O Preço dos Alimentos voltou ao nível pré Guerra da Ucrânia, mas continua alto, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Cego é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria. Surdo é aquele
que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão”
Mario Quintana (1906-1994)
O preço dos alimentos tem batido recordes em 2022. O aumento do preço da energia, a pandemia da covid-19, a Guerra da Ucrânia, a degradação dos solos, a crise hídrica e a emergência climática e ambiental estão encarecendo o custo da produção e distribuição de alimentos no século XXI.
O Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) atingiu o nível mais alto em março de 2022. Nos meses seguintes, o FFPI caiu e voltou para o patamar pré Guerra da Ucrânia.
O Índice de Preços dos Alimentos teve média de 138 pontos em agosto de 2022, queda de 2,7 pontos em relação a julho, registrando seu quinto declínio mensal consecutivo. Apesar da queda mais recente, o índice permaneceu 10,1 pontos acima de seu valor um ano atrás. Todos os cinco subíndices do FFPI caíram moderadamente em agosto.
O Índice de Preços de Cereais da FAO teve média de 145,2 pontos em agosto, queda de 2,0 pontos em relação a julho, mas ainda 14,8 pontos acima do valor de agosto de 2021. Em agosto, os preços internacionais do trigo caíram 5,1%, marcando o terceiro declínio mensal consecutivo, impulsionado por melhores perspectivas de produção, especialmente no Canadá, Estados Unidos da América e Federação Russa, além de maior disponibilidade sazonal, bem como a retomada das exportações dos portos do Mar Negro na Ucrânia pela primeira vez em mais de cinco meses de interrupção.
O Índice de Preços de Óleos Vegetais da FAO teve uma média de 163,3 pontos em agosto, uma queda de 5,5 pontos mês a mês, empurrando o valor do índice um pouco abaixo do nível do ano anterior. O declínio contínuo do índice foi impulsionado pelos preços mundiais mais baixos dos óleos de palma, girassol e colza, que mais do que compensaram as cotações mais altas do óleo de soja.
O Índice de Preços de Lácteos da FAO teve média de 143,5 pontos em agosto, queda de 3,0 pontos em relação a julho, marcando a segunda queda mensal consecutiva, mas ainda 27,3 pontos acima de seu valor há um ano. O Índice de Preços da Carne da FAO teve média de 122,7 pontos em agosto, queda de 1,8 pontos em relação a julho, também marcando a segunda queda mensal consecutiva de uma alta histórica alcançada em junho de 2022, mas permaneceu em 9,3 pontos acima do seu valor correspondente há um ano. O Índice de Preços do Açúcar da FAO teve média de 110,4 pontos em agosto, queda de 2,4 pontos em relação a julho, marcando a quarta queda mensal consecutiva e atingindo seu nível mais baixo desde julho de 2021. A queda de agosto foi desencadeada principalmente por um aumento nas exportações de açúcar na Índia e preços mais baixos do etanol no Brasil.
Considerando o longo prazo, o gráfico abaixo com o Índice de Preços nominal e real dos Alimentos, mostra que os valores nunca foram tão altos. Em termos reais, o FFPI atingiu o maior valor da série desde 1961. Isto significa também que o quadro atual apresenta o mais alto em 100 anos, conforme já mostramos em artigos anteriores.
Estas novas tendências dos preços dos alimentos contrariam os tecnófilos cornucopianos que acreditavam na constante redução do preço global da comida. Em 1980, Julian Simon e Paul Ehrlich fizeram uma aposta que ficou famosa. Julian Simon defendia a ideia de que os avanços tecnológicos são capazes de superar os limites da Terra criando meios para sustentar uma população crescente. Paul Ehrlich – que escreveu o livro “A bomba Populacional”, em 1968 – sustentava que o crescimento populacional iria pressionar os recursos naturais e que os avanços tecnológicos seriam incapazes de contrabalançar as leis dos rendimentos decrescentes. Como resultado o aumento dos preços dos alimentos e das matérias primas seria inevitável.
Ehrlich apostou que o preço das commodities aumentaria até 1990. Simon apostou que os preços diminuiriam. Dez anos depois, Ehrlich perdeu a aposta, pois os preços caíram na década de 1980 e continuaram em nível baixo até o fim da década de 1990. Este fato foi bastante comemorado entre os ideólogos cornucopianos. Mas nos anos 2000 a tendência se inverteu e os preços dos alimentos começaram a subir no longo prazo.
Em 2011, quando a população global atingiu 7 bilhões, o economista David Lam e o demógrafo Stan Becker renovaram a aposta. Lam previu que os alimentos ficariam mais baratos nos 10 anos seguintes, apesar do contínuo crescimento populacional. Becker previu que os preços dos alimentos subiriam, por causa dos danos que os humanos estavam causando ao planeta. Becker venceu e, seguindo seus desejos, Lam assinou um cheque de US$ 194 para o Population Media Center, uma organização sem fins lucrativos com sede em Vermont, que promove ações visando a estabilização da população internacionalmente.
O fato é que a população mundial vai chegar a 8 bilhões de habitantes em 15 de novembro de 2022 (1 bilhão a mais do que há 11 anos), enquanto crescem os impactos danosos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos e sobre as condições de vida da população global. Assim, é urgente tomar medidas para mitigar a crise climática e ambiental e também medidas para se adaptar à nova conjuntura desfavorável do século XXI, para manter viva a meta dos ODS de redução da fome do mundo.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Mundo lotado e as apostas sobre o futuro da população global, Ecodebate, 30/08/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/08/30/mundo-lotado-e-as-apostas-sobre-o-futuro-da-populacao-global/
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21
https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9
Renata Lo Prete. O Assunto #415: Comida cara, tensão social em alta, G1, 22/03/2021
https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2021/03/22/o-assunto-415-comida-cara-tensao-social-em-alta.ghtml
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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