O desesperado pranto de 10 crianças centro-americanas separadas de seus pais num dia da semana passada pelas autoridades de imigração norte-americanas é algo atroz de escutar. Muitas parecem chorar com tanta força que mal conseguem respirar. Gritam repetidamente “mami” e “papi”, como se fossem as únicas palavras que conhecem.
A voz de barítono de um agente da patrulha fronteiriça retumba por cima do choro. “Bom, temos uma orquestra por aqui,” brinca. “Só falta o maestro.” Então, uma angustiada menina salvadorenha de seis anos suplica várias vezes para que alguém ligue para a sua tia. Só um telefonema, roga a qualquer um que a escute. Diz que decorou o número do telefone e, em um dado momento, recita-o de uma só vez a um representante consular. “E minha mami, depois que a minha tia vier me buscar, virá o mais rápido possível para eu ir embora com ela”, choraminga.
A reportagem é de Ginger Thompson, publicada por Propublica e reproduzida porEl País, 19-06-2018.
Uma gravação de áudio obtida pela ProPublica põe som ao sofrimento real de um polêmico debate político do qual até agora foram excluídos aqueles que mais têm interesses em jogo: as crianças imigrantes. Mais de 2.300 delas foram separadas de seus pais desde abril, quando a administração Trump lançou sua política migratória de tolerância zero, que exige que todas as pessoas que tentarem ingressar ilegalmente no país sejam processadas e separadas das crianças que porventura tragam consigo. Mais de 100 dessas crianças são menores de quatro anos. Elas são instaladas inicialmente em depósitos, barracas de camping ou lojas de departamentos transformadas em centros de detenção da patrulha fronteiriça.
Uma gravação de áudio obtida pela ProPublica põe som ao sofrimento real de um polêmico debate político do qual até agora foram excluídos aqueles que mais têm interesses em jogo: as crianças imigrantes. Mais de 2.300 delas foram separadas de seus pais desde abril, quando a administração Trump lançou sua política migratória de tolerância zero, que exige que todas as pessoas que tentarem ingressar ilegalmente no país sejam processadas e separadas das crianças que porventura tragam consigo. Mais de 100 dessas crianças são menores de quatro anos. Elas são instaladas inicialmente em depósitos, barracas de camping ou lojas de departamentos transformadas em centros de detenção da patrulha fronteiriça.
As recriminações a esta política foram rápidas e agudas, inclusive por parte de alguns dos partidários mais confiáveis da administração. Uniu conservadores religiosos e ativistas dos direitos dos imigrantes, para os quais a tolerância zero equivale a “zero humanidade”. Paramentares democratas e republicanos se pronunciaram durante o fim de semana contra os esforços da administração. A ex-primeira-dama Laura Bushdescreveu as práticas do Executivo como “cruéis” e “imorais”, e comparou as imagens das crianças imigrantes detidas em canis às dos campos de internação de japoneses nos EUAdurante a Segunda Guerra Mundial. E a Associação Americana de Pediatras declarou que a prática de separar as crianças de seus pais pode causar-lhes um “dano irreparável”.
Ainda assim, a administração reiterou sua política. O presidente Trump culpa os democratas e diz que seu Governo só está aplicando leis já existentes, embora isso não seja verdade. Não há nenhuma lei que obrigue a separar os filhos de seus pais, ou que exija a abertura de ação penal contra todos os indivíduos que cruzem a fronteira sem documentos. Essas práticas foram estabelecidas pela administração Trump.
O secretário de Justiça dos EUA, Jeff Sessions citou passagens da Bíblia numa tentativa de estabelecer uma justificação religiosa para essa política. Na segunda-feira, defendeu-a novamente dizendo ser uma questão de estado de direito. “Não podemos e não incitaremos a pessoas a trazerem crianças ao dar-lhes imunidade geral frente a nossas leis.” Um porta-voz da patrulha fronteiriça ecoou esse raciocínio em uma declaração por escrito.
Nos últimos dias, as autoridades na fronteira começaram a permitir visitas rigidamente controladas às instalações, com o objetivo de pôr um rosto humano a esta política, mas as câmeras estão fortemente restritas. E as crianças retidas não podem falar com jornalistas.
O áudio obtido pela ProPublica rompe esse silêncio. Foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da patrulha fronteiriça. A pessoa que fez a gravação pediu para não ser identificada, por medo de represálias. Essa pessoa proporcionou o áudio a Jennifer Harbury, uma conhecida advogada de direitos civis que viveu e trabalhou durante quatro décadas no Vale do Rio Grande, ao longo da fronteira do Texas com o México. Harbury, por sua vez, entregou a gravação à ProPublica. Disse que a pessoa que a fez era uma cliente sua que “escutou os lamentos e o choro das crianças e ficou devastada”.
Essa pessoa supõe que os meninos da gravação tenham entre 4 e 10 anos. Parecia que estavam há menos de 24 horas no centro de detenção, por isso a angústia por terem sido separados de seus pais ainda estava à flor de pele. Os funcionários do consulado tentaram tranquilizá-los com sanduíches e brinquedos, mas as crianças estavam inconsoláveis.
A menina que mais se destacou foi a salvadorenha de seis anos que tinha um número de telefone decorado. No final do áudio, um funcionário consular se oferece para ligar para a tia da menina. A ProPublica digitou o número que a menor recitou no áudio e falou com a tia sobre o telefonema.
“Foi o momento mais difícil da minha vida”, disse. “Imagine receber uma ligação da sua sobrinha de seis anos. Está chorando e me implora que vá procurá-la. Ela diz: ‘Prometo que vou me comportar, mas, por favor, me tire daqui. Estou completamente sozinha’”.
Para essa tia, o que tornou o telefonema mais doloroso foi o fato de que não havia nada a ser feito. Ela e sua filha de nove anos procuram asilo nos Estados Unidos depois de emigrarem há dois anos pelos mesmos motivos e pela mesma rota que sua irmã e sua sobrinha viriam a seguir. São procedentes de um pequeno povoado chamado Armenia, uma hora de carro a noroeste de San Salvador, mas ao alcance das paralisantes ondas de criminalidade da capital salvadorenha. A tia disse que as gangues estavam em todas as partes de El Salvador: “Estão nos ônibus. Estão nos bancos. Estão nas escolas. Estão na polícia. Não há nenhum lugar onde a pessoas normais se sintam seguras”.
Disse que sua sobrinha e sua irmã partiram para os Estados Unidos há mais de um mês. Pagaram 7.000 dólares (26.200 reais) a um traficante de pessoas para que as guiassem através da Guatemala e México, e cruzaram a fronteira com os Estados Unidos. Agora, acrescentou, todo o risco e o investimento parecem perdidos.
A tia disse temer que qualquer tentativa de intervir na situação de sua sobrinha ponha em risco o seu próprio o asilo e o da sua filha, sobretudo depois que a administração Trump anulou as proteções de asilo para as vítimas de gangues e de violência doméstica. Ela disse que conseguiu falar com sua irmã, que foi transferida para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no Texas. E se mantém em contato telefônico com sua sobrinha, Alison Jimena Valencia Madrid. Mãe e filha, entretanto, não puderam se comunicar.
A tia disse que Alison havia sido transferida das instalações da patrulha fronteiriça para um abrigo onde tem uma cama de verdade. Mas que as autoridades do refúgio advertiram à menina que sua mãe, Cindy Madrid, de 29 anos, poderia ser deportada sem ela.
“Sei que ela não é cidadã norte-americana”, disse a tia sobre sua sobrinha. “Mas é um ser humano. É uma criança. Como podem tratá-la desta maneira?”
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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