Além dos eventos climáticos que agravam a seca, a redução da disponibilidade de água no Pantanal tem relação com ações humanas que degradam o bioma, como a construção de barragens e estradas, o desmatamento e as queimadas. © Silas Ismael / WWF-Brasil
Estudo revela que Pantanal enfrenta a maior seca desde 1979, com níveis de água críticos e riscos de incêndios. Saiba mais sobre a crise hídrica de 2024
Estudo inédito revela que o Pantanal não teve período de cheia este ano, o que indica que a estiagem de 2024 tende a ser a mais grave dos últimos 5 anos
O Pantanal está enfrentando desde 2019 o período mais seco das últimas quatro décadas e a tendência é que 2024 tenha a pior crise hídrica já observada no bioma, de acordo com um estudo inédito. Os resultados revelam que o Pantanal não teve período de cheia em 2024: nos primeiros quatro meses do ano, quando deveria ocorrer o ápice das inundações, a média de área coberta por água foi menor que a do período de seca do ano passado.
“De forma geral, considera-se que há uma seca quando o nível do Rio Paraguai está abaixo de quatro metros. Em 2024, essa medida não passou de um metro. O nível do Rio Paraguai nos cinco primeiros meses deste ano esteve, em média, 68% abaixo da média esperada para o período”, afirma Helga Correa, especialista em conservação do WWF-Brasil. “O que nos preocupa é que de agora em diante o Pantanal tende a secar ainda mais até outubro. Nesse cenário, é preciso reforçar todos os alertas para a necessidade urgente de medidas de prevenção e adaptação à seca e para a possibilidade de grandes incêndios”, declara.
Na Bacia do Alto Rio Paraguai, onde se situa o Pantanal, a estação chuvosa ocorre entre os meses de outubro e abril, e a estação seca, entre maio e setembro. De acordo com o estudo, entre janeiro e abril de 2024, a média da área coberta por água foi de apenas 400 mil hectares, em pleno período de cheias, abaixo da média de 440 mil hectares registrada na estação seca de 2023.
O estudo foi encomendado pelo WWF-Brasil e realizado pela empresa especializada ArcPlan, com financiamento do WWF-Japão. Seu diferencial em relação a outras análises baseadas em dados de satélite é o uso de dados do satélite Planet. “Graças à alta sensibilidade do sensor do satélite Planet, pudemos mapear a área que é coberta pela água quando os rios transbordam. Ao analisar os dados, observamos que o pulso de cheias não aconteceu em 2024. Mesmo nos meses em que é esperado esse transbordamento, tão importante para a manutenção do sistema pantaneiro, ele não ocorreu”, ressalta Helga, que é também uma das autoras do estudo.
Além dos dados do satélite Planet para o período a partir de 2021, a análise da situação do Pantanal se baseou também nos dados do MapBiomas, obtidos por meio do satélite LandSat, que possui menor resolução, mas cuja série histórica remonta a 1985. Os pesquisadores também analisaram os dados da régua de Ladário, que é uma das medidas mais antigas do nível do Rio Paraguai.
De acordo com os autores, os resultados apontam para uma realidade preocupante: o Pantanal está cada vez mais seco, o que o torna mais vulnerável, aumentando as ameaças à sua biodiversidade, aos seus recursos naturais e ao modo de vida da população pantaneira. A sucessão de anos com poucas cheias e secas extremas poderá mudar permanentemente o ecossistema do Pantanal, com consequências drásticas para a riqueza e a abundância de espécies de fauna e flora, com grandes impactos também na economia local, que depende da navegabilidade dos rios e da diversidade de fauna.
“O Pantanal é uma das áreas úmidas mais biodiversas do mundo ainda preservadas. É um patrimônio que precisamos conservar, por sua importância para o modo de vida das pessoas e para a manutenção da biodiversidade”, ressalta Helga.
Degradação e mudanças do clima
Além dos eventos climáticos que agravam a seca, a redução da disponibilidade de água no Pantanal tem relação com ações humanas que degradam o bioma, como a construção de barragens e estradas, o desmatamento e as queimadas, explica Helga: “As principais nascentes da bacia do Alto Rio Paraguai, que abastecem a planície pantaneira, estão situadas na área mais alta, no Cerrado. O que observamos no Pantanal este ano está muito conectado com impactos em toda essa região nas últimas décadas. As cabeceiras foram muito desmatadas e temos riscos de barramento dos rios. Esses eventos diminuem a capacidade do Pantanal de ter seus pulsos de inundação de forma natural”, declara Helga.
De acordo com Helga, diversos estudos já indicam que o acúmulo desses processos degradação, acentuados pelas mudanças climáticas, pode levar o Pantanal a se aproximar de um ponto de não-retorno – isto é, perder sua capacidade de recuperação natural, com perda abrupta de espécies a partir de um certo percentual de destruição.
Outra preocupação é que as sucessivas secas extremas e as queimadas por elas potencializadas afetam a qualidade da água devido à entrada de cinzas no sistema hídrico, causando mortalidade de peixes e retirando o acesso à água das comunidades. “É preciso agir de forma urgente e mapear onde estão as populações tradicionais e pequenas comunidades que ficam vulneráveis à seca e à degradação da qualidade da água”, diz ela.
Cheias cada vez menores
De acordo com a geógrafa Mariana Dias, analista de geoprocessamento na ArcPlan e também uma das autoras da Nota Técnica, nas imagens do LandSat, cada pixel equivale a uma área de 30 metros, enquanto o satélite Planet tem resolução bem mais refinada, com cada pixel representando quatro metros. “Conseguimos ver muito mais detalhes com o Planet, mas só temos os dados a partir de 2021. Os dados do MapBiomas, por outro lado, cobrem quase 40 anos, o que nos permite analisar tendências”, diz ela.
Segundo Mariana, além das variações anuais de secas e cheias, o Pantanal tem ciclos maiores, que podem durar vários anos, com secas mais severas e cheias menos expressivas, ou vice-versa. A análise do conjunto dos dados indica que o bioma entrou em um desses grandes períodos mais secos.
“Na década de 80, o Pantanal teve um período mais cheio, com áreas maiores ficando alagadas por mais tempo. O que estamos observando agora é que a área alagada nas cheias é cada vez menor. Então temos mais áreas ficando secas, com as áreas alagadas ficam úmidas por menos tempo. Tudo isso gera instabilidades no ecossistema”, comenta Mariana.
De acordo com ela, 2018 foi o último ano com uma grande cheia no Pantanal. “A partir de 2019, o bioma começou a ter o período mais seco que já observamos desde 1985. Combinando os dados do nível do Rio Paraguai em Ladário e as áreas máxima e mínima de superfície de água mapeadas pelo MapBiomas, mostramos que as cheias estão cada vez menores nos anos mais recentes”, declara ela.
Em 2020, já no período mais seco do Pantanal nas últimas quatro décadas, uma seca extrema atingiu o bioma, causando incêndios incontroláveis que consumiram um terço de sua área.
Maior perda de água: Corumbá
No período analisado pelo novo estudo, a partir de 2021, o ano com as maiores cheias foi 2023, quando foram registrados cerca de 660 mil hectares de superfície de água. Já os anos 2021 e 2022 tiveram superfície máxima de água de pouco mais de 520 mil hectares durante a estação cheia. Em 2024, a superfície máxima de água foi de apenas 430 mil hectares.
“Em 2021, um ano bastante seco, a cota máxima da régua de Ladário foi de 1,8 metro na estação chuvosa e de 1,7 metro na estação seca – os menores valores desde os anos 70. Em 2021 e 2022, todos os meses tiveram cotas menores que a média dos últimos 30 anos. E em 2024 a situação está ainda pior”, diz Mariana.
O estudo também mostrou que dos 15 municípios pantaneiros, apenas Ladário não apresentou redução da superfície de água em 2024, em comparação ao ano passado. Mesmo em uma comparação com 2021, o ano mais seco do período analisado, houve redução de superfície de água em quase todos os municípios.
Corumbá, que é o maior município do bioma, com área de 6,5 milhões de hectares, é também o que mais perdeu superfície de água em 2024, em comparação a 2021, segundo o estudo: uma redução de cerca de 20,4 mil hectares. Em segundo lugar em perda de superfície de água, Poconé teve redução de pouco mais de 18.205 hectares. “Corumbá ocupa cerca de 60% do bioma, por isso os dados do município são também uma espécie de resumo do que está ocorrendo no Pantanal. Mas em quase todos os municípios, 2024 pode ser um ano mais seco do que 2021, o mais seco da série analisada no estudo”, comenta Mariana.
Soluções
Na Nota Técnica, os autores do estudo destacam que o Pantanal precisa de Soluções Baseadas na Natureza e ações de prevenção e adaptação a eventos extremos, principalmente às secas e às altas temperaturas, a fim de evitar danos socioambientais permanentes.
A nota também traz uma série de recomendações, como:
Mapear as ameaças que causam maiores impactos aos corpos hídricos do Pantanal, considerando principalmente a dinâmica na região de cabeceiras.
Fortalecer e ampliar políticas públicas para frear o desmatamento.
Restaurar Áreas de Proteção Permanente (APP) nas cabeceiras, a fim de melhorar a infiltração da água e diminuir a erosão do solo e o assoreamento dos rios, aumentando a qualidade e a quantidade de água tanto no planalto quanto na planície.
Apoiar a valorização de comunidades, de proprietários e do setor produtivo que desenvolvem boas práticas e dão escala a ações produtivas sustentáveis.[2]
Além de Helga Correa e Mariana Dias, os demais autores da Nota Técnica “Alerta precoce para mitigar impactos da seca no Pantanal” são Marcos Reis Rosa, Eduardo Reis Rosa, Veronica Maioli, Cyntia Santos e Maria Eduarda Coelho.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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