domingo, 21 de março de 2021

PROTEGER A BIODIVERSIDADE É A MELHOR PROTEÇÃO CONTRA AS PANDEMIAS.


pecuária na Amazônia

Proteger a biodiversidade é a melhor proteção contra as pandemias

Para evitar o aumento das zoonoses, doenças que são transmitidas de animais para humanos como a Covid-19, devemos lutar contra a erosão da biodiversidade, as mudanças climáticas e a pobreza.

A reportagem é de Naïri Nahapétian, publicada por Alternatives Économiques, 10-03-2021. A tradução é de André Langer.

IHU

“Até a década de 1970, uma nova doença infecciosa surgia a cada quinze anos”, lembra a Organização Mundial da Saúde (OMS). “Hoje são cinco por ano”.

“Estamos entrando em uma era de confinamento crônico, onde sempre teremos uma máscara sobressalente em nossa bolsa?”, pergunta a jornalista investigativa e cineasta Marie-Monique Robin. Uma perspectiva angustiante que ela explora em seu último livro La fabrique des pandémies, La Découverte, 2021 (A fábrica das pandemias), que prenuncia um documentário em preparação com a atriz Juliette Binoche, para o qual lançou uma campanha de crowdfunding.

Como evitar a ocorrência de novas pandemias devastadoras? Preveni-las significa antes de mais nada perceber o risco, que é real. Entre as doenças infecciosas emergentes, 75% são, como a Covid-19, zoonoses, ou seja, doenças transmissíveis de animais para humanos, como a Aids, Nipah, Hendra, influenza H5N1, influenza H1N1, Sars, Mers, Ebola, febre do Vale do Rift, chikungunya, dengue, Zika…

A culpa é do crescimento populacional

Um dos principais fatores que contribuíram para o seu aumento desde o início dos anos 2000 é a modificação dos ecossistemas. Rodolphe Gozlan, diretor de pesquisas do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), explica isso pelo “forte crescimento da população mundial”. “Por causa da expansão das cidades, mas também para aumentar nossos recursos agroalimentares, estamos invadindo cada vez mais os territórios naturais e, em particular, as florestas e as florestas tropicais”, ressalta.

No entanto, lembra o cientista, os ecossistemas tropicais são “ricos em diversidade e apresentam equilíbrios frágeis entre diferentes animais e habitats”. Os vírus e outros patógenos estão presentes “furtivamente” por um efeito de “diluição”. “Quando um macaco ou um morcego carrega um vírus, ele não se transmite rapidamente em um contexto de alta diversidade genética, pois nem todas as espécies são bons reservatórios de patógenos”, observa. Mas se a diversidade de animais for reduzida, então podem surgir hospedeiros particularmente transmissores.

Ele cita o exemplo da esquistossomose, cujas larvas são transmitidas aos humanos por caramujos de água doce: “sua presença é reduzida onde a diversidade de caramujos é alta”. Pelo contrário, o desaparecimento de predadores (lobos, linces, coiotes, raposas e aves de rapina) leva à proliferação de camundongos de patas brancas que são portadores de carrapatos e, portanto, transmitem a Doença de Lyme.

Além disso, o desmatamento nos trópicos também cria rotas para a propagação de vírus que antes estavam em áreas de difícil acesso.

A criação intensiva e industrial aumenta os riscos

Ecologista da saúde no Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agropecuária para o Desenvolvimento (CIRAD), Serge Morand considera que o aumento do número de animais de criação também é um fator chave para o surgimento de zoonoses. Assim, lembra ele, passamos de 5 bilhões de frangos criados em 1960 para 25 bilhões hoje, sem contar as galinhas poedeiras.

Como aponta Rodolphe Gozlan, a criação intensiva em zonas tropicais contribui duplamente para o desmatamento, pois requer terras tanto para abrigar os animais quanto para cultivar os alimentos para alimentá-los, como a soja para o gado.

Além disso, ao selecionar linhagens com alto crescimento, há uma tendência de reduzir a diversidade genética para garantir a produção máxima. Se esses animais de fazenda entrarem em contato com hospedeiros selvagens portadores de vírus aos quais são suscetíveis, eles podem se tornar “bioincubadoras importantes”. Principalmente porque estão constantemente estressados pelas condições de vida, portanto imunodeficientes, e confinados muito próximos uns dos outros.

A pecuária industrial também está envolvida no surgimento de pandemias devido à especialização dos setores. “Nenhuma fazenda produz um animal de A a Z. Existem vários locais de produção com uma transição de animais”, observa a jornalista Lucile Leclair, autora de Pandémies, une production industrielle, Seuil, 2020 (Pandemias, uma produção industrial). Para o foie gras, um pato nasce em uma fazenda, é criado em outra e é alimentado à força em outro lugar, antes de ser abatido em outro local. “Isso promove a disseminação de vírus”, observa.

Biossegurança de dois gumes

“A concentração de animais na criação intensiva promove a troca de patógenos”, reconhece Jean-Luc Angot, presidente da Academia Veterinária da França. No entanto, acredita que estes sistemas fechados, construídos ou cercados, “facilitam a aplicação da ‘biossegurança’, que consiste em controlar as entradas e as saídas, a hidrometria e a ventilação, assim evitam qualquer contato com a fauna selvagem”.

Ele cita o exemplo da peste suína africana que recentemente assolou a Bélgica, transportada por javalis. “Graças a uma cerca construída em ambos os lados da fronteira, ela não se propagou para a França”, observa.

A biossegurança é, no entanto, “uma ilusão”, avalia Serge Morand, da Cirad. Segundo ele, promove a industrialização e a concentração dos animais, aumentando sua densidade. Ela leva, acrescenta, ao desaparecimento das raças locais.

É, acrescenta Lucile Leclair, “um remédio e um veneno”, já que ela incentiva a padronização da produção de animais. Obrigatória para as granjas de aves e suínos, em breve será estendida a todos os animais de criação, mesmo que a Confederação de Agricultores tenha conseguido em 2018 que uma versão “light” de biossegurança se aplique a granjas com menos de 3.200 aves.

A mudança climática nos enfraquece

Seria a ecologia o melhor remédio contra o surgimento de pandemias? A análise do efeito das mudanças climáticas também mostra isso. Por exemplo, o fato de que em algumas regiões as temperaturas mínimas noturnas estão subindo permite que os vírus se desloquem para novas zonas, diz Rodolphe Gozlan do IRD.

O aquecimento também pode ter efeitos indiretos através de inundações que deslocam roedores e vetores de agentes infecciosos. Por fim, acrescenta Serge Morand, isso cria novos nichos ambientais favoráveis aos mosquitos. O mosquito tigre, que gosta de altas temperaturas, instalou-se no norte do Mediterrâneo. Na África, a malária está ganhando novos terrenos.

Neste contexto, é ainda mais essencial prevenir a ocorrência de futuras pandemias, pois a vacinação tem os seus limites. As vacinas sob certas condições podem criar resistência “ao selecionar certas variantes”, observa Rodolphe Gozlan. “Devemos evitar essas corridas intermináveis de vacinas imperfeitas”, acrescenta Serge Morand.

“As vacinas são obviamente necessárias, comenta Marie-Monique Robin, mas não poderíamos imaginar que parte do dinheiro que damos às empresas farmacêuticas fosse destinado à luta contra o desmatamento e à luta contra a pobreza, que cria uma forte pressão demográfica?”.

Para Rodolphe Gozlan, é fundamental ajudar os países do Sul a se desenvolverem, o que terá reflexos demográficos. Marie-Monique Robin não vê outra saída: “Temos que rever nossa relação com a natureza e o modelo econômico dominante”.

(EcoDebate, 08/03/2021) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

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