O nascimento da pílula anticoncepcional e a revolução sexual e reprodutiva, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Você pode evitar descendentes.
Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados”
Millôr Fernandes
[EcoDebate] Fazer sexo por prazer foi, ao longo da história, um privilégio dos homens. Já as mulheres sempre sofreram com a possibilidade de uma gravidez não planejada ou indesejada. A situação se agravou quando as taxas de mortalidade caíram, especialmente a mortalidade infantil, fazendo com que as mulheres atingissem o número ideal de filhos mais precocemente. Mas a falta de métodos contraceptivos eficientes condenavam o sexo feminino a correr o risco de engravidar, de forma involuntária, nas relações sexuais dentro ou fora do casamento.
Separar o ato sexual da possibilidade de reprodução se tornou uma necessidade cada vez mais urgente na medida em que a transição demográfica avançava no decorrer do século XX e na medida em que as mulheres ganhavam autonomia para decidir sobre suas vidas. Mas foi apenas no dia 03 de maio de 1960 que a pílula anticoncepcional foi lançada nos Estados Unidos.
A Enovid – a primeira pílula – foi criada com uma concentração muita alta de hormônios. Sua composição constava de 150 mg de estrogênio sintético e 9,85 mg de derivado de progesterona; isto significa dez vez mais hormônios do que tem a pílula atual. Diante das duras críticas que a pílula sofreu, na década de 1970 surge a segunda geração de pílulas, com menos hormônios e sem perda da eficácia. A terceira geração de pílulas chegou ao mercado em 1990. As pílulas modernas têm uma quantidade muito menor de hormônio que as antigas.
Mas a história do surgimento da pílula anticoncepcional não foi um acontecimento fortuito e sim uma longa epopeia envolvendo diversos atores e atrizes. O livro “O nascimento da pílula”, do jornalista Jonathan Eig, conta as aventuras e os riscos de um quarteto altamente ambicioso, iconoclasta e ingênuo que, entre 1950 a 1957, “sonhou, planejou, manipulou, agitou, pesquisou, implorou, blefou, se gabou e gastou seu caminho para o seu objetivo de criar e popularizar um contraceptivo de fácil administração e altamente eficaz para as mulheres”.
O quarteto foi formado por Katharine McCormick (1875-1967), bióloga norte-americana, sufragista, filantropa e, após a morte do marido, herdeira de uma parte substancial da fortuna da família McCormick; Gregory Pincus (1903-1967), biólogo e pesquisador norte-americano; John Rock (1890-1984), obstetra e ginecologista americano e Margaret Sanger (1879-1966), ativista americana da regulação da natalidade, educadora sexual, escritora e enfermeira, estabeleceu organizações que evoluíram para a “Planned Parenthood Federation of America”. Federação de Planned Parenthood of America.
Jonathan Eig conta a história de “O Nascimento da Pílula” e da busca emocionante de quatro personalidades que buscavam fornecer uma vida melhor para toda a humanidade por meio da ciência, permitindo viabilizar o desejo de separar sexo por prazer do sexo para procriação. Isto permitiu libertar as mulheres da tirania da sua biologia, dando a elas o poder de controlar seus próprios corpos e liberar seus sonhos. A pílula tornou homens e mulheres parceiros iguais e indivíduos capazes de exercer a autodeterminação reprodutiva.
A determinação em conseguir um contraceptivo oral só foi possível devido a militância de Margaret Sanger, dos recursos financeiros de Katharine McCormick e dos conhecimentos científicos de Gregory Pincus e John Rock. Em 1951 e 1952, Margaret Sanger conseguiu financiamento para a pesquisa da contracepção hormonal de Gregory Pincus. Em 1952, John Rock foi recrutado para investigar o uso clínico da progesterona para prevenir a ovulação. Em 1955, a equipe anunciou o uso clínico bem-sucedido de progestinas para prevenir a ovulação. Enovid, o nome comercial da primeira pílula, foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA e colocado no mercado em 1957 como regulador menstrual. Em 1960, a Enovid obteve aprovação do FDA para o uso contraceptivo.
A década de 1960 foi a década da revolução sexual, da minissaia, do amor livre e do sonho de uma vida feliz e prazerosa. É claro que tudo isto vai muito além de uma simples pílula. O Marquês de Condorcet, em 1794, já dizia que, adotando os princípios da racionalidade, nenhuma pessoa colocaria filhos no mundo para ser infeliz.
A Enovid mostrou ao mundo que é possível utilizar a ciência para garantir a regulação da fecundidade e que a reprodução não é uma fatalidade, mas sim um fenômeno biológico que pode ser utilizado quando desejado (por homens e mulheres) e em função da felicidade geral das pessoas e, porque não, da nação.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/11/2018
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