Índice de Preço dos Alimentos bate recorde histórico em fevereiro de 2022, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Historicamente, o aumento do preço dos alimentos provoca uma elevação do percentual da população mundial sujeita à fome e à insegurança alimentar
“De pé ó vítimas da fome; De pé famélicos da terra”
Hino da Internacional Socialista
O Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) vinha subindo em 2021 e acelerou o aumento em 2022. O FFPI ficou em 140,7 pontos em fevereiro, 5,3 pontos acima do valor de janeiro de 2022. O preço dos alimentos em fevereiro é o mais alto em cerca de 100 anos, sendo superado apenas pelo preço dos alimentos na época da 1ª Guerra Mundial e da pandemia da Influenza, no quinquênio 1915-1920.
O gráfico abaixo mostra que os recordes de alta do FFPI aconteceram em 1974 e 1975 (quando houve o primeiro choque do petróleo) e a década de 1971-80 foi a que teve a maior média decenal da série, com 110,2 pontos. Nas décadas de 1980 e 1990 os preços dos alimentos caíram e marcaram os menores valores do século XX. Mas a comida voltou a ficar mais cara no século XXI e esta batendo recorde histórico de alta em função de 3 acontecimentos: pandemia da covid-19, guerra da Ucrânia e crise climática e ambiental.
A alta de fevereiro foi liderada por grandes aumentos nos subíndices de preços de óleos vegetais e lácteos. Os preços dos cereais e da carne também subiram, enquanto o subíndice de preços do açúcar caiu pelo terceiro mês consecutivo, conforme mostra o gráfico abaixo. O Índice de Preços de Cereais teve média de 144,8 pontos em fevereiro, alta de 4,2 pontos (3,0%) em relação a janeiro e 18,7 pontos (14,8%) em relação a um ano atrás.
O Índice de Preços de Óleos Vegetais da FAO teve uma média de 201,7 pontos em fevereiro, alta de 15,8 pontos (8,5%) mês a mês e marcando um novo recorde. A força contínua dos preços resultou principalmente do aumento dos preços do óleo de palma, soja e girassol. Em fevereiro, os preços internacionais do óleo de palma aumentaram pelo segundo mês consecutivo devido à demanda global de importação sustentada que coincidiu com a redução das disponibilidades de exportação da Indonésia, o maior exportador mundial de óleo de palma. Enquanto isso, os valores mundiais do óleo de soja continuaram a subir com a deterioração das perspectivas de produção de soja na América do Sul. Os preços internacionais do óleo de girassol também aumentaram acentuadamente, sustentados por preocupações com as perturbações na região do Mar Negro, que poderiam reduzir as exportações.
O Índice de Preços de Lácteos teve média de 141,1 pontos em fevereiro, alta de 8,5 pontos (6,4%) em relação a janeiro, marcando o sexto aumento mensal consecutivo e colocando o índice 28,0 pontos (24,8%) acima de seu valor no mês correspondente do ano passado. Em fevereiro, as cotações internacionais de todos os produtos lácteos representados no índice se firmaram, sustentadas pelo contínuo aperto dos mercados globais devido à oferta de leite abaixo do esperado na Europa Ocidental e Oceania.
O Índice de Preços da Carne teve média de 112,8 pontos em fevereiro, alta de 1,2 ponto (1,1%) em relação ao mês anterior e 15,0 pontos (15,3%) em relação ao nível do ano anterior. Em fevereiro, as cotações internacionais de carne bovina atingiram um novo recorde, impulsionadas pela forte demanda global de importação em meio à oferta restrita de gado pronto para abate no Brasil e alta demanda por reconstrução de rebanho na Austrália. O Índice de Preços do Açúcar teve média de 110,6 pontos em fevereiro, queda de 2,1 pontos (1,9%) em relação a janeiro, marcando a terceira queda mensal consecutiva.
O aumento do preço dos alimentos já vinha subindo em decorrência do rompimento das cadeias produtivas ocorrido na pandemia da covid-19 e, especialmente, em função da crise climática e ambiental que tem dificultado a produção de alimentos devido às secas, enchentes, erosão e acidificação dos solos e das águas, etc. Mas o aumento de fevereiro já reflete o impacto da invasão russa da Ucrânia, embora os efeitos serão mais sentidos em março de 2022.
De fato, a guerra entre Ucrânia e Rússia ameaça o abastecimento global de alimentos. A Ucrânia e a Rússia são os principais exportadores de alguns dos alimentos mais básicos do mundo, representando juntos cerca de 29% das exportações globais de trigo, 19% da oferta mundial de milho e 80% das exportações mundiais de óleo de girassol. Mas a Rússia também exporta nutrientes agrícolas, bem como gás natural, que é fundamental para a produção de fertilizantes à base de nitrogênio. Cerca de 25% do suprimento europeu dos principais nutrientes das culturas, nitrogênio, potássio e fosfato, vêm da Rússia.
Portanto, com as condições geopolíticas desarticuladas, as maiores fontes de matéria-prima para a produção de alimentos estão sujeitas a limitações e não há alternativas de curto prazo. Os preços futuros do trigo dispararam nos últimos dias com a interrupção dos embarques de grãos da região do Mar Negro. Os preços dos fertilizantes aumentaram acentuadamente nos últimos meses de 2021, acompanhando o aumento dos custos do gás natural e do petróleo.
Historicamente, o aumento do preço dos alimentos provoca uma elevação do percentual da população mundial sujeita à fome e à insegurança alimentar. O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado no dia 28/02/2022, mostra que a rapidez das mudanças climática podem inviabilizar a capacidade de adaptação e o colapso ecológico poderá ser inevitável.
O conjunto das atividades antrópicas já superou a capacidade de carga do Planeta, mas os diversos governos do mundo só pensam no crescimento demoeconômico. O aumento do preço dos alimentos é apenas um indicador de um conflito cada vez maior entre a ECOnomia e a ECOlogia e que é agravado pelas disputas econômicas e políticas. Neste quadro, as perspectivas para o ano de 2022 é a continuidade do aumento do preço dos alimentos. O sofrimento será maior entre as populações mais pobres e nos países mais dependentes da importação de alimentos.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A Era da comida barata acabou, Ecodebate, 06/12/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/12/06/a-era-da-comida-barata-acabou/
FAO, The state of the world’s land and water resources for food and agriculture, Systems at breaking point, SOLAW 2021 https://www.fao.org/3/cb7654en/cb7654en.pdf
IPCC. Summary for Policymakers Headline Statements, 28/02/2020
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/resources/spm-headline-statements/?fbclid=IwAR19kdvQF1kWi1UTzPgmWW8laBeaEX9RaWLD9sFb_b6QTPkPnAbexdthaSs
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/03/2022
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário. Aguarde a publicação após a aprovação da Professora Conceição.