Qual o tamanho da população brasileira atual? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Vivemos no tempo da sociedade da informação e conhecer os dados estatísticos do país é essencial para orientar as ações governamentais e para o cálculo dos investimento da iniciativa privada.
Para saber o tamanho de uma população é preciso contar, atualizar a contagem ou ter bons registros administrativos atualizados de nascimentos, mortes e migração. O último censo demográfico brasileiro foi realizado em 2010. O censo, por princípio, deve contar toda a população de um país. Contudo sempre há alguma subenumeração pois nem todos os moradores são encontrados em seus respectivos domicílios. Assim, depois de um processo de imputação de dados para compensar a falta de informação de domicílios ocupados, mas fechados, o censo 2010 contabilizou 190.732.694 habitantes no país.
Mas para atualizar os dados durante a década posterior ao censo demográfico recorre-se às projeções populacionais. As últimas projeções realizadas pelo IBGE ocorreram em 2018 e a metodologia utilizada implica em tomar como base a população recenseada em 2010 (e conciliada com o censo de 2000) aplicando-se a probabilidade de sobrevivência projetada para o período intercensitário e estimando a população de 0 a 10 anos a partir das taxas projetadas de fecundidade para o período. Desta forma, ainda que o censo coletasse de fato 100% da população, os dados das projeções podem não coincidir com os dados divulgados pelo censo.
A tabela abaixo mostra as estimativas da população brasileira de 2010 a 2022, com base nas projeções populacionais do IBGE, revisão 2018. Nota-se que a população projetada para 2010 foi de 194,9 (cerca de 4 milhões a mais do que apontou o censo) e para 2020, um total de 211,8 milhões de habitantes e, para 2022, um total de 214,8 milhões de habitantes.
Evidentemente, as projeções do IBGE foram feitas com base na realidade conhecida em 2018 e foi prejudicada pela não realização da contagem populacional de 2015 (que foi cancelada por falta de recursos). Contudo, vários cenários já começaram a mudar em 2019 e a pandemia da covid-19 modificou substancialmente a dinâmica demográfica em 2020 e 2021, aumentando o número de óbitos e diminuindo o número de nascimentos. Em consequência, os números reais da população brasileira tendem a ser menores do que os números estimados na última projeção do IBGE.
O ideal teria sido a realização do censo demográfico em 2020 e ter havido uma revisão 2021 das projeções do IBGE, com base na nova realidade indicada pelo recenseamento geral do país. Na impossibilidade de fazer o censo em 2020, o esforço deveria ter sido concentrado na realização do censo em 2021. Porém, por equívocos do governo, do Congresso e de outras instâncias institucionais (além da incompreensão técnica de setores da oposição), o censo foi adiado para 2022, prejudicando irremediavelmente a missão do IBGE de “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania”.
Para se ter uma ideia do hiato entre as projeções do IBGE e os dados do Painel de Monitoramento de Nascidos Vivos e de mortalidade da Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, o gráfico abaixo mostra que o crescimento anual da população brasileira é sempre maior nas projeções do IBGE do que o apontado pela Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS). Por exemplo, as projeções do IBGE indicavam 2,96 milhões de nascimentos e 1,39 milhão de óbitos para o Brasil em 2020, com aumento populacional de 1,57 milhão de pessoas (o saldo da migração internacional é próximo de zero) . Mas os dados do Painel de Monitoramento de Nascidos Vivos e de mortalidade da SVS apontaram 2,69 milhões de nascimentos e 1,53 milhão de óbitos, com aumento populacional de 1,16 milhão de pessoas. Portanto, 418 mil habitantes a menos em 2020.
A diferença entre a projeção do IBGE e os dados dos registros administrativos do Ministério da Saúde serão maiores ainda em 2021. Apenas para fazer um exercício ilustrativo, estimamos os números de nascimentos e óbitos e nascimentos em 2021 e 2022, conforme indicado no gráfico acima. A diferença entre as projeções do IBGE e os nossos cálculos com base nos dados da SVS (e estimativas até ano que vem) aponta para uma população com cerca de 2 milhões de pessoas a menos entre os anos de 2019 e 2022. Ou seja, ao invés de 214,8 milhões de habitantes em 2022, o mais provável é que a população brasileira não ultrapasse 213 milhões, quando se considera os efeitos da pandemia.
Um outro exercício que pode ser feito é considerar o número de nascimentos e óbitos ocorridos entre 2011 e 2020 da Secretaria de Vigilância da Saúde (SVS) do Ministério da Saúde e as estimativas até 2022. Por estes cálculos foram 34,1 milhões de nascimentos e 16,4 milhões de óbitos entre 2011 e 2022, com crescimento vegetativo de 17,7 milhões de pessoas. Somando este aumento à população registrada no censo 2010 (que foi de 190,7 milhões de habitantes), teríamos uma população de 208,4 milhões de habitantes em 2022. Este exercício é simplificado, mas fornece um outro parâmetro para avaliar o tamanho da população.
O fato é que, em 2022, a população brasileira pode ter um volume populacional dentro de um leque de possibilidades que varia de pelo menos 208,4 milhões a 2014,8 milhões de habitantes. Esta incerteza quanto ao tamanho correto da população brasileira é consequência das grandes mudanças ocorridas nos últimos anos (uma grande recessão econômica entre 2014 e 2016 e a maior pandemia em um século a partir de 2020) e da inexistência da contagem 2015 e do censo 2020.
Conhecer o tamanho efetivo da população é fundamental para a definição do tamanho dos municípios e para a repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é determinado principalmente pela proporção do número de habitantes estimado anualmente pelo IBGE. Mas como as projeções do IBGE estão desatualizadas (pois foram feitas sem a Contagem Populacional e antes da pandemia) as estimativas populacionais dos municípios também estão defasadas.
O IBGE divulga as estimativas de população estaduais e municipais desde 1975. A partir de 1992, passou a publicá-las no Diário Oficial da União, em cumprimento ao Art. 102 da Lei n. 8.443, de 16/07/1992. Mas já se sabe que os números estão, provavelmente, superestimados. Só o novo censo demográfico poderá se aproximar do verdadeiro valor. O “ruído” que pode acontecer é que, se os dados municipais recenseados forem menores do que os dados das estimativas de 2021, muitos prefeitos vão reclamar do descompasso dos dados, especialmente aqueles que tiverem populações menores do que as estimadas.
Se as projeções da população estiverem sobrestimadas isto também tem impacto no denominador utilizado nos indicadores sociais. Por exemplo, sabendo a quantidade de pessoas vacinadas no país, a taxa de vacinação depende do tamanho da população. Assim, a taxa seria maior se a população fosse de 208,4 milhões e seria menor se a população fosse de 214,4 milhões. Mas as diferenças regionais e municipais seriam ainda maiores pois a variabilidade das estimativas é tanto maior quanto menor é o tamanho da unidade em análise. O mesmo raciocínio vale para a análise da taxa de escolaridade, de desemprego, etc.
Conhecer o número de habitantes e a estrutura etária da população é essencial para se calcular o potencial produtivo do país e para estabelecer políticas públicas para avançar com a educação, a saúde e para aproveitar o bônus demográfico (ver Alves, 23/06/2021).
A desatualização das taxas de nascimentos e de mortes das projeções populacionais já estão deixando as políticas públicas obnubiladas. A falta do censo demográfico está deixando o IBGE em uma enrascada.
Vivemos no tempo da sociedade da informação e conhecer os dados estatísticos do país é essencial para orientar as ações governamentais e para o cálculo dos investimento da iniciativa privada.
O IBGE não está na “idade da pedra lascada”, mas, sem dúvida, está tendo dificuldade para manter a acurácia das suas pesquisas em decorrência do adiamento do censo demográfico, pois não sabemos com precisão o tamanho real da população brasileira, muito menos e sua distribuição etária e espacial. Consequentemente, o Brasil fica impossibilitado de conhecer plenamente a sua realidade e garantir as informações necessárias para o desenvolvimento humano e ambiental e o exercício pleno da cidadania.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
IBGE: Projeção da População (revisão 2018), Rio de Janeiro, 25/07/2018
https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?=&t=o-que-e
ALVES, JED. Três séculos de população no Brasil e os três bônus demográficos, Webinário IPEA, 23/06/2021
https://www.youtube.com/watch?v=Bzog2U-zBo0&t=961s
Power Point https://drive.google.com/file/d/1JQW9TcZi3DFFfvEuIM1C78jQIxHLInVn/view
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/08/2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário. Aguarde a publicação após a aprovação da Professora Conceição.