Desmatamento em terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação do Cerrado explode em 2023. Agropecuária é principal vetor de pressão.
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Por Lucas Guaraldo, Mariana Güths e Mariana Abuchain*
O desmatamento em terras indígenas localizadas no Cerrado aumentou 188% em 2023, atingindo mais de 7 mil hectares. Comportamento oposto ao observado nas terras indígenas do restante do país, que apresentaram uma redução de 27% da área desmatada. Territórios quilombolas e unidades de conservação de proteção integral também viram a perda de vegetação nativa aumentar 665% e 252%, respectivamente, quando comparado a 2022. Dados foram publicados pelo Relatório Anual do Desmatamento, produzido por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) na rede MapBiomas.
Em 2023, o Cerrado registrou o desmatamento de mais de 1,1 milhão de hectares de vegetação nativa, ultrapassando pela primeira vez a Amazônia, que teve mais de 454 mil hectares desmatados no mesmo período.
O Cerrado concentrou cerca de 61% da área desmatada no país.
“No ano de 2023, 98% do desmatamento no Cerrado teve como vetor de pressão a agropecuária. O fato se reflete em terras indígenas, UCs e territórios quilombolas do bioma. Áreas que enfrentam um cenário de deficiência na sua gestão, fiscalização e monitoramento. Além disso, muitas delas estão em regiões de conflito fundiário e confrontos devido à abertura de áreas para a atividade agropecuária”, explica Roberta Rocha, pesquisadora do IPAM.
A pesquisadora comenta que é preciso investir na gestão e monitoramento desses espaços e no reconhecimento de territórios tradicionais. Além de ações de fiscalização focadas no combate ao desmatamento nestas áreas protegidas e no bioma como um todo. Em 2023, 79% da área desmatada no Cerrado concentrou-se em terras privadas, que incluem propriedades rurais, territórios quilombolas e assentamentos. Ao todo, 62,4 mil hectares foram desmatados dentro de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação, um aumento de 6,5% em relação a 2022.
Territórios Quilombolas
A supressão de vegetação nativa em territórios quilombolas totalizou 2,5 mil hectares, 665% a mais do que em 2022. Com uma área desmatada de 1,5 mil hectares, Barra do Aroeira, localizado há 100 km de distância de Palmas, no Tocantins, foi o território quilombola com a maior área desmatada do país, em 2023.
Com exceção do território Kalunga, que reduziu em 11% a área desmatada, todos os outros nove territórios na lista dos 10 mais desmatados registraram aumento em 2023. Juntos, esses 10 territórios concentram 61% de todo o desmatamento observado em quilombos no Brasil no ano passado.
A pesquisadora do IPAM Isabel de Castro explica que, povos quilombolas conservam seus territórios mantendo tradicionalmente formas de uso e ocupação do solo. “É da biodiversidade presente nos territórios que vivem há várias gerações, mas estão ameaçados pela insegurança fundiária e avanço da agropecuária. Garantir os direitos territoriais do povo quilombola é garantir a proteção do Cerrado.”
Atualmente, menos de 30% dos territórios quilombolas conhecidos foram titulados, segundo levantamento da Um Grau e Meio, newsletter produzida pelo IPAM. A falta de reconhecimento legal, por sua vez, contribui para a insegurança dos moradores e dificulta a proteção ambiental desempenhada por esses territórios.
Terra Indígenas
A área desmatada em terras indígenas do Cerrado chegou a mais de 7 mil hectares, um aumento de 188% em 2023, enquanto, no geral, as terras indígenas do país reduziram 27% da área desmatada. Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, lar dos indígenas Canela Apanyekrá, foi o território indígena com a maior área desmatada de todo o país em 2023, perdendo mais de 2 mil hectares. O número representa um aumento de 608% na sua área desmatada, em relação ao ano anterior. Delimitada em 2019, o território está localizado na porção sul do Maranhão, estado mais desmatado do Brasil em 2023 e palco do crescimento das áreas de agropecuária.
A segunda terra indígena mais desmatada do país, em 2023, também está localizada no Cerrado e no Maranhão. Kanela Memortumré registrou 2 mil hectares de área desmatada, 101% a mais em comparação ao ano anterior. Em 2022, essa foi a TI com a maior taxa de desmatamento do Cerrado.
“As terras indígenas são áreas sagradas que pertencem aos povos brasileiros originários e é dever do Estado garantir sua conservação. Apenas a demarcação não é o suficiente para a proteção integral desses territórios e de seus povos. É preciso uma ação conjunta e coordenada que inclua não só ações de comando e controle, mas também propor uma economia que dialogue com o potencial regional e diversidade cultural”, defende Martha Fellows, pesquisadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM.
Entre as dez terras indígenas mais desmatadas do Cerrado, quatro estão no Maranhão, e seis no Mato Grosso. Neste último, a TI Uirapuru, onde vive o povo Paresí, registrou uma diminuição de 69% na sua área desmatada, passando de 220 hectares para 68 hectares perdidos em 2023. Essa foi a única terra índigena entre as 10 mais desmatadas que registrou diminuição na perda de vegetação nativa.
Unidades de Conservação
Em 2023, Unidades de Conservação de Proteção Integral do Cerrado – grupo composto por estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre – viram seu desmatamento aumentar em 252%, atingindo quase 3 mil hectares. De toda área aberta no Cerrado, em 2023, 5% foi em unidades de conservação.
“São espaços em que a supressão de vegetação, em regra, não deveria acontecer, pois seu principal objetivo é preservar a natureza, não sendo permitido qualquer atividade que cause prejuízo aos recursos naturais, apenas o uso indireto dos seus recursos”, explica Roberta Rocha.
Com relação às Unidades de Conservação de Uso Sustentável, a perda foi de mais de 49 mil hectares, e destes, 98% estão em Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Observamos que houve uma redução de 9% na área desmatada em UCs de Uso Sustentável, em comparação a 2022, mas apesar da diminuição, esse grupo ainda concentra grande parte, cerca de 94% do desmatamento nas UCs do Cerrado.
A UC com a maior área desmatada do país, em 2023, também está no Cerrado. A APA do Rio Preto, na Bahia, registrou um desmatamento de 14 mil hectares.
“Esse cenário é preocupante e apresenta um comportamento oposto ao observado nas Unidades de Conservação no restante do país, que tiveram uma redução no desmatamento”, finaliza.
Sobre o RAD e MapBiomas Alerta
O RAD (Relatório Anual de Desmatamento), da rede MapBiomas, da qual o IPAM faz parte, reúne dados consolidados de desmatamento de todo o Brasil. Ele analisa os alertas de desmatamento detectados entre 2019 e 2023, e que foram validados e refinados sobre imagens de satélite de alta resolução pelo MapBiomas Alerta.
Nesta quinta edição, no Cerrado, os alertas gerados pelo DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real do INPE) e SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado do IPAM), e os alertas gerados nas regiões de transição entre os biomas, pelo SAD Caatinga (Sistema de Alerta de Desmatamento da Caatinga, da UEFS e Geodatin), SIRAD-X (Sistema de indicação por radar de desmatamento na Bacia do Xingu, do ISA), SAD Imazon (Sistema de Alerta de Desmatamento da Amazônia, do Imazon), SAD Mata Atlântica (Sistema de Alerta de Desmatamento da Mata Atlântica, da SOS Mata Atlântica e ArcPlan) e SAD Pantanal (Sistema de Alerta de Desmatamento do Pantanal, da SOS Pantanal e ArcPlan), foram utilizados para localizar os alertas de desmatamento nas imagens de satélite diárias de alta resolução espacial.
Esse é o primeiro ano em que o RAD inclui alertas emitidos pelo SAD Cerrado (desenvolvido pela equipe do IPAM, em parceria com o LAPIG/UFG e MapBiomas). No total, uma área de 243 mil hectares foi captada apenas pelo sistema, além de 567 mil hectares que foram detectados tanto pelo SAD Cerrado, quanto pelo DETER Cerrado. A inclusão desse novo sistema de alerta é importante, pois complementa os dados oficiais de mapeamento no Cerrado, contribuindo para enxergar o desmatamento nas formações não florestais (savanas e campos) do Cerrado.
Visando identificar omissões dos sistemas mensais de desmatamento, foram incluídos os polígonos do PRODES 2020 (Programa de Monitoramento do Desmatamento no bioma Cerrado do INPE), e estão em processo de validação os polígonos do PRODES 2021.
Todos os dados estão disponíveis de forma pública e gratuita em plataforma web para que órgãos de fiscalização, agentes financeiros, empresas e sociedade civil possam agir para reduzir o desmatamento. O relatório completo com os dados está disponível no site do MapBiomas Alerta.
*Jornalista e estagiárias do IPAM
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394🙈👀👀
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