A submissão ao agronegócio perpetua um modelo colonial de exportação de produtos primários, ignorando a sustentabilidade, a reforma agrária e a agroecologia.
Por Henrique Cortez
O governo (este e todos os anteriores) sempre demonstra permanente submissão aos interesses do agronegócio de exportação, principalmente os pecuaristas e sojicultores que, aliados aos grandes grupos econômicos e financeiros, apenas percebem os ativos ambientais como recursos econômicos a serem livremente apropriados.
O manejo sustentável dos recursos naturais, a agroecologia, a agricultura familiar e a reforma agrária não estão na agenda de compromissos dos grandes interesses econômicos e, por consequência, também não estão no centro das políticas públicas.
Nesta lógica, o governo mantém a opção pelo incentivo à produção e exportação de produtos primários como cláusula pétrea da economia nacional. Isto ficou ainda mais evidente no acordo Mercosul-UE, no qual, ficamos apenas com o que já somos, uma neocolônia exportadora de produtos primários.
Como em outras áreas, é a versão século XXI do modelo colonial, no qual as colônias exportavam produtos primários (com pequeno valor agregado) para beneficiamento pelas metrópoles, as quais os processavam e reexportavam (com grande valor agregado).
Foi assim que as colônias financiaram o desenvolvimento dos países colonialistas e ainda é assim que os países em desenvolvimento financiam os países que se dizem desenvolvidos.
A bancada ruralista, eterna aliada ao que há de pior no Congresso, reiteradas vezes, provou o seu imenso poder político e econômico, impondo a orientação das políticas públicas, mesmo quando elas serão desastrosas no longo prazo.
O empenho ruralista em impedir avanços sociais no campo, como demarcações de terras indígenas, de territórios quilombolas e efetivação da reforma agrária, é público e notório. Tudo em nome da preservação de previlégios e subsídios, garantindo expansão das áreas de cultivo e pecuária, a qualquer custo social e ambiental.
É indiscutível a pressão que a bancada ruralista faz pela permanente ‘flexibilização’ da legislação socioambiental e até mesmo da Constituição, sempre argumentando pela necessidade de ampliar a produção de alimentos, como se já não produzíssemos mais do que o suficiente para consumir e exportar milhões de toneladas, mesmo com um desperdício médio de 35% do que produzimos.
No Brasil e no mundo não faltam alimentos, mas as pessoas passam fome porque não tem dinheiro suficiente para comprá-los.
O modelo agrícola brasileiro, baseado na agropecuária intensiva e extensiva, ainda é um reflexo do modelo de aplicado desde a ocupação colonial.
A agricultura e seus marcos legais podem e devem ser modernizados, incorporando os novos conceitos, tecnologias, além de conhecimentos científicos e tradicionais, acumulados ao longo das últimas décadas. Mas modernização é algo completamente diferente do que o proposto pela bancada ruralista, que reafirma as práticas do inicio do século 20. Uma ‘modernização’ que, mais uma vez, nos colocará na vanguarda do atraso.
O acordo Mercosul-UE comprova que esta agenda desenvolvimentista continuará intocada, quaisquer que sejam os danos sociais ou ambientais do modelo equivocado de desenvolvimento. A estrutura ambiental governamental continuará a enxugar gelo, enquanto cumpre o papel de objeto cênico, um ‘biombo’ verde excelente para o discurso internacional, mas sem peso político nas grandes decisões internas.
Mas não podemos negar a nossa responsabilidade por tudo isso. Nossa omissão, nossa ausência nas discussões sobre o nosso futuro, permitem que esta situação se agrave cada vez mais. Podemos e devemos resistir ao avanço do ‘trator’ ruralista e de sua agenda ambientalmente insustentável.
Além disso, cotidianamente, precisamos iniciar as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minérios e agropecuária. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.
Ou questionamos e encontramos um outro modelo de desenvolvimento ou continuaremos no modelo colonial de exportação de produtos primários. É o que fazemos desde o descobrimento (apenas mudamos de geração dos senhores ao longo do tempo) e ainda não chegamos lá.
Nesse ritmo, o país se consolidará como a “Fazendona Brasil”, a neocolônia que preferiu abandonar o seu futuro para tornar-se o “celeiro do mundo”.
Parafraseando o jornalista e ambientalista Washington Novaes, se devastação e exploração irracional de recursos naturais levasse ao desenvolvimento, já seríamos o mais rico e desenvolvido país do mundo.
Henrique Cortez, jornalista e ambientalista, editor do EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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