terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A MENOR INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO É ESSENCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

A menor influência da religião é essencial para o desenvolvimento econômico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“A religião é o ópio do povo”
Karl Marx

series temporais de secularização versus PIB

[EcoDebate] Os estudos acadêmicos mostram que os países seculares tendem a ser mais ricos e menos desiguais do que os religiosos. Mas o que vem primeiro e qual o sentido da causalidade?
É a secularização que antecede ao enriquecimento e ao bem-estar de um país ou é o desenvolvimento econômico que possibilita o aumento da secularização?
O sociólogo francês, Emile Durkheim (1858-1917), acreditava que o desenvolvimento econômico antecede o processo de secularização. Ele considerava que, no passado, a religião atendia as funções práticas da sociedade, como educação, saúde e bem-estar. Mas quando as sociedades prosperavam passavam a cumprir essas funções sozinhas e a religião se deslocava do ambiente público para o ambiente privado.
Por outro lado, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) argumentava que a mudança religiosa vinha primeiro. Ele mostrou que a Reforma Protestante possibilitou o aumento das taxas de poupança e investimento, viabilizando um grande aumento da produtividade, o que possibilitou a melhoria econômica das nações, por conta da “ética protestante do trabalho”.
Qual dos dois está correto historicamente? A decolagem do desenvolvimento ocorre via religião ou via secularização?
Para responder a essas perguntas, o artigo de Damian Ruck et al. (18 Jul 2018), “Religious change preceded economic change in the 20th century”, reuniu inúmeras evidências da antropologia, ciência política e neurociência (as crenças e opiniões das pessoas se formam e endurecem durante as primeiras décadas de suas vidas). Eles consideram que a crença religiosa de uma pessoa sempre refletirá seus anos de formação. Então, para saber o quão religioso o mundo era na década de 1950, basta olhar como as pessoas religiosas amadureceram durante a década de 1950.
Os autores fizeram isso reunindo quesitos do European Values Survey e do World Values Survey, que perguntaram às pessoas em todo o mundo sobre sua religiosidade desde 1990. Ao reunir dados para pessoas que atingiram a maioridade em diferentes décadas do século XX, eles conseguiram criar uma nova linha temporal de secularização. Depois compararam isso com 100 anos de dados econômicos. A imagem acima mostra que, na Grã-Bretanha, Nigéria, Chile e Filipinas pelo menos, a linha vermelha de secularização lidera a linha azul de desenvolvimento econômico. A análise estatística apresentada no artigo mostra que esse é o caso em todos os 109 países que foram estudados.
Portanto, o artigo mostra que, no século XX, a secularização ocorreu antes do desenvolvimento econômico e não o contrário. Embora isso não prove que a secularização torne o país mais rico, descarta o contrário. A seta do tempo aponta em uma direção, pois o processo de secularização influencia o desempenho econômico. Assim, os autores dizem “A mensagem é cristalina: a secularização ocorre antes do desenvolvimento econômico e não depois dele”
Evidentemente, qualquer sociedade humana possui uma cacofonia de causas, efeitos e fenômenos emergentes dinâmicos. Procurar uma causa única para qualquer coisa nessa arena é um jogo perdido. Mas a explicação da secularização se sustenta no fato de o respeito pelos direitos dos individuais e a tolerância social é o triunfo moral da revolução humanitária e fornece a “vantagem” que as sociedades precisam para alcançar a prosperidade econômica. Um respeito pelos direitos individuais requer tolerância à homossexualidade, ao aborto e ao divórcio, e mostramos que as sociedades seculares só se tornam prósperas depois de terem desenvolvido um maior respeito por esses direitos individuais, sociais e políticos.
Todavia, há também países como os EUA e os países católicos da Europa que se tornaram economicamente prósperos, mas a religião continua importante. Nestes casos as instituições religiosas se tornaram, ao longo do século XX, uma força menos conservadora e abraçaram os valores culturais modernos. Assim, indubitavelmente, elas podem fornecer orientação moral para as sociedades economicamente prósperas do futuro.
Artigo de Charu Bahri (18/08/2018) mostra que se a Índia descartar as crenças religiosas que perpetuam as desigualdades de castas e gênero, ela pode mais do que dobrar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos últimos 60 anos, na metade do tempo.
Parece que todas estas lições não são de conhecimento da assessora do senador Magno Malta (PR-ES) e futura titular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Damares Alves, em fala de maio de 2016, disse: “Chegou a nossa hora. […] É o momento de a Igreja ocupar a nação. É o momento de a Igreja dizer à nação a que viemos. É o momento de a Igreja governar”.
A história mostra que o enfraquecimento do Estado laico só compromete a perspectiva de desenvolvimento socioeconômico e o avanço do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). De fato, não há exemplos de nações que se enriqueceram e avançaram em termos científicos e tecnológicos com base na imposição de dogmas religiosos rígidos, qualquer que seja a religião.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Referências:
Damian Ruck et al. Religious change preceded economic change in the 20th century, Science Advances, Vol. 4, no. 7, 18 Jul 2018
http://advances.sciencemag.org/content/4/7/eaar8680
ALVES, JED, CAVENAGHI, S, BARROS, LFW, CARVALHO, A.A. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
http://www.revistas.usp.br/ts/article/view/112180/130985
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/12/2018

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