Retirada do símbolo de identificação transgênico: da temeridade ambiental à afronta aos direitos constitucionais
Retirada do símbolo de identificação transgênico: da temeridade ambiental à afronta aos direitos constitucionais. Entrevista especial com Leonardo Melgarejo
IHU
A decisão da Comissão de Meio Ambiente do Senado, de aprovar a retirada do símbolo de identificação de transgênico em rótulos de produtos alimentícios, atende aos interesses do mercado e é “uma temeridade sob o ponto de vista ambiental” e “um crime contra direitos constitucionais, uma afronta à legislação, no que tange a direitos dos consumidores”, diz o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo à IHU On-Line. Para ele, a argumentação da Comissão de Meio Ambiente do Senado se baseia em uma “mitologia criada pelas indústrias beneficiadas pela ocultação de danos e riscos associados aos transgênicos. Afirmam que ‘inexistem evidências de danos’, quando há farta bibliografia apontando problemas. Afirmam que há farta bibliografia apontando inexistência de riscos, quando a maior parte destes estudos são elaborados, patrocinados ou associados às empresas beneficiadas. Afirmam que tais estudos são robustos, quando existem evidências de fragilidade no prazo de análise, no tamanho e na representatividade das amostras”.
Segundo ele, se a medida for aprovada definitivamente, “facilitará alocação de recursos públicos para as lavouras transgênicas, bem como a rolagem e o perdão de dívidas do agronegócio a elas associado”. A decisão, frisa, também “beneficiará o mercado de agrotóxicos, especialmente de herbicidas, com as implicações conhecidas”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Melgarejo diz que a tendência de aprovação da medida “é enorme” e “a única possibilidade de reversão neste processo de degradação das normas e contratos sociais reside na reação da população, o que depende de acesso a informações que não circulam na grande mídia”.
Melgarejo | Foto: João Vitor Santos – IHU
Leonardo Melgarejo é engenheiro agrônomo e doutor em Engenharia de Produção. É vice-presidente regional Sul da Associação Brasileira de Agroecologia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a decisão da Comissão de Meio Ambiente do Senado, de aprovar a retirada da identificação de transgênicos em rótulos de produtos alimentícios?
Leonardo Melgarejo – Uma temeridade sob o ponto de vista ambiental, já que estimulará o consumo e, portanto, o cultivo de lavouras transgênicas, potencializadoras do uso de agrotóxicos a elas associados. Um crime contra direitos constitucionais, uma afronta à legislação, no que tange a direitos dos consumidores. Encaminhamento de retrocesso desta natureza, com origem na comissão de meio ambiente só pode ser entendido como sinal de contaminação das decisões daquela comissão, em benefício de interesses contrários a seus compromissos com a precaução e a proteção ambiental.
IHU On-Line – O que está em jogo na disputa de manter ou não o símbolo de transgênico nos rótulos dos alimentos?
Leonardo Melgarejo – Interesses de mercado e expansão do domínio da mídia corporativa sobre a consciência coletiva. De um lado, os consumidores não poderão optar pela rejeição aos produtos transgênicos, significando que não poderão sinalizar ao governo, quanto a suas preferências por políticas públicas para a agricultura. Isto facilitará alocação de recursos públicos para as lavouras transgênicas, bem como a rolagem e o perdão de dívidas do agronegócio a elas associado. Da mesma forma, beneficiará o mercado de agrotóxicos, especialmente de herbicidas, com as implicações conhecidas.
Pulverizações aéreas, contaminação de lavouras vizinhas, de aquíferos, de áreas de proteção, passeio e lazer, com ampliação de danos à saúde da população e aos serviços ambientais, serão alguns dos aspectos negativos. Com o agravante de que não será possível estabelecer nexo causal entre aquelas lavouras e os danos para a saúde da população, desresponsabilizando as empresas e seus agentes, quanto aos problemas futuros.
IHU On-Line – Por que razões tem se proposto a retirada da identificação de transgênicos dos rótulos de produtos alimentícios e quais foram os argumentos apresentados pela Comissão para justificar a retirada do símbolo de identificação dos rótulos de alimentos?
Afirmam que “inexistem evidências de danos”, quando há farta bibliografia apontando problemas
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Leonardo Melgarejo – Os proponentes se baseiam em mitologia criada pelas indústrias beneficiadas pela ocultação de danos e riscos associados aos transgênicos. Afirmam que “inexistem evidências de danos”, quando há farta bibliografia apontando problemas. Afirmam que há farta bibliografia apontando inexistência de riscos, quando a maior parte destes estudos são elaborados, patrocinados ou associados às empresas beneficiadas. Afirmam que tais estudos são robustos, quando existem evidências de fragilidade no prazo de análise, no tamanho e na representatividade das amostras. Afirmam que são cultivados em todo o planeta, quando na verdade as lavouras se concentram nos EUA, Brasil, Argentina e Canadá.
Com agroecologia e reforma agrária, a sociedade pode fazer mais e melhor, em termos de produção de alimentos, geração de empregos e proteção à saúde e ao ambiente
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A mitologia que sustenta a decisão da Comissão se escora numa prática simples, que combina a ocultação de informações contrárias, a desqualificação de estudos contrários e justificação enganosa (como a de que não seria possível alimentar o mundo sem os transgênicos, ou de que eles estariam contribuindo para redução no uso de agrotóxicos, proteção ambiental e dos consumidores/trabalhadores), com apoio da grande mídia e formadores de opinião seletivamente recrutados a opinar.
Com agroecologia e reforma agrária, a sociedade pode fazer mais e melhor, em termos de produção de alimentos, geração de empregos e proteção à saúde e ao ambiente. É impressionante o fato de a Comissão de Meio Ambiente não apenas fechar os olhos a isto como ainda propor avanços, na contramão, em rumo oposto.
IHU On-Line – Na sua avaliação, o símbolo de identificação de transgênico deve ou não permanecer nos rótulos de alimentos? Por quê?
Leonardo Melgarejo – Deve permanecer. Pelos motivos já referidos. Trata-se de direito constitucional e de necessidade comum a toda dona de casa que frequenta mercados, onde compra itens para alimentar sua família. O direito de acesso a informações para tomada de decisões responsáveis, no momento da opção pela aquisição de alimentos, não pode ser destruído por vontade de grupo golpista, em fim de mandato e claramente desinteressado em preservar direitos fundamentais da população.
A ocultação desta informação, a retirada do “T”, implicará em retrocesso inaceitável, que servirá aos interesses comerciais em desprezo aos direitos republicanos, e que deve ser denunciada: estamos perto de engolir mais uma afronta ao contrato social que nos mantém como sociedade organizada.
IHU On-Line – O que as pesquisas que têm sido feitas demonstram sobre a segurança dos transgênicos para a saúde?
Estudo recente, avaliando mais de mil artigos, apontava que em 70% dos casos avaliados havia indícios de conflitos de interesse, levando a resultados sistematicamente favoráveis aos desejos corporativos
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Leonardo Melgarejo – As pesquisas patrocinadas pelas empresas e interesses associados têm se relevado comprometidas. A bibliografia internacional mostra isso. Estudo recente, avaliando mais de mil artigos, apontava que em 70% dos casos avaliados havia indícios de conflitos de interesse, levando a resultados sistematicamente favoráveis aos desejos corporativos. Além disso, os dados básicos destas pesquisas, onde os interesses empresariais afetam resultados, costumam ser ocultados, de forma a impedir sua revisão crítica.
De outro lado, em estudos independentes, via de regra negligenciados pelas agências avaliadoras de risco, os resultados são opostos. Na maioria destes casos são apontados indícios de problemas, falhas de metodologia, ocultação ou subvalorização de achados indicativos de problemas, entre outros elementos contrários ao que se divulga nas campanhas de marketing.
Como regra, deve-se afirmar que faltam pesquisas e falta transparência para as pesquisas disponíveis. As agências reguladoras carecem de recursos, de mecanismos e talvez inclusive de interesse em qualificar suas atividades para melhor defender a saúde humana e ambiental. Como agravante, temos o fato de que a sociedade vem sendo enganada por campanhas de marketing e manipulação de informações, o que em conjunto acaba levando à apatia e à formação de uma consciência coletiva ingênua e equivocada, sobre os riscos inerentes ao que ocorre neste campo.
IHU On-Line – Qual é a probabilidade de que a decisão da Comissão seja aprovada definitivamente? Como essa questão possivelmente será vista pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor?
A retirada do “T”, implicará em retrocesso inaceitável, que servirá aos interesses comerciais em desprezo aos direitos republicanos, e que deve ser denunciada
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Leonardo Melgarejo – A tendência de aprovação é enorme. A única possibilidade de reversão neste processo de degradação das normas e contratos sociais reside na reação da população, o que depende de acesso a informações que não circulam na grande mídia. Iniciativas como esta, do IHU, contribuem de forma expressiva, mas são insuficientes para dar conta do problema. Precisamos de uma Voz do Brasil, umacadeia de mídia verdadeira preocupada e comprometida com os interesses nacionais.
IHU On-Line – Como o senhor avalia o Projeto de Lei do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), PLC 34/2015, sobre o uso do símbolo dos transgênicos, que será votado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado possivelmente na próxima semana?
Leonardo Melgarejo – Todos os comentários acima sustentam a necessidade de uma posição de rejeição a esta proposta. Ela implica em ofensa a direitos constitucionais. Ela trará/agravará ameaças à saúde humana e ambiental. Ela simplesmente não atende aos interesses nacionais.
Espero, sinceramente, que deputados como este sejam percebidos e interpretados com clareza, em função das implicações de seus esforços e iniciativas, tanto pela sociedade, no presente, como por seus filhos e netos, no futuro.
(EcoDebate, 25/04/2018) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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