Alfabetização e letramento em tempo de pandemia, artigo de Ítalo Curcio
[EcoDebate] A pandemia da covid-19 é indubitavelmente a maior crise vivenciada pela humanidade, até aqui, no século XXI.
Certamente, nosso desejo é o de que não tenhamos de passar novamente por algo semelhante, ou pior, mas, como não temos poder para controlar essas intempéries, nos resignamos quando acontecem e tentamos superá-las, de acordo com nossas condições socioeconômicas, baseados em estudos, experiências e registros encontrados acerca de situações similares, ocorridas no passado.
A covid-19 pode ser considerada original, mas uma pandemia, não. A humanidade já foi assolada por diversas outras, ao longo de sua história, por isso, podemos e devemos buscar nos registros existentes informações que podem nos servir de ensinamento, não obstante algumas peculiaridades, que são específicas da atual e que merecem estudo adequado.
Muitas são e serão as dificuldades que devemos enfrentar e superar, mas, neste momento, nos deteremos a um tema muitíssimo importante, que nos preocupa sobremaneira, pois está diretamente ligado ao futuro da presente geração: A Alfabetização e o Letramento.
Todo especialista em educação conhece a diferença entre estes dois conceitos, embora entendidos, erroneamente, como sinônimos, por certas pessoas.
Segundo os vários teóricos, existe uma faixa etária adequada e mais propícia para se alfabetizar e letrar um sujeito, infelizmente, nem sempre observada, por diferentes motivos e razões. Desde problemas de saúde, econômicos e até sociais, não são poucas as situações vivenciadas por algumas pessoas, que impedem sua alfabetização e letramento na idade recomendada. Haja vista a grande quantidade de analfabetos ainda existente no mundo, e particularmente também no Brasil.
Todavia, nossa reflexão aqui é sobre a interrupção, total ou parcial, da alfabetização e letramento de milhões de crianças, neste último ano, por conta da pandemia da covid-19.
Alfabetização e letramento que teriam ocorrido normalmente, segundo o planejado, não fossem as dificuldades que a crise impôs.
Neste caso, independentemente da nacionalidade ou classe social, houve uma parada brusca e, por consequência, a necessidade de decisões. O que fazer com as crianças prontas para serem alfabetizadas e letradas, sem a presença da professora ou do professor, como havia sido planejado? Pois é! Esta foi certamente a pergunta que pais e professores fizeram entre si, mesmo que por pensamento, ou talvez até remotamente, para quem teve a possibilidade do uso de tecnologias de informação e comunicação.
Diante deste dilema, puderam-se destacar pelo menos duas situações, que atingiram distintamente grandes grupos de pessoas, com características comuns entre elas: a situação enfrentada pelo grupo dos que puderam manter, da melhor forma possível, um ensino remoto, pela Internet, ou outro meio, com a assistência dos pais, de outro familiar ou até de um professor particular; e a parcela dos que não tiveram condições para dar continuidade à alfabetização e letramento, nem de forma precária.
Alguém poderia acrescentar a existência de mais um grupo, intermediário entre os dois citados, mas que na presente reflexão não valeria a pena mencionar, pois a inconstância nas ações praticadas neste terceiro grupo acabam por não permitir propriamente uma decisão específica. Neste caso, recomenda-se considerar este suposto terceiro grupo associado ao segundo mencionado anteriormente, aquele da situação mais precária.
Assim, o problema está posto, ou seja, o da necessidade de alfabetizar e letrar as crianças na faixa etária adequada, a despeito da pandemia.
Para se pensar numa solução deste problema, não se pode esquecer que uma pandemia tem muita semelhança com uma guerra, na qual existe um inimigo conhecido, a ser vencido. Porém, enquanto a guerra ocorre, a vida continua, com suas especificidades.
Durante esta guerra, a vida não para, as necessidades rotineiras continuam a existir, como cuidado com a saúde em geral, alimentação e educação, dentre outras, lembrando-se sempre de que, como em qualquer situação, com ou sem pandemias, existem necessidades indispensáveis e outras que “podem esperar”.
Nesse contexto, entendo que alimentação e saúde são imprescindíveis, por serem básicas para a vida. Sem seu suprimento, chega-se ao óbito e, depois dele, não há nada mais a fazer.
A Educação, embora também de grande necessidade, mesmo sem diminuir sua importância, pode ser adequada segundo as condições existentes, sobretudo em tempos de crise. Se em algum momento é desenvolvida parcialmente, em outros pode ser incrementada, de sorte que, no final de um tempo, o êxito desejado será logrado.
No tocante ao tema aqui destacado, alfabetização e letramento, reconheço a existência de diversos modelos utilizados em seus processos. Destes métodos, defendo alguns, sem desmerecer outros, pois existem realidades que favorecem uns, e realidades que favorecem outros. Porém, independentemente do método escolhido, para se alfabetizar e se letrar, como disse, o importante é lograr o êxito desejado.
Por isso, neste momento, julgo ser uma preocupação secundária pensar num método específico para a alfabetização e letramento, pois acredito que, em tempo de crise, o objetivo é fazer com que a criança saiba escrever, ler e entender o que escreveu e leu.
Comento inclusive a esse respeito, pois, diante de problemas bem mais relevantes, ouvi pais e professores discutirem acerca do método a ser utilizado na alfabetização de suas crianças. Entendo que antes dessa escolha, devemos pensar em como atender aos nossos alunos, para depois, sim, pensar num método e como aplicá-lo. Sem condições de atendimento, a aplicação de qualquer método não terá efeito.
Para tanto, me dirijo antes ao primeiro grupo citado anteriormente, aquele das famílias que podem, mesmo que precariamente, seguir um ensino remoto, com acompanhamento de um familiar ou de um professor particular. Neste caso, minha recomendação é seguir adiante neste ritmo, tentando sempre melhorar os resultados, mas não se desesperando, a ponto de pensar que os filhos terão um prejuízo irreparável. Isto não ocorrerá. Eu defendo a ideia de que existe e existirá uma perda momentânea, mas que será satisfatoriamente superada, após atravessarmos a crise. Por isso, apelo aos pais, para diminuírem a ansiedade e o estresse, façam o melhor que puderem, mesmo entendendo que é incompleto. A superação ocorrerá.
Quanto ao segundo grupo, para mim o mais preocupante, penso que este sim necessita de uma medida emergencial, que pode ser obtida especialmente com a colaboração de organizações governamentais e do terceiro setor. Dentro dos limites de segurança, uma vez identificadas estas famílias, comunidade, escola, igrejas e instituições do terceiro setor, podem e devem se mobilizar, para fomentarem planos de ações, cujos resultados se aproximem daqueles logrados pelo primeiro grupo. Pais que puderem, ajudem; demais membros da comunidade, que puderem, ajudem; líderes religiosos e de instituições do terceiro setor, ajudem; mas, sobretudo os estados e municípios, por meio de seus gestores da educação, estes, sim, não podem deixar de pensar num plano específico para este segundo grupo. Alfabetizar e letrar são ações imprescindíveis, mesmo que de forma parcial, por isso, tudo o que for possível fazer, deve ser feito.
Reitero o apelo do não desespero, mas, nem por isso, podemos negligenciar o caso. Temos de agir, com planejamento e temperança, e com a convicção de que o êxito ocorrerá.
A luta pela sobrevivência, primeiramente, com a providência da alimentação e cuidado com outras doenças, e a Educação, logo em seguida, devem ser as principais preocupações neste tempo de pandemia. O resto pode esperar. Não se tem economia sólida sem gente nutrida, saudável e educada.
Com a pandemia aprendemos muitas coisas, dentre as quais a resiliência, afeto e alteridade, e, sobretudo, altruísmo. Nessas horas, o que não se deve ser é egoísta.
Sigamos em frente.
Ítalo Curcio é doutor e pós-doutor em Educação. Coordenador do curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/02/2021
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