O Baby boom no Egito após a Primavera Árabe, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O Baby boom no Egito após a Primavera Árabe
[EcoDebate] O Egito, com uma população de 97,5 milhões de habitantes em 2018, é o terceiro país mais populoso da África (perde somente para a Nigéria e a Etiópia) e o 14º mais populoso do mundo (fica atrás de China, Índia, EUA, Indonésia, Brasil, Paquistão, Bangladesh, Rússia, México, Japão e Filipinas, além dos dois africanos já citados).
O país possui uma área de aproximadamente 1 milhão de km2 e uma densidade demográfica de 100 hab/ km2. Porém, a maior parte do território é constituído de desertos e o povo egípcio é altamente dependente das águas do rio Nilo, águas estas que também são disputadas por outros 10 países, todos com população em crescimento.
O Egito vinha passando pela transição demográfica durante toda a segunda metade do século XX. A taxa de mortalidade na infância que estava em torno de 400 por mil em 1950 caiu para menos de 50 por mil no ano 2000. Com o aumento de filhos sobreviventes, a Taxa de Fecundidade Total (TFT) que estava acima de 6 filhos por mulher, até 1975, caiu rapidamente e ficou em 2,9 filhos por mulher no quinquênio 2005-10. Parecia que o país iria atingir uma TFT abaixo do nível de reposição até a década de 2030. Porém, a fecundidade voltou a subir nos quinquênios seguintes e atingiu 3,4 filhos por mulher em 2010-15, como mostra o gráfico acima, da Divisão de População da ONU.
Este repico da fecundidade aconteceu logo após a Primavera Árabe, quando milhares de egípcios foram as ruas em diversas cidades no país no dia 25 de janeiro de 2011 e iniciaram uma onda de protestos pedindo a saída do ditador Hosni Mubarak. A Praça Tahrir, no Cairo, transformou-se em um dos principais palcos dos protestos e, no dia 11 de fevereiro, Mubarak renunciou à presidência e passou o poder ao Exército.
Em 23 de junho de 2012, Mohamed Morsi, candidato da Irmandade Muçulmana, venceu o primeiro pleito presidencial pós-Mubarak, tornando-se o primeiro presidente civil eleito democraticamente no Egito. Mas estabeleceu políticas autoritárias rumo à Islamização do Egito. Por exemplo, para Morsi e para a Irmandade Muçulmana, os casais deveriam adotar uma família numerosa e ter muitos filhos para a grandeza da Pátria. O governo estabeleceu políticas pronatalistas e atacou os direitos sexuais e reprodutivos, o que explica grande parte do aumento da fecundidade.
Depois de enormes protestos contra Mohamed Morsi, em 2013, os militares retomaram o poder. Em janeiro de 2014, o governo interino proclamou uma nova constituição nacional. Em maio de 2014, vence as eleições o ex-Ministro da Defesa egípcio, Abdel Fattah el-Sisi. No quinquênio 2010-15 a economia egípcia sobre o baque da crise política e os problemas demográficos e ambientais são agravados.
Um dos desafios a serem enfrentados é o rejuvenescimento da população. Como mostram as pirâmides abaixo, o Egito sempre teve uma estrutura etária jovem, mas com a queda da fecundidade a base da pirâmide vinha se estreitando até 2005, porém voltou a se alargar com o repico da fecundidade. Isto aumenta a razão de dependência demográfica e dificulta o aproveitamento do bônus demográfico.
Antes do “baby boom” ocorrido durante a Primavera Árabe, a Divisão de População da ONU projetava uma população de 135 milhões de habitantes para o Egito em 2100 (projeção média da Revisão 2012). Mas com o repico da fecundidade e o rejuvenescimento da população, as projeções mais recentes (divulgadas em 2017) apontam para uma população de cerca de 200 milhões de habitantes no final do século XXI.
O gráfico abaixo, mostra a evolução da população do Brasil e do Egito e as projeções até 2100. Nota-se que o Brasil tinha, em 1950, uma população de cerca de 50 milhões de habitantes, contra 20 milhões do Egito (2,5 vezes maior). Em 2018, o Brasil ainda possui uma população duas vezes maior do que a egípcia. Mas, devido à manutenção de taxas de fecundidade mais elevadas, a população egípcia irá ultrapassar a população brasileira em 2100.
Evidentemente, o aumento da fecundidade e o alargamento da base da pirâmide do Egito vão dificultar a decolagem do desenvolvimento e aumentar os custos com a população dependente, além de aumentar a pressão demográfica sobre o meio ambiente. O Egito precisa respeitar os direitos sexuais e reprodutivos para que a população possa diminuir voluntariamente o número de filhos para completar a transição demográfica e para lutar por um nível de desenvolvimento que atenda os anseios de bem-estar da população, com respeito ao meio ambiente.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/05/2019
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