Pessimista com os rumos do ajuste fiscal e com a economia brasileira no longo prazo, o economista Yoshiaki Nakano identifica uma fagulha de esperança: o pragmatismo das classes ascendentes. Comparando o ajuste brasileiro com os casos bem-sucedidos da história, Nakano lamenta a alta dos juros, a falta de um corte mais drástico de despesas públicas e a garantia para o empresariado de que o real não vai voltar a se apreciar.
A entrevista é de Diego Viana, publicada pelo jornal Valor, 27-03-2015.
Nakano, que foi tesoureiro e secretário do governo estadual paulista de 1995 a 2001, secretário especial do Ministério da Fazenda e consultor do Banco Mundial, teme também que o país fique enredado na "armadilha da renda média", sem forças para aumentar produtividade e integrar-se em cadeias globais de valor. Mas os novos consumidores no país permitem ao economista manifestar algum otimismo: são eleitores avessos à inflação e dispostos a reivindicar melhores serviços públicos.
Luis Ushirobira/ValorNakano: "O mundo se reorganizou nos últimos 40 anos e perdemos o bonde".
Diretor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, Nakano fala da metodologia que a escola adota para aumentar a fixação de conhecimentos pelos alunos. O método de aprendizagem por problemas recusa as tradicionais aulas expositivas e obriga os estudantes a reter o conteúdo ao explicar uns para os outros o que aprenderam.
Eis a entrevista.
Desde 2013, o sr. tem argumentado sobre a necessidade do ajuste fiscal. Como avalia o ajuste tal como proposto?
Não sou otimista com o ajuste que está sendo feito. A maior parte dos ajustes bem-sucedidos tem três componentes. Uma política cambial com regras críveis, forte contração da despesa, de no mínimo 3% do PIB, e juros baixos para estimular investimento e consumo. A economia se recupera rapidamente. Ajustes que aumentam impostos normalmente não dão certo. A primeira etapa costuma ser a desvalorização cambial que aponta para o empresariado - se o câmbio permanecer competitivo, vai ter condições de exportar. Depois do ajuste cambial, que dá o estímulo à economia, tem o problema do impacto inflacionário. Aí vem o ajuste fiscal: cortam-se despesas do governo, o que dá credibilidade e segura a inflação.
Bem ou mal, desvalorização estamos tendo.
No nosso caso, ninguém tem segurança de que o câmbio vai ficar nesse nível. O empresário brasileiro demora pelo menos dois anos para responder a um ajuste cambial. Nenhum empresário está fazendo operações de adiantamento de câmbio. Todo mundo está esperando para ver o que acontece.
Se o câmbio se mantiver nesse nível, a indústria tem fôlego para se recuperar ou a desindustrialização é irreversível?
Tem fôlego para um longo processo de recuperação, mas o problema de longo prazo é mais complicado. O mundo se reorganizou nos últimos 40 anos e perdemos o bonde. A integração da indústria se deu com ampliação de cadeias globais de valor agregado. Todo esse processo da década de 80 para cá se deu por meio de acordos de livre comércio. Ficamos fora. Só fizemos o Mercosul, o clube dos não competitivos, que não tiveram coragem de fazer um projeto de país. Se temos dificuldade de fazer um mísero ajuste fiscal, imagina mudar toda a estrutura industrial. Nossa economia é fechada e vai continuar assim. Mas uma coisa pelo menos já aconteceu: a indústria brasileira em 1980 era contra qualquer negociação de livre comércio. Hoje, é a favor. O governo é que não é.
Os Estados Unidos preparam elevação dos juros, o que provoca alta do dólar ao redor do mundo. Quando os EUA elevaram os juros em 1979, o Brasil quebrou. Como isso refletirá em nós desta vez?
Teremos o mesmo problema. Se tiver conta de capital totalmente livre, vai ter saída súbita de dólares. Mas os EUA estão numa armadilha e a Europa está entrando na mesma: a armadilha do afrouxamento monetário. Em 2013, só de [Ben] Bernanke [ex-presidente do Fed] falar que pararia de comprar títulos no longo prazo, o juro disparou e deu confusão. Estão postergando tanto quanto podem. O afrouxamento torna a base monetária maior do que precisaria ser: são sobras de reservas bancárias que os bancos não conseguem emprestar por falta de demanda de crédito. As empresas preferem pagar a dívida a investir, sabendo que a economia vai crescer devagar.
O sr. comentou também sobre a necessidade de reformas e enfatizou a reforma política, porque as classes emergentes não se sentem refletidas nos partidos.
Ainda não perdi a esperança neste país porque existe essa classe emergente, que, diferentemente da classe média tradicional, é pragmática. Vai reagir em função do bolso. O que querem? Emprego, inflação baixa, melhorar as condições de vida, poder consumir. Quando a política de um país adquire um componente pragmático, e isso hoje constitui a maioria da população, adquire fator de racionalidade. É a economia que interessa, é o emprego, inflação baixa. E isso pode mudar o país. Por exemplo, a carga tributária: finalmente a população está descobrindo que paga muito imposto.
A Eesp está adotando novo método de ensino no momento em que, no mundo todo, as escolas de economia são questionadas por seus alunos. Isso vem desde o manifesto pós-autista, há mais de dez anos, e culmina com greves estudantis nos EUA e no Reino Unido.
Um dos problemas é que a economia se "matematizou". Tudo o que a economia diz ficou restrito ao campo da lógica formal, mas os fenômenos econômicos, sociais e políticos não são redutíveis à lógica formal. Outra razão é que o ensino da economia é desastroso. Adota-se, particularmente no Brasil, um modelo de ensino ultrapassado: aulas expositivas. A capacidade do aluno de reter o que o professor diz é muito baixa. Depois de um mês, ele lembra no máximo 5%.
A crise do ensino de economia se reflete no mercado de trabalho?
As empresas não procuram tanto o conhecimento específico da área de formação, mas uma série de outras habilidades: capacidade de comunicação, resolução de problemas, análise, tomada de decisão, trabalho em grupo, liderança. No nosso método, para cada tópico que o professor ensina há um problema do mundo real. O aluno deve destrinchar, interpretar, analisar. Isso desenvolve a capacidade analítica. O aluno toma o particular para pensar o universal e volta do geral para o particular. Ele se torna um verdadeiro economista, não alguém que tenta resolver um problema pelo senso comum.
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos
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