Equidade de gênero com paridade entre homens e mulheres nos espaços de poder, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Nenhum poder na Terra pode parar uma ideia cujo tempo chegou”
Vitor Hugo
[EcoDebate] As mulheres brasileiras conquistaram muitas vitórias nas últimas décadas e já superam os homens em número de habitantes do país, possuem maior esperança de vida e atingiram maiores índices de escolaridade em todos os níveis de ensino. Mas na política continuam sub-representadas e com baixa presença nos espaços de poder.
No ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU), com data de referência de 01/06/2018, o Brasil estava na 152º posição (com 10,7% de mulheres na Câmara Federal), num total de 193 países. Nos dez primeiros lugares estavam Ruanda (61,3%), Cuba (53,2%), Bolívia (53,1%), Granada (46,7%), Namíbia (46,2%), Nicarágua (45,7%), Costa Rica (45,6%), Suécia (43,6%), México (42,6%) e África do Sul (42,4%). Dos dez países com maior presença feminina na política parlamentar (Câmara baixa ou unicameral), cinco são da América Latina e três são da África.
Estes dados só reforçam a excepcionalidade brasileira e até tornam difícil explicar porque o déficit democrático de gênero é tão grande no Brasil, quando comparado com países de menor grau de desenvolvimento e com maiores desigualdades de gênero na sociedade em geral.
Na média mundial, a representação parlamentar feminina estava em 23,8%, em 01/06/2018, muito acima dos 10,7% do Brasil. Mas, mesmo com o avanço que ocorreu no mundo depois da IV Conferência Mundial das Mulheres, em Beijing, os índices atuais ainda estão muito longe da igualdade.
O tema da equidade de gênero voltou com força, em 2015, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, onde as metas para o alcance da igualdade de gênero estão concentradas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 e transversalizadas em outros 12 objetivos globais. Em apoio à Agenda 2030, a ONU Mulheres lançou a iniciativa global “Por um planeta 50-50, em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gênero”, com compromissos concretos assumidos por mais de 90 países. A paridade de gênero na política é um necessidade fundamental no sentido de eliminar as desigualdades de gênero em todos os países.
Mas apesar de todo o apoio institucional a nível internacional e nacional, a realidade brasileira continua destoando da realidade regional e global. Embora o Brasil tenha uma política de cotas implantada desde 1995, a representação feminina continua baixa e não deve mudar muito nas eleições de 07 de outubro, embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha decidido que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997.
Nas eleições presidenciais de 2018, as duas mulheres candidatas (Marina Silva e Vera Lúcia) à presidência estão, em conjunto, com menos de 10% das intenções de voto, segundo os diversos Institutos de Pesquisa. Isto significa que haverá retrocesso no corrente ano, pois nas eleições de 2010 havia 9 candidatos à Presidência (7 homens e 2 mulheres) e o resultado do primeiro turno mostrou que dois terços (67%) dos votos foram para as duas mulheres (Dilma Rousseff e Marina Silva). Em 2014, entre 11 candidaturas, as três mulheres na disputa obtiveram 64,5% dos votos: Dilma Rousseff com 41,6%, Marina Silva com 21,3% e Luciana Genro com 1,6%. As duas últimas eleições presidenciais foram vencidas pelo sexo feminino.
Portanto, é um mito considerar que mulher não vota em mulher. A história brasileira mostra que tanto homens quanto mulheres sufragam o sexo feminino quando há candidatas competitivas no pleito. É um equívoco considerar que haja um imperioso machismo ou sexismo no país inviabilizando o voto nas candidaturas femininas. A sociedade brasileira já deixou para trás os principais traços do patriarcalismo nacional. O empoderamento feminino está presente na saúde e na educação (onde, no geral, as desigualdades de gênero são reversas) e no mercado de trabalho onde, a despeito da permanência de heterogeneidades estruturais, houve uma clara redução das desigualdades entre homens e mulheres nas últimas décadas.
A grande maioria da população brasileira é a favor da igualdade de gênero na política, como mostra a pesquisa Brasil 50-50 Ibope/ONU Mulheres, divulgada no dia 14 de setembro de 2018. Quando perguntado ao eleitorado se “Deveria ser obrigatório que as câmaras de vereadores, assembleias legislativas estaduais e o Congresso Nacional tivessem metade de homens e metade de mulheres”, 57% disseram que “concorda totalmente”, 20% que “concorda em parte”, 3% “não concorda e nem discorda”, 9% “discorda em parte”, 9% “discorda totalmente” e 2% não sabiam ou não responderam.
Portanto, 77% da população brasileira representada na pesquisa concordava (total ou parcialmente) com a representação 50-50 (paridade de gênero) na política. Somente 18% discordavam (total ou parcialmente) da igualdade entre os sexos. Ou seja, o eleitorado brasileiro tem uma visão positiva da participação da mulher na política e deseja um Planeta 50-50 já. Outros dados da pesquisa mostram que a população brasileira possui uma visão progressista da equidade entre homens e mulheres nos espaços de poder.
Mas embora a sociedade brasileira em sua ampla maioria, teoricamente, apoie a paridade de gênero na política, na prática, a exclusão continua. Como mostraram Araújo e Alves (2007), a barreira não está no eleitorado, mas sim nos partidos e no tipo de sistema eleitoral. Tudo indica que as possibilidades de conquista feminina nas eleições gerais de 2018 serão um fiasco (embora haja a chance de eleger uma vice-presidenta pela primeira vez).
Em função de práticas arcaicas da política, o Brasil deve continuar, em 2018, com seu déficit democrático de gênero e continuará fazendo parte do grupo lanterninha da baixa representação política da Inter-Parliamentary Union (IPU). Triste realidade que teima em se afastar da meta de um “Planeta 50-50” até 2030. A não ser que haja uma surpresa ao se abrir as urnas no próximo 07 de outubro.
Referências:
ARAÚJO, Clara, ALVES, J. E. D. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados (Rio de Janeiro). , v.50, p.535 – 578, 2007. http://www.scielo.br/pdf/dados/v50n3/04.pdf
ALVES, JED, PINTO, CRJ, JORDÃO, F. (orgs). Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, SP, 2012, 520 p. http://nupps.usp.br/downloads/livros/mulheresnaseleicoes.pdf
IBOPE. Pesquisa de opinião pública sobre ONU mulheres brasil, AGOSTO DE 2018
https://agenciapatriciagalvao.org.br/destaques/81-de-brasileiros-e-brasileiras-querem-politicas-federais-de-promocao-a-igualdade-revela-pesquisa-ibope-onu-mulheres/
https://agenciapatriciagalvao.org.br/destaques/81-de-brasileiros-e-brasileiras-querem-politicas-federais-de-promocao-a-igualdade-revela-pesquisa-ibope-onu-mulheres/
Planeta 50-50 em 2030 http://www.onumulheres.org.br/planeta5050/
Brasil 50-50 http://www.brasil5050.org.br/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/09/2018
"Equidade de gênero com paridade entre homens e mulheres nos espaços de poder, artigo de José Eustáquio Diniz Alves," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/09/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/09/21/equidade-de-genero-com-paridade-entre-homens-e-mulheres-nos-espacos-de-poder-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.
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