Beber água da torneira na Europa é mais do que uma curiosidade turística, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho
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Uma amiga, vinda de recente viagem pela Europa, comentou que ficou surpreendida pelo comum uso, para beber, da água de torneira na grande maioria dos locais que visitou como turista.
A curiosidade deriva do fato dela e boa parte dos potiguares beberem águas engarrafadas adquiridas em comércios e revendedores.
Para tentar esclarecer essa questão turística, enviei para a amiga um resumo de um artigo de Dinelli et al. (2012) que estudaram as concentrações químicas de diversos elementos em águas de torneiras de todas as regiões da Itália.
Localização das amostras de água da torneira com indicação das regiões administrativas italianas (Dinelli et al, 2012)
Água potável pode ser definida como a água fornecida ao consumidor e que pode ser usado para beber, cozinhar e lavar. A qualidade da água potável deve ser continuamente monitorada pelas autoridades sanitárias e pelas empresas distribuidoras, pois deve obedecer às normas físicas, químicas, bacteriológicas e radioquímicas antes de ser introduzida no sistema de distribuição.
A água utilizada para potabilização tem diversas origens: subterrâneas, de nascentes, rios, córregos, lagos e reservatórios artificiais. Antes de ser introduzida no sistema de distribuição, a água precisa de algum tipo de tratamento, geralmente mais forte se a fonte for superficial. O tratamento inclui algumas etapas fundamentais como: desinfecção, remoção de partículas sólidas, coagulação, remoção de ferro e Mn. Os tratamentos são destinados a melhorar a qualidade da água por seu aspecto (por exemplo, remoção de turbidez), sabor (por exemplo, remoção ou adição de elementos selecionados), odor (por exemplo, remoção de compostos voláteis) ou requisitos técnicos (por exemplo, controle de pH e dureza para limitar a corrosão do sistema de distribuição).
A água encanada é um recurso fundamental para a vida cotidiana, está sujeita a diversos controles rotineiros e precisa cumprir diversos esquemas de conformidade. Cerca de 70% da água da torneira italiana deriva de águas subterrâneas e 30% de águas superficiais refinadas (Acquavita et al., 2007).
Nas águas disponíveis ao consumidor na Itália, diversos parâmetros são monitorados regularmente, mas muitos elementos químicos menores e traços não costumam ser analisados e, por isso, há a necessidade de algum tipo de indicação sobre suas concentrações e faixas de variação para melhor avaliar a qualidade da água.
Uma oportunidade para tais investigações foi fornecida por um projeto do EuroGeoSurvey Geochemistry Expert Group que visa a caracterização da geoquímica de águas subterrâneas usando águas minerais engarrafadas compradas em supermercados em toda a Europa, que incluiu também a análise para fins comparativos de água da torneira.
Na Itália, foram obtidas 157 amostras de água encanada de 24 locais distribuídos por todo o país e representativo de situações de usuários finais (casas particulares e locais públicos). Foram analisadas, para cada amostra, pH, condutividade e concentrações de 69 elementos: Ag, Al, As, B, Ba, Be, Bi, Ca, Cd, Ce, Co, Cr, Cs, Cu, Dy, Er, Eu, Fe, Ga , Gd, Ge, Hf, Hg, Ho, I, K, La, Li, Lu, Mg, Mn, Mo, Na, Nb, Nd, Ni, Pb, Pr, Rb, Sb, Sc, Se, Sm, Sn , Sr, Ta, Tb, Te, Th, Ti, Tl, Tm, U, V, W, Y, Yb, Zn, Zr, Br−, HCO3 −, Cl−, F−, NH4 +, NO2 −, NO3 −, PO4 3−, SO4 2−,SiO2.
Apenas uma amostra para Cl e duas amostras para NO3 − ficaram acima das diretrizes recomendadas da UE e da Itália. A clara influência da geologia e/da composição do aquífero é clara para alguns elementos (por exemplo, As, F, Rb, V, U). Outros elementos são indicadores de mistura com água de formação profunda ou contribuição de spray marinho (por exemplo, Br, I). A análise fatorial permitiu identificar um fator de “corrosão” que inclui Pb, Zn, Cd, Cu, Mn, Sn e Fe, todos elementos preferencialmente relacionados à interação com as tubulações do sistema distribuidor.
Em síntese, as águas de torneiras da Itália apresentaram resultados satisfatórios em comparação com a diretiva existente (italiana e da UE) e as diretrizes de saúde (OMS e FAO). Justifica-se, portanto, o seu uso pela população e explica a surpresa / curiosidade da amiga turista.
Esse artigo também pode servir de incentivo para uma pesquisa semelhante a partir de uma amostragem e análise representativas das águas de torneiras e envasadas nas terras potiguares.
Referências Bibliográficas
Acquavita, A., Barbano, A., Barisiello, O., Braca, G., Bussettini, M., Carrer, S., Cordella, M., Dacquino, C., De Angelis, R., De Gironimo, G., De Vincenzi, S., Donati, A., Fava, A., Ferla, M., Ferrari, G., Iaccarino, S., Lastoria, B., Licopodio, E., Marcaccio, M., Mattassi, G., Nardone, G., Negri, P., Paleari, M., Predonzani, S., Salvati, S., Silvestri, C., Sinapi, L., Spada, E., Tromellini, E., Venturelli, S., Vicini, C., 2007. L’idrosfera. Annuario 2007 dati ambientali. APAT, pp. 742–934.
Dinelli, E., Lima, A., Albanese, S., Birke, M., Cicchella, D., Giaccio, L., Valera, P., De Vivo, B. 2012. Major and trace elements in tap water from Italy. Journal of Geochemical Exploration 112 (2012) 54–75.
Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em pesquisa mineral e geoquímica ambiental. Geoquímico da empresa Canal Geoquímico.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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