Tempestade Yakecan é mais um alerta das mudanças climáticas que precisa ser ouvido, por Eduardo Luís Ruppenthale Eliege Fante
Além de aprofundarem as desigualdades, as políticas vigentes expõem ainda mais as populações já vulnerabilizadas, negras, quilombolas e indígenas, aos impactos oriundos das mudanças climáticas
O Fórum Econômico Mundial se realiza em Davos (22 a 26 de maio), contemplando temas como as mudanças climáticas com base no relatório “Estado do clima mundial em 2021”, da Organização Meteorológica Mundial (OMM), lançado em 18 de maio último. Data em que o Rio Grande do Sul ainda era afetado pelos impactos provocados pela Yakecan (“som dos céus” em tupi-guarani), a Tempestade Subtropical que se aproximou do continente na véspera.
O efeito do evento extremo no estado que mais assustou, talvez tenha sido as rajadas de vento entre terça e quarta (17 e 18/05), sendo que as maiores variaram entre 73,5 km/h e 95,8 km/h em alguns municípios. Pois, a previsão era de “alta probabilidade de danos e comprometimento de serviços públicos essenciais como luz e água”, quedas de árvores e postes, destelhamentos, o que chegou a ocorrer em regiões do estado, como em Tavares e Mostardas, Osório, Tramandaí , Nova Hartz. Previu-se também ressaca com elevação da maré, por causa dos ventos com o risco de superarem 100 km/h e chuva torrencial. Se não foi “exagero” da meteorologia, como alguns chegaram a sugerir, qual o alerta de Yakecan às demais forças naturais, em especial à humana? E qual a sua relação com o evento na Suíça?
O relatório da OMM, referido anteriormente, informa os limites ultrapassados em 2021, através dos recordes nos indicadores cruciais da mudança climática, como concentrações de gases do efeito estufa, aumento do nível do mar, aumento da temperatura e acidificação dos oceanos, entre outros dados preocupantes. É um complemento ao Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), publicado entre 2021 e 2022, reforçando a importância das medidas de mitigação e adaptação em torno da descarbonização da economia, principalmente, através da adoção das energias renováveis, que “são o único caminho para uma verdadeira segurança energética, para preços de eletricidade estáveis e oportunidades de emprego sustentável”. Essa foi a manifestação, no lançamento do relatório, feita pelo Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterrez.
A situação de emergência nos países mais empobrecidos, em especial no continente africano, foi lembrada por Guterres. Contudo, a vulnerabilidade dos povos é generalizada no Sul global, em função das renovadas estratégias de acumulação do capital através da espoliação dos territórios e devastação da biodiversidade. As consequências dessas estratégias vão do limite à capacidade de reprodução social dos habitantes, ao genocídio dos povos originários através das violações aos direitos, até a intensificação e aumento da frequência dos fenômenos extremos: furacão Catarina em 2004; microexplosão em Porto Alegre em 2016; microexplosões neste ano em Guaíba, Iraí e sul de Porto Alegre.
Sendo assim, o foco dos poderes econômico e político globais, em Davos, sobre a descarbonização da economia, pode ser insuficiente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. De um lado, por manter o avanço do capital sobre os bens comuns (água, ar, solo, sementes e serviços ecossistêmicos), e através da privatização dos serviços públicos (água, energia e saneamento ambiental) ao transformá-los em mercadoria. De outro lado, por proporcionar uma sobrevida aos setores, até então dependentes da energia fóssil e responsáveis pelos maiores volumes das emissões globais, como siderurgia e mineração, indústria química, geração de eletricidade e produção de fertilizantes.
Urge reconhecer a insustentabilidade do sistema capitalista, indutor do Capitaloceno, ou do Antropoceno (o nome escolhido para confirmar a era geológica a suceder o Holoceno). Por isso, as políticas dos governos, como do negacionista Bolsonaro (PL) e dos neoliberais Ranolfe/Leite (PSDB) e Sebastião Melo (MDB), níveis federal, estadual e municipal, precisam ser derrotadas nas próximas eleições.
Além de aprofundarem as desigualdades, as políticas vigentes expõem ainda mais as populações já vulnerabilizadas, negras, quilombolas e indígenas, aos impactos oriundos das mudanças climáticas. Os agravos recentes na situação dos direitos e das conquistas democráticas favorecem os de cima (1%), seja através das medidas anti-ambientais que contribuem para intensificar as causas das mudanças climáticas, seja pelo desmonte dos órgãos públicos ambientais, dos retrocessos na legislação (as “boiadas”), dos ataques à Ciência e à Educação ou do desinvestimento nas pesquisas e nas estruturas dessas áreas.
A Yakecan veio mostrar ao Rio Grande do Sul tanto o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, através dos impactos e dos prejuízos registrados durante a semana passada, como a distância tomada pelos poderes político e econômico globais em detrimento do que é de primeira necessidade à sociobiodiversidade planetária.
Eduardo Luís Ruppenthal é biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS), militante do coletivo Alicerce e da Setorial Ecossocialista do PSOL/RS.
Eliege Fante é jornalista, mestra e doutora em Comunicação e Informação pelo PPGCOM-UFRGS, é associada ao Núcleo de Ecojornalistas do RS.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/05/2022
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