Guerra na Ucrânia e a ameaça das usinas nucleares, artigo de Heitor Scalambrini Costa
País do leste europeu, a Ucrânia em seu território de pouco mais de 600.000 km2 e 44 milhões de habitantes, possui quatro complexos nucleares: Zaporizhzhia, Rivne, Khmelnytsky e South-Ukraine, totalizando 15 reatores. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a Ucrânia é o sétimo maior produtor mundial de energia elétrica de origem nuclear, gerando mais de 50% da energia consumida em seu território.
É na cidade de Enerhodar, a 440 km da capital Kiev, e cerca de 200 km da Crimeia (região anexada pelos russos em 2014); na beira de uma represa do rio Dnieper que está localizado Zaporizhzhia, o maior complexo da Europa, com 6 reatores construídos entre 1984 e 1995. Cada reator tem uma potência instalada de 950 MegaWatts. No total são 5,7 GigaWatts (em termos comparativos a usina hidrelétrica de Itaipu tem 14 GigaWatts).
No dia 4 de março último, segundo fontes ucranianas, um prédio administrativo desta central, usado para treinamento de pessoal, foi atingido por um ataque das tropas russas provocando um grande incêndio, que logo foi debelado. Fontes russas afirmam o contrário, que sabotadores ucranianos é que provocaram o incêndio. Por pouco, muito pouco, não tivemos uma catástrofe (mais uma) provocada pela liberação de material radioativo para a atmosfera. De acordo com um relatório do Greenpeace, até 2017 havia no local 2.204 toneladas de elementos radioativos armazenados, 855 toneladas em piscinas e 1.349 toneladas a seco.
A tecnologia utilizada pelos reatores de Zaporizhzhia é a mesma utilizada nos reatores de Angra 1 e Angra 2. Os chamados reatores de água pressurizada, também referido pela sigla em inglês, PWR, que operam com combustível à base de isótopo de urânio, o U235 enriquecido, e refrigerados com água. É o tipo de tecnologia que constitui a grande maioria dos reatores nucleares do ocidente.
Já nos dias (24 de fevereiro) que antecederam o ataque a central de Zaporizhzhia, houve o anúncio do aumento do nível de radioatividade na zona de exclusão (região proibida) de Chernobyl, perto da cidade de Pripyat, no norte da Ucrânia, próximo da fronteira com a Bielorrússia. Em 1986, uma das maiores tragédias da história nuclear ocorreu neste local, quando um dos reatores deste complexo (tecnologia diferente dos PWR), liberou grande quantidade de material radioativo. Todavia, a alteração dos níveis de radioatividade detectada na região, foi explicada pela movimentação das tropas russas neste local, pelo revolvimento do terreno, e dispersão da poeira radioativa.
Com relação ao ataque de Zaporizhzhia, houve uma especial atenção de todo o planeta, inclusive da mídia brasileira, devido ao alto grau de periculosidade, e pelas consequências nefastas à vida, que representa material radioativo produzido por centrais nucleares liberado para o meio ambiente.
Entrevistados sobre este episódio, especialistas brasileiros da área nuclear tiveram a grande preocupação de minimizar os riscos de vazamento do material radioativo, o que seria a mais grave ocorrência na escala internacional de acidentes nucleares.
Para uns, os mais inflamados defensores desta tecnologia de produzir energia elétrica em nosso país, os prédios de contenção (onde está localizado o reator) são suficientemente reforçados para impedir que um ataque pudesse provocar algum tipo de ruptura, rachadura no prédio, e assim liberar material radioativo. Verdadeiro disparate, leviandade e mesmo irresponsabilidade. Não levam em conta a atual tecnologia avançada dos mísseis.
Os nucleopatas, felizmente, são minorias radicais, viciados em mentir na defesa de uma tecnologia insustentável sobre todos os aspectos. Mas, infelizmente, estão hoje alojados nos órgãos decisórios do atual desgoverno federal, que decidem a política energética. Também, não se pode esquecer dos interesses em prol desta tecnologia da morte, exercida pelos “teleguiados”, lobistas, representantes das grandes empresas (players) que vendem os equipamentos, das grandes construtoras, dos militares ávidos pela construção da bomba atômica tupiniquim, por políticos oportunistas, e por setores da academia, que vivem à margem da realidade brasileira, e que defendem somente seus interesses individuais.
A situação na Ucrânia não tem precedentes. É a primeira vez (sem certeza de que será a última) que um conflito militar está acontecendo junto às instalações nucleares, que neste caso inclui também o país, onde já ocorreu um dos mais trágicos acidentes, na central nuclear de Chernobyl, que atingiu praticamente toda a Europa.
No caso de alguma das centrais nucleares ucraniana for atingida, poderia ocorrer um acidente semelhante ao de Chernobyl, com a liberação de uma nuvem de radioatividade, que atingiria não somente a Ucrânia, mas também outros países, sobretudo a Norte, como Belarus, a Suécia, a Finlândia e a Noruega e, eventualmente, a Alemanha e a Áustria.
Além da preocupação com os danos causados nas centrais nucleares da Ucrânia, existe ainda a dificuldade de garantir a operação segura dos complexos nucleares pois, no caso do atual conflito, muitos funcionários, operadores das centrais, não estão indo trabalhar, ou por medo, ou por estarem lutando.
O que estamos acompanhando sobre este conflito, em relação a um país que conta com usinas nucleares em seu território, é uma lição, algo que o Brasil deve evitar, pois não precisamos desta tecnologia para suprir as necessidades de energia elétrica. Atualmente é insignificante a participação da produção de Angra I e Angra II na matriz elétrica, e assim deveria permanecer, até o mais breve desligamento destes dois reatores.
A gravidade da ameaça nuclear pesa sobre toda a humanidade, e não somente devido às armas nucleares, mas também ao fato das usinas nucleares produzirem elementos radioativos altamente prejudiciais à vida no planeta, sem que saibamos como lidar com segurança em situação de guerra, e nem com os resíduos produzidos no dia a dia
O Brasil não precisa de usinas nucleares. Xô Nuclear.
* Publicado originalmente em www.holofotenoticias.com.br
** Heitor Scalambrini Costa – Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França. É também, ativista, membro da Articulação Antinuclear Brasileira.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/03/2022
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