia é um exemplo de país que conseguiu reduzir as taxas de fecundidade antes do desenvolvimento econômico. O gráfico abaixo mostra que a TFT tailandesa estava acima de 6 filhos por mulher em 1960 e caiu para um patamar abaixo do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) em 1990. Na atual década 2010-20 a TFT da Tailândia está em torno de 1,4 filho por mulher.
A transição da fecundidade na Tailândia começou quando o país era fundamentalmente rural e de baixa renda. Não temos dados da renda per capita nas décadas de 1960 e 1970, mas observa-se que em 1980 a renda per capita da tailandesa era de somente US$ 1,6 mil, segundo dados do FMI em poder de paridade de compra (ppp, na sigla em inglês).
Mesmo sendo um país de baixa renda e rural, a Tailândia apresentou um rápido crescimento econômico nas últimas 4 décadas e deve apresentar uma renda per capita acima de US$ 20 mil no ano 2020. Aliás, em 2017, a Tailândia já tinha uma renda per capita maior do que a renda brasileira, apesar da renda per capita brasileira ter sido três vezes maior do que a tailandesa, em 1980. A Tailândia soube aproveitar o bônus demográfico e pode se tornar um país de renda alta.
O que todos estes dados mostram é que a transição da fecundidade é um fenômeno essencial para a elevação da renda per capita e para o aumento do bem-estar geral de uma nação. Infelizmente ainda existem muitas “escoras culturais pronatalistas” que dificultam a queda da TFT em muitos países.
Os setores antineomalthusianos se vangloriam de propagar a resistência aos métodos contraceptivos modernos e de combater a autodeterminação sexual e reprodutiva, mas a única coisa que conseguem é uma vitória pírrica, pois evitar a transição demográfica é o mesmo que condenar uma nação a um eterno estado de pobreza.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/04/2018
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