quinta-feira, 30 de junho de 2022

SÃO FRANCISCO PERDEU 50% DA SUPERFÍCIE DE ÁGUA NAS ÚLTIMAS TRÊS DÉCADAS.

 rio São Francisco

Rio São Francisco. Foto EBC/ABr

São Francisco perdeu 50% da superfície de água nas últimas três décadas

“A bacia do São Francisco está sob pressão, tanto pela agricultura quanto pela geração de energia, que coloca em risco milhares de pessoas que vivem na região”

A Bacia do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020. Considerando as ações humanas que por exemplo trouxeram um aumento artificial de 13% da superfície de água de reservatórios, a redução foi de 4%, com as maiores perdas observadas no Alto e no Baixo São Francisco, 19% e 21% respectivamente.

Os dados são parte de um estudo lançado hoje pela iniciativa MapBiomas para marcar o Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco, a pedido do Plano Nordeste Potência, iniciativa de um conjunto de organizações brasileiras que trabalham pelo desenvolvimento verde e inclusivo da região.

Somente a ação humana pode ser insuficiente para manter o recurso na região, especialmente considerando cenários de redução de chuva previstos para os próximos anos. “A criação de reservatórios aumenta a superfície de água, no entanto temos observado uma tendência de perda de água nos principais reservatórios, além da perda de superfície de água natural significativa na bacia do Rio São Francisco, isso favorece um cenário de crise hídrica”, observou Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.

O estudo mostra como quatro grandes reservatórios apresentam tendência de queda na superfície de água nos últimos 36 anos. A maior das quedas é registrada na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre Pernambuco e Bahia, seguida por Sobradinho, Três Marias e Xingó.

“Esses números refletem o que nós podemos ver na prática. A Bacia do São Francisco sofre com o uso intenso e sem planejamento, seja dos recursos hídricos quanto do seu solo. Hoje existem populações que vivem nessa região e que já sofrem com essas variações. Precisamos implementar soluções como a recuperação das áreas degradadas o mais rápido possível, além de promover uma boa gestão dos recursos”, afirma Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá (Grupo Ambientalista da Bahia).

A Bacia do São Francisco é a terceira maior do país e corresponde a cerca de 8% do território nacional. Ainda que haja grandes variações entre os anos, a tendência de queda é clara e soma-se a análises anteriores, inclusive do governo federal. Estudo feito em 2013 pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até 2040, com base no registro de 2005.

“Os preocupantes indicadores do MapBiomas mostram que é urgente a implantação de um profundo programa de revitalização, previsto desde o início do projeto de transposição e nunca realizado. Além das ações de reflorestamento, recomposição de áreas degradadas e obras de saneamento em centenas de municípios, é fundamental um plano de elevação e estabilização da vazão média do rio e incentivos a um modelo de economia que impulsione a regeneração da bacia hidrográfica”, propõe Sérgio Xavier, coordenador do Projeto HidroSinergia, do Centro Brasil no Clima — CBC, que está desenvolvendo o Lab de Economia Regenerativa do São Francisco nas fronteiras dos estados de Alagoas, Bahia, Sergipe e Pernambuco.

Alterações na paisagem

Outros dados do MapBiomas mostram que o uso da terra na bacia se intensificou no período. Atualmente, a cobertura de vegetação nativa nessa área é de 57%, mas chega a somente 30% no Baixo e 37% no Alto São Francisco.

Apesar de haver áreas consolidadas de agricultura e pastagem, a região hidrográfica perdeu 7 milhões de hectares de vegetação nativa nas últimas três décadas para a agropecuária, restando 36,2 milhões de hectares — desses, somente 17% estão em áreas protegidas. As pastagens ocupam 14,8 milhões de hectares e a agricultura, 3,4 milhões. A formação savânica foi a mais atingida, perdendo 4,6 milhões de hectares (14%). Além de Cerrado, outros dois biomas compõem a bacia, Mata Atlântica e Caatinga.

As regiões do Baixo e Submédio São Francisco apresentam as maiores taxas de aumento de áreas de pastagem, 50% e 85% respectivamente. No Médio São Francisco, o destaque é para o aumento de 650% da agricultura, principalmente para a expansão da soja nos últimos anos. Já na região do Alto São Francisco, a silvicultura cresceu 400%.

Esse avanço das atividades agrícolas se manifesta em outros indicadores. O Médio São Francisco registrou quase 2 mil alertas de desmatamento em 2019 e 2020, totalizando aproximadamente 99 mil hectares derrubados. A mesma sub-região mostrou o maior crescimento no número de sistemas de irrigação desde 1985, 1.870%, seguido pelo Alto São Francisco, com 1.586%.

“A bacia do São Francisco está sob pressão, tanto pela agricultura quanto pela geração de energia, que coloca em risco milhares de pessoas que vivem na região”, complementa Washington Rocha, coordenador da equipe Caatinga no MapBiomas.

 

Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 03/06/2022

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