A crise climática irá aprofundar a pandemia; um plano de estímulo verde pode enfrentar ambos, por Daniel Aldana Cohen e Daniel Kammen
IHU
As mudanças climáticas estão prestes a sobrecarregar a emergência do coronavírus. Em abril, começará a temporada de incêndios na Califórnia. As restrições ao trabalho causadas pela pandemia dificultarão o trabalho dos bombeiros, de realizar incêndios controlados que impedem que as fumaças cheguem às residências. Os pulmões dos californianos poderão precisar enfrentar a Covid-19 e uma fumaça intensa ao mesmo tempo”, escrevem Daniel Aldana Cohen e Daniel Kammen, em artigo publicado por The Guardian e reproduzido por National Catholic Reporter, 24-04-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Daniel Aldana Cohen é professor assistente de sociologia na Universidade da Pensilvânia, onde dirige Grupo Colaborativo Climático Socioespacial (Socio-Spatial Climate Collaborative), e autor de A Planet to Win: Why We Need a Green New Deal. Daniel Kammen, leciona na Universidade da Califórnia, contribuiu para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC e foi enviado para as ciências no Departamento de Estado americano.
Este artigo, originalmente publicado no jornal The Guardian, faz parte da semana de cobertura das soluções climáticas, que visa marcar o 50º aniversário do Dia da Terra. A série Covering Climate Now é uma colaboração mundial entre jornalistas comprometidos com o fortalecimento da cobertura da história climática.
Eis o artigo.
A epidemia de Covid-19 tem devastado o nosso sistema de saúde e destruído a nossa economia. No mês passado, mais de 22 milhões de americanos entraram para a fila do desemprego, aumentando o medo de que seu número chegue a 32%, sem uma ação pública maciça. Estamos diante de um desastre humanitário, que faz lembrar os horrores da Grande Depressão. E pode piorar. Temos enfrentado também uma emergência climática. Um estímulo imediato aqui faz-se necessário – mas não basta. Para enfrentar essas crises de uma só vez, precisamos de um Estímulo Verde que crie empregos e alivie as comunidades de forma que também reduzam a poluição por carbono, aumentem a resiliência e desenvolvam uma economia justa e moderna.
Ninguém pode prever quando a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o presidente Donald Trump voltarão suas atenções à recuperação econômica. Mas nos bastidores, o planejamento já começou. Não se trata de gastarmos muito em estímulos financeiros, mas que tipo de estímulo prover.
Embora os republicanos condenem qualquer coisa que seja “verde”, podemos, sim, vencer esse debate. Muito do que propomos já conta com um apoio bipartidário: desde pesquisas de opinião à legislação pendente.
As mudanças climáticas estão prestes a sobrecarregar a emergência do coronavírus. Em abril, começará a temporada de incêndios na Califórnia. As restrições ao trabalho causadas pela pandemia dificultarão o trabalho dos bombeiros, de realizar incêndios controlados que impedem que as fumaças cheguem às residências. Os pulmões dos californianos poderão precisar enfrentar a Covid-19 e uma fumaça intensa ao mesmo tempo.
Um terço do país também enfrenta sérios riscos de inundação na primavera. E no verão e outono, os meteorologistas preveem uma “probabilidade acima da média de grandes furacões atingindo o continente americano”. Já vimos alhures essa convergência catastrófica: no Equador, uma resposta silenciosa do governo às inundações nas comunidades indígenas, por medo de espalhar o vírus; em Fiji, devastado esta semana pelo ciclone Harold, 19 casos confirmados de coronavírus estão lançando dúvidas sobre como mitigar os estragos.
Aqui também, precisamos encontrar formas de realizar o trabalho de estímulo necessário sem aprofundar a pandemia. Em meio a todo esse sofrimento, a defesa de medidas ousadas para enfrentar as misérias da desigualdade, a Covid-19 e o clima, tudo ao mesmo tempo, ficará mais clara.
Além disso, um estímulo verde é a única opção para uma transição suave à economia verde do século XXI. A era da energia suja está terminando. Até mesmo o analista conservador da CBNC, Jim Cramer, tem alertado os investidores de que os estoques de petróleo não são mais investimentos seguros, já que a sociedade repudia cada vez mais os combustíveis fósseis. Investidores gigantes como a Blackrock estão, aos poucos, diminuindo seus investimentos em carbono. E, no nível europeu e em países como Alemanha e Coreia do Sul, uma recuperação ecológica tem se tornado a opção de consenso, com investimentos em eficiência e energia limpa sendo vistos como fatores óbvios da reconstrução econômica.
Aqui nos EUA, o estímulo verde é facilmente a melhor maneira de criar bons empregos por meio de investimento público. De acordo com um estudo do Banco Mundial feito em 2011, 1 milhão de dólares investido em petróleo e gás nos Estados Unidos cria apenas cinco empregos, em comparação com 17 empregos por milhão de dólares investidos em reformas de edifícios para a economia de energia, 22 empregos em transporte coletivo, 13 em energia eólica, e 14 para energia solar. A pesquisa de Kammen e a de outros institutos concordam que o investimento em uma economia verde moderna é um gerador de empregos mais eficiente do que o setor fóssil.
A longo prazo, estes investimentos ecológicos representam uma carreira gratificante. Devemos também investir na educação STEM [formação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática] para todas as crianças e criar programas de aprendizagem em comunidades vulneráveis, combinadas com novas carreiras para a entrada de trabalhadores. Investindo diretamente nas comunidades da linha de frente, seguindo as melhores práticas da Califórnia, podemos levar tecnologias como a de armazenamento solar e a bateria a bairros que foram escandalosamente deixados de fora do boom da energia limpa até agora. E mais: essas mesmas soluções locais e ágeis tornam os bairros mais resistentes a condições climáticas extremas. O armazenamento local e as microrredes aninhadas tornam o sistema energético, incluindo instalações de saúde, mais confiáveis durante os desastres. Ao mesmo tempo, estaríamos fazendo melhorias ambientais, econômicas e sociais nos mesmos lugares.
Devemos ainda falar de investimentos verdes em termos concretos. As pesquisas realizadas pelo grupo Data for Progress, em março, encontram um apoio majoritário para gastos verdes. O mais interessante é a descoberta de um apoio ainda maior – incluindo a aprovação republicana por maioria – para investimentos verdes públicos específicos, como ônibus elétricos, reformas para moradias de baixa renda e energia renovável. Deixando de lado a retórica abstrata, veremos que estas ações são incrivelmente populares.
Por estas razões, recentemente juntamos nove especialistas em políticas sociais e climáticas para escrever uma carta ao Congresso americano descrevendo um menu de opções de políticas para um estímulo verde. Nossas propostas abrangem oito setores da economia. Mas, fundamentalmente, um estímulo verde consiste em mobilizar fundos públicos maciços – digamos, 2 trilhões de dólares para começar – em investimentos verdes específicos, para criar empregos de alta qualidade e melhorar a qualidade de vida, especialmente em comunidades de baixa renda, comunidades de cor e comunidades indígenas que sofreram, nas últimas décadas, mais com o desinvestimento e a poluição.
Parece contraintuitivo, mas o momento para um estímulo verde é perfeito. Empréstimos-ponte e adiantamentos em compras públicas verdes de bens como painéis solares e veículos elétricos para uso público estabilizariam as finanças de empresas e trabalhadores. Anunciar iniciativas como um Corpo de Conservação do Clima daria aos jovens ansiosos por trabalho empregos aos quais se candidatar, e um plano para começar. Trabalhadores da área burocrática poderiam acessar o Zoom e trabalhar com a papelada procurando deixar os projetos ecológicos prontos para o momento em que for seguro abrir caminho. (Na realidade, uma das principais razões pelas quais o estímulo do governo Obama não vingou em 2009 foi devido aos meses desperdiçados nesta papelada.)
Cada um de nós passou por desastres causados pelo clima – no caso de Cohen, o furacão Sandy, e no de Kammen, os incêndios devastadores do ano passado. Concordamos com os defensores da justiça ambiental que argumentam que a recuperação de desastres não deveria ser uma tentativa de recuperar a situação anterior ao desastre. Não queremos voltar à economia de janeiro de 2020, quando metade do país vivia de salário em salário, quando a poluição de carbono colocou em risco o nosso futuro e quando as desigualdades raciais tornaram as pessoas de cor tão vulneráveis às doenças. Em vez disso, implantando um estímulo verde que concentra trabalhadores e comunidades, podemos avançar juntos.
(EcoDebate, 29/04/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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