A China poderá ser um país com menor número de habitantes, mas com maior qualidade de vida social e ambiental
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Duas notícias divulgadas em meados de julho de 2024 chamaram a atenção sobre a perspectiva da China de se tornar uma nação com maior qualidade de vida social e ambiental. A China já é o país com o maior PIB do mundo (quando medido em poder de paridade de compra), mas também é a nação mais poluidora do planeta. Para garantir a sustentabilidade ecológica duas tendências são fundamentais: a transição energética e a transição demográfica.
A China é o país líder inquestionável na produção de energia renovável.
O gigante asiático está no caminho de atingir 1.200 GW de capacidade instalada de energia eólica e solar até o final de 2024, seis anos antes da meta estabelecida pelo governo de Pequim e apresentada no Acordo de Paris. Para se ter uma ideia do que isto significa, 1.200 GW de energia equivale à produção de 86 usinas hidrelétricas de Itaipu.
Um relatório publicado pelo Instituto Global Energy Monitor (GEM) apontou que a China tem 180 gigawatts (GW) de energia solar (em escala de utilidade pública) em construção e 159 GW de energia eólica. A quantidade de energia eólica e solar em construção na China é agora quase o dobro da do resto do mundo combinado. Isso eleva o total de energia eólica e solar em construção para 339 GW, bem à frente dos 40 GW em construção nos EUA. Portanto, é com se a China estivesse construindo o equivalente a 24 usinas de Itaipu, em um único ano.
O gráfico abaixo mostra que a China, que já tem números impressionantes, pode triplicar a capacidade de energia renovável até 2030 em relação a 2022. De forma desafiadora, a China pode passar de 1000 GW de energia renovável (solar e eólica) em 2021 para quase 4000 GW em 2031.
Este avanço das energias renováveis é essencial para que a China atinja o pico das emissões de CO2 e comece a diminuir as emissões de gases de efeito estufa. O ano de 2024 pode ser um marco. No entanto, os analistas alertaram que será necessária ainda mais capacidade renovável se a China quiser cumprir o seu objetivo de reduzir a intensidade de carbono da economia em 18%, o que é um fator importante na redução das emissões.
O governo chinês está ciente deste desafio, nomeando as baterias de íons de lítio como uma das “três novas” tecnologias importantes para criar um crescimento de alta qualidade, juntamente com os veículos elétricos e os painéis solares. No ano passado, foram investidos 11 bilhões de dólares em baterias ligadas à rede, um aumento de 364% em relação a 2022. Os analistas afirmam que é necessário um melhor armazenamento e flexibilidade da rede para utilizar de forma eficiente o volume crescente de energia limpa gerada nos parques eólicos e solares da China.
Ou seja, a China é o país que lidera a transição energética do mundo, mas ainda é muito dependente da produção de energia dos combustíveis fósseis, em especial, do carvão, que é altamente poluidor. Não basta aumentar a produção de energia solar e eólica, mas é necessário diminuir o uso de hidrocarbonetos.
O outro braço da sustentabilidade depende da transição demográfica. A China já chegou ao pico populacional em 2021 e perdeu a posição de país mais populoso do mundo para a Índia em 2022. Mas a grande transformação virá nas próximas décadas como indica o gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU (Revisão 2024).
A população da China era de 544 milhões de habitantes em 1950, chegou a 1 bilhão de habitantes em 1982, alcançou o máximo populacional em 2021, com 1,426 bilhão de habitantes e deve decrescer para 633,4 milhões em 2100. Ou seja, a China deve perder 793 milhões de habitantes entre 2021 e 2100 (isto é mais do que toda a população da América Latina que foi de 656,6 milhões de habitantes em 2023).
Entre 1921 e 2100 a população chinesa vai decrescer em cerca de 1% ao ano. Isto quer dizer que mesmo se o PIB chinês ficar estagnado (crescimento econômico zero) entre 2022 e 2100, a renda per capita do país dobraria de tamanho. Se o PIB crescer apenas 1% no restante do século, a renda per capita seria multiplicada por 3 vezes.
Isto quer dizer que o bem-estar social na China pode ser alcançado com menor crescimento econômico. E com menor crescimento econômico, junto com a transição energética, a China deve alcançar maior bem-estar ambiental. Evidentemente, várias outras ações são importantes, como o aumento da área verde (reflorestamento), melhoria da infraestrutura econômica, construção de cidades mais eficientes e resilientes, melhoria da reciclagem, avanço da economia circular e maior informatização na produção e comércio de bens e serviços.
Mas além do decrescimento demográfico a China vai ter um rápido e profundo processo de envelhecimento populacional. A idade mediana da China era de 22 anos em 1950, passou para 40 anos em 2024 e deve alcançar 60 anos em 2100. Isto quer dizer que metade da população chinesa no final do atual século terá mais de 60 anos.
O gráfico abaixo mostra a pirâmide populacional da China em 2100 com uma estrutura etária muito envelhecida. O grupo etário de 85 anos e mais de idade terá um montante superior ao grupo etário de 0 a 20 anos. O número de crianças e adolescentes (0 a 20 anos) na China, em 2100, será de 75 milhões de pessoas e o grupo de 85 anos e mais de idade será de 111 milhões de pessoas.
Muitos analistas dizem que a China vai enfrentar uma enorme “crise demográfica” no século XXI. Mas se, realmente, o decrescimento demográfico e o envelhecimento populacional trazem desafios para qualquer país, também trazem oportunidades. Com certeza o 1º bônus demográfico já terminou na China e a época de crescimento econômico exponencial já se encerrou. Porém, a China pode aproveitar o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e o 3º bônus demográfico (bônus da 3ª idade).
A redução da população jovem permitirá que a China invista mais na qualidade da educação. Uma população em idade ativa menor permitirá que a China invista e se concentre naquelas atividades mais produtivas e mais amiga do meio ambiente, produzindo mais com menos. Uma quantidade maior de idosos permitirá potencializar a criatividade da população da 3ª idade, liberando o potencial dos idosos.
Como mostrei no artigo “China apresenta crescimento econômico com decrescimento demográfico”, publicado aqui no Portal Ecodebate (Alves, 20/02/2024) a fase do alto crescimento do PIB chinês já passou, mas a China está no caminho de vencer a “armadilha da renda média” e entrar no clube dos países ricos e de elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Desta forma, a China poderá ser um país com menor número de habitantes, mas com maior qualidade de vida social e ambiental. Ao invés de receio com o decrescimento demográfico, o correto é prestigiar a transição energética e a transição demográfica, que são dois vetores fundamentais para a mitigação da crise climática e ecológica.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Decrescimento demoeconômico com elevação da prosperidade social e ambiental, Ecodebate, 20/01/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/01/20/decrescimento-demoeconomico-com-elevacao-da-prosperidade-social-e-ambiental/
ALVES, JED. Decrescimento da população da China com crescimento da renda per capita, Ecodebate, 13/03/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/03/13/decrescimento-da-populacao-da-china-com-crescimento-da-renda-per-capita/
ALVES, JED. China apresenta crescimento econômico com decrescimento demográfico, Ecodebate, 20/02/2024 https://www.ecodebate.com.br/2024/02/20/china-apresenta-crescimento-economico-com-decrescimento-demografico/
GEM. China continues to lead the world in wind and solar, with twice as much capacity under construction as the rest of the world combined, Global Energy Monitor (GEM), July 2023
https://globalenergymonitor.org/wp-content/uploads/2024/07/GEM-China-wind-solar-brief-July2024.pdf
UN World Population Prospects 2024 https://population.un.org/wpp/
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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