Metas demográficas e o Cairo + 20, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Existe um tabu em relação à ideia de metas demográficas. Este tabu é justificável, pois regimes autoritários já colocaram em prática metas de crescimento ou controle da população, com efeitos desastrosos. Ao longo da história, o genocídio sempre foi utilizado como uma arma de guerra. O caso mais dramático do uso da manipulação demográfica e de prática eugênicas ocorreu no Nazismo, quando Hitler incentivava o crescimento demográfico das raças arianas e promovia o controle ou a eliminação de raças indesejadas (vide o Holocausto e a solução final contra os judeus). Em termos de controle da população, um dos casos mais draconianos é o que ocorre atualmente, pois a China tem uma política de filho único que tem gerado grandes violações aos direitos reprodutivos e provocado o fetocídio feminino e o femicídio de crianças. Como resultado prático, a China possui grande desequilíbrio na razão de sexo da população e um grande déficit de mulheres.
Mas ao longo da história, os casos mais frequentes são aqueles de manipulação pró-natalista em favor da grandeza populacional e econômica das nações. O mais consolidado lema dos dirigentes da América Latina sempre foi “governar é povoar”. Capitalistas, militares e religiosos sempre foram a favor de uma população grande com oferta ilimitada de mão-de-obra e jovens para servir de bucha de canhão nas guerras “patrióticas”. Praticamente todos os hinos nacionais falam em “morrer pela pátria” e defendem os territórios conquistados. O controle de um grande mercado interno é o sonho de todos capitalistas, militares e nacionalistas.
Durante a maior parte da história, a humanidade deu prioridade ao crescimento populacional. Isto acontecia porque as taxas de mortalidade eram altas e as sociedades se organizavam para que as mulheres casassem cedo e tivessem muitos filhos, durante o período reprodutivo que era abreviado pelas altas taxas de mortalidade materna e pela baixa esperança de vida.
Porém, tudo mudou com a transição demográfica, que começou com a queda nas taxas brutas de mortalidade e pelo grande aumento da esperança de vida. Como existe um hiato entre a queda da mortalidade e da natalidade, sempre ocorre um período de aceleração da população.
Mas as taxas de fecundidade do mundo começaram a cair e passaram de 5 filhos por mulher em 1950 para 2,5 filhos por mulher em 2010. Metade da população mundial já está com taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição. E o mais importante foi que isto aconteceu, em geral, em um quadro de liberdade e de auto-determinação reprodutiva, respeitando-se os direitos reprodutivos. De regra, quanto maior é o grau de cidadania de um país, menor são as taxas de fecundidade.
A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em setembro de 1994, na cidade do Cairo, no Egito, aprovou o Plano de Ação (PoA) – valido por 20 anos – que se tornou uma referência fundamental para as políticas de população e para os direitos sexuais e reprodutivos em todo o mundo. Os parágrafos 3.14 e 3.15 colocam claramente que a queda da fecundidade é fundamental para garantir a erradicação da pobreza, para o aumento da qualidade de vida e para a proteção do meio ambiente; colocando também a necessidade de estabilização da população:
“3.14 Estão se fortalecendo mutuamente os esforços para diminuir o crescimento demográfico, para reduzir a pobreza, para alcançar o progresso econômico, melhorar a proteção ambiental e reduzir sistemas insustentáveis de consumo e de produção. Em muitos países, o crescimento mais lento da população exigiu mais tempo para se ajustar a futuros aumentos demográficos. Isso aumentou a capacidade desses países de atacar a pobreza, proteger e recuperar o meio ambiente e lançar a base de um futuro desenvolvimento sustentável. A simples diferença de uma única década na transição para níveis de estabilização da fecundidade pode ter considerável impacto positivo na qualidade de vida. 3.15 O crescimento econômico sustentado é essencial, no conceito de desenvolvimento sustentável, para a erradicação da pobreza. A erradicação da pobreza contribuirá para reduzir a velocidade do crescimento demográfico e para se chegar de imediato, a uma estabilização da população”.
Mas a despeito desta meta demográfica, a população mundial que era de 5,6 bilhões de habitantes, em 1994, deve chegar a 7,2 bilhões em 2014. Portanto, segundo a divisão de população da ONU, em 20 anos, a população mundial terá crescido 1,6 bilhões de habitantes. Isto é mais do que todo o crescimento da história da humanidade até o ano de 1900. Evidentemente, é impossível manter este crescimento exponencial em um Planeta finito. Esta é uma questão que o processo de revisão da CIPD do Cairo + 20 não pode ignorar.
As taxas de fecundidade no mundo cairam pela metade entre 1950 e 2010. Se a parcela minoritária de países que estão com fecundidade muito elevada promoverem a redução da fecundidade para o nível de reposição (2,1 filhos por mulher), então a estabilização da população mundial poderá ocorrer antes de 2050. O crescimento populacional até 8 bilhões de habitantes já está encomendado, devido à inércia demográfica. Mas a estabilização pode vir antes dos 9 bilhões de habitantes, se o tamanho médio das famílias ficar em torno de 2 filhos. Em 1990-95 a taxa de fecundidade do mundo era de 3,1 filhos por mulher e deve ficar em 2,45 no quinquênio 2010-15. Portanto, falta pouco para se chegar ao nível de reposição.
A auto-limitação da população humana representa uma mudança da prioridade do crescimento quantitativo para a prioridade no crescimento da qualidade de vida. Trata-se de fazer a opção da prosperidade sem crescimento, ou seja, ao invés de ter muitos filhos, os casais trocam a quantidade de filhos pela qualidade dos filhos. Do ponto de vista microeconômico, famílias menores possibilitam filhos com maiores níves de educação, mulheres com maior inserção produtiva na vida pública e maior mobilizadade social ascendente. Do ponto de vista macroeconômico, a queda da fecundidade cria um bônus demográfico que possibilita maiores investimentos na qualidade de vida e na proteção social.
A estabilização da população é considerada fundamental para a estabilização da economia mundial. Se a população mundial se estabilizasse, por exemplo, em torno de 9 bilhões de habitantes durante o terceiro milênio, então o foco passaria ser no modelo de produção e consumo para tornar possível a sustentabilidade desta população, em harmonia com a natureza e as outras espécies do Planeta.
O crescimento das atividades antrópicas tem provocado uma grande degradação do meio ambiente. Além da poluição dos rios, lagos, oceanos e do solo, milhares de espécies são extintas todos os anos. Estabilizar a população e o consumo humano é fundamental para salvar o meio ambiente e possibilitar a recurperação dos ambientes degradados. A legislação internacional tornou o genocídio um crime contra a humanidade. Agora falta tornar o ecocídio um crime contra a natureza e o Planeta. Portanto, a estabilização da população mundial e a defesa do meio ambiente são metas que a humanidade precisa abraçar, de forma democrática, livre e com respeito aos direitos humanos, em nome da qualidade de vida não só da humanidade, mas de todos os seres vivos da biodiversidade da Terra.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 29/08/2012
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