segunda-feira, 28 de março de 2022

OS MANGUES ESTÃO ENTRE OS SISTEMAS NATURAIS MAIS AMEAÇADOS DO PLANETA.

Os mangues estão entre os sistemas naturais mais ameaçados do planeta

Os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta. Entrevista especial com João Meirelles

Os manguezais são fundamentais para combater as mudanças climáticas e contribuem para os serviços ambientais planetários, diz o diretor do Instituto Peabiru

Rio de Janeiro - Manguezais da Área de Proteção Ambianetal(APA) de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara
Rio de Janeiro – Manguezais da Área de Proteção Ambianetal(APA) de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara, região hidrográfica da Baía de Guanabara, Guapimirim, região metropolitana do Rio de Janeiro. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Por: Patricia Fachin, IHU

A revogação de algumas resoluções ambientais pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama, entre elas a 303/2002, que trata da proteção dos manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro, gerou descontentamento entre os ambientalistas. Isso porque “os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta”, diz João Meirelles à IHU On-Line. Segundo ele, há exemplos de desaparecimentos de mangues em todo o litoral brasileiro. “É casa de praia em cima de mangue, são as cidades crescendo, bois e búfalos destruindo mangues, como no Marajó (PA), a agricultura, as fazendas de camarão no Nordeste… E, com as mudanças climáticas, isto tende a piorar, pois o mar, mesmo que suba alguns centímetros, muda a paisagem rapidamente e o mangue não consegue acompanhar”, diz.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o diretor do Instituto Peabiru, organização sem fins lucrativos cuja missão é valorizar a diversidade cultural e ambiental e apoiar processos de transformação social na Amazônia, explica os serviços ambientais prestados pelos manguezais para a fauna e flora. “Do ponto de vista físico, os mangues criam solo, pois abaixo daquela lama – matéria orgânica em decomposição – em geral, há areia, pobre em qualquer matéria orgânica. Os seres em decomposição se transformam nesta sopa de nutrientes, que será reabsorvida pelos seres vivos, a começar pelas próprias árvores, altamente interessadas nestes minerais trazidos, literalmente, a seus pés”, afirma.

Meirelles também destaca que os mangues alterados têm baixa resiliência para voltarem ao que eram, quando destruídos e, por isso, é fundamental que sejam protegidos por unidades de conservação. “Mas proteger apenas os mangues não é suficiente, pois com o desmatamento dos ambientes no entorno dos manguezais, haverá menos água doce disponível, e, além disso, a areia entupirá as áreas onde era água e mangue, e estes acabam morrendo”, adverte.

João Meirelles é graduado em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo – Eaesp-FGV, é empreendedor social e escritor. Residente em Belém, Pará, trabalha na facilitação e fortalecimento de capacidades humanas de associações de agricultura familiar, pescadores, ribeirinhos, quilombolas e grupos e povos tradicionais da Amazônia Oriental. É autor de, entre outros, Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, Vol. I – 1500 a 1930, Vol. II – século XX (São Paulo: Editora Metalivros, 2010) e Ouro da Amazônia (Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 2006). Também integra o Fórum Amazônia Sustentável.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Os ambientalistas argumentam que a revogação das Resoluções 302 e 303 do Conama colocará em risco os manguezais da Amazônia. O que são, qual sua importância ambiental e as principais características das áreas de manguezais?

João Meirelles – Em primeiro lugar, os mangues são florestas, tanto é que, antigamente, chamava-se este tipo de paisagem de “floresta de mangue”. Do ponto de vista físico, os mangues criam solo, pois abaixo daquela lama – matéria orgânica em decomposição – em geral, há areia, pobre em qualquer matéria orgânica. Os seres em decomposição se transformam nesta sopa de nutrientes, que será reabsorvida pelos seres vivos, a começar pelas próprias árvores, altamente interessadas nestes minerais trazidos, literalmente, a seus pés.

IHU On-Line – Qual é o impacto ambiental de construir empreendimentos ou permitir o desenvolvimento da agricultura nestas áreas?

João Meirelles – Se os mangues são alterados, aterrando-se para fazer casas, abrir ruas e estradas, derrubando árvores para lenha, jogando lixo, para criação de camarão, empreendimentos turísticos etc… haverá forte impacto local e regional. O mangue, como os demais sistemas naturais, tem limitada capacidade de resistir a mudanças. Na verdade, o mangue tem baixa resiliência, ou seja, sua habilidade de voltar ao que era exige bastante tempo. Assim, se a velocidade da destruição for maior que a capacidade natural de recuperação, teremos um ambiente degradado.

Por isto é fundamental que todos os manguezais sejam protegidos por unidades de conservação. Mas proteger apenas os mangues não é suficiente, pois com o desmatamento dos ambientes no entorno dos manguezais, haverá menos água doce disponível, e, além disso, a areia entupirá as áreas onde era água e mangue, e estes acabam morrendo.

O mangue, como os demais sistemas naturais, tem limitada capacidade de resistir a mudanças – João Meirelles

IHU On-Line – Qual é a situação ambiental dos mangues hoje?

João Meirelles – Os mangues estão entre os ambientes mais ameaçados do planeta. Temos exemplos de desaparecimento de mangues em todo o litoral brasileiro: é casa de praia em cima de mangue, são as cidades crescendo, bois e búfalos destruindo mangues, como no Marajó, a agricultura, as fazendas de camarão no Nordeste… E, com as mudanças climáticas, isto tende a piorar, pois o mar, mesmo que suba alguns centímetros, muda a paisagem rapidamente e o mangue não consegue acompanhar.

Isto já está ocorrendo, não se trata de um fenômeno a ocorrer, é um fato medido cientificamente. E, entre as regiões mais impactadas, estão os manguezais do Norte do Brasil. Importante considerar que a maior parte das espécies de peixes marinhos depende, de alguma forma, dos manguezais para a sua procriação ou alimentação. Esses prestam-se como local de vida, reprodução e refúgio para centenas de espécies de moluscos, crustáceos e aves, entre outros animais. E sem falar que os mangues são um anteparo para as fortes marés e protegem o continente da erosão. Nos mangues do Norte do Brasil, estão alguns dos manguezais mais ricos do mundo em termos de diversidade de espécies animais.

Associado ao mangue estão as praias, os campos gramados, que se chamam de campos apicum, e outras paisagens de transição. O Museu Goeldi, como parte do projeto Casa da Virada, em parceria com o Instituto Peabiru identificou um novo tipo de paisagem associado ao ecossistema – a “Mata Amazônica Atlântica”. É uma “mata amazônica” que fica na beira do Oceano Atlântico, daí seu nome. O que caracteriza esta paisagem é a presença de determinadas espécies de árvores, como o bacurizeiro e o umirizeiro. Tanto estas como outras paisagens estão desprotegidas, ameaçadas.

Nos mangues do Norte do Brasil, estão alguns dos manguezais mais ricos do mundo em termos de diversidade de espécies animais – João Meirelles

IHU On-Line – Como estão os mangues da faixa contínua na Amazônia?

João Meirelles – Para as organizações científicas e ambientalistas, os manguezais do Pará e Amapá estão entre os mais bem preservados do planeta. Estariam, também, entre os mais biodiversos em termos da vida marinha, abrigando grande diversidade de moluscos, peixes, camarões, caranguejos, além de avifauna e mamíferos marinhos.

As autoridades ambientais deveriam propor como conservar os manguezais, expandindo unidades de conservação, criando corredores ecológicos e protegendo os ambientes que precisam ser urgentemente restaurados. Cada metro quadrado de manguezal é fundamental para combater mudanças climáticas, manter a vida marinha e costeira e contribuir para os serviços ambientais planetários.

(EcoDebate, 26/10/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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