O que dizem da energia limpa e quem fica com o ‘menor impacto’, artigo de Lou-Ann Kleppa
Publicado em março 31, 2015
[Amazônia Real] Em dois documentários feitos sob a perspectiva dos atingidos pela indústria eólica – um realizado pelo CPT (Conselho Pastoral da Terra) Bahia, Energia Eólica: a caçada pelos ventos! (2013) e outro, Vento Forte, realizado pelo CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores) e lançado esse ano – acompanhamos os relatos dos danos ambientais e sociais causados pelas (várias) empresas de geração de energia eólica.
Para quem acompanhou as transformações causadas pelas usinas hidrelétricas, o esquema se repete: contratos abusivos, audiências públicas de fachada, devastação da flora e fauna, controle sobre a água (ao menos no período da construção), desapropriação e remoção de comunidades tradicionais.
Assim como no caso das hidrelétricas no Madeira se propalava que usinas a fio d’água eram sinônimo de energia limpa, o senso comum diz que as usinas eólicas também geram energia limpa. A fonte é renovável, não é? Falar de “impacto” é pouco, porque o dano não pode mais ser mitigado. Trata-se de transformações em que o desgaste provocado é irreversível. A remoção de pessoas é uma constante. A disputa por territórios é perpetuada. Grandes obras de infraestrutura implicam em remoções forçadas de comunidades inteiras, sejam obras para a Copa, as Olimpíadas, ou para geração de energia. Para onde vai essa energia toda?
A energia produzida ali não se destina ao entorno. Assim como Santo Antônio e Jirau tiveram sérios problemas em relação às linhas de transmissão, as usinas eólicas estão criando elefantes brancos mal planejados. Aqui se aplica bem a frase perolar proferida por um colega: “Primeiro atiram a flecha, depois correm com o alvo, pra tentar fazer a flecha acertar o alvo.”
Com tais “regras do jogo”, não há nenhuma fonte limpa. 31 novas usinas solares foram contratadas pelo Governo em leilão realizado no ano passado. A novíssima fonte se reúne à matriz energética nacional repisando os trilhos da concentração econômica, licenciamento e instalação compulsórias nos locais mais propícios à maximização da geração, o que significa novas levas de remoções sumárias e efeitos ambientais “imprevistos”.
Não estamos fazendo opção por fontes com “menor impacto”. Todas as fontes estão sendo inventariadas para serem utilizadas extensivamente, como demonstra o projeto de expansão do parque nuclear brasileiro no vale do rio São Francisco, ou as dezenas de novas hidrelétricas na Amazônia, projetadas para serem instaladas até 2018. A escolha já foi feita em nome dos conglomerados eletrointensivos que ficam muito contentes em poderem ostentar selos de “sustentabilidade”. Os documentários anunciam uma nova geração de moinhos de gente, que mesmo assim se apresentam como negócios limpos.
No modelo que temos hoje, a indústria eletrointensiva é a maior consumidora de energia, e sua demanda é infinita: nunca se produziu tanta energia no Brasil e nunca se pagou tão caro por ela. Tem alguma coisa errada nessa conta. Será que, com nosso poder de organização e planejamento, não somos capazes de repensar esse modelo predatório de geração de energia?
Lou-Ann Kleppa, que está publicando artigo neste site como colunista convidada, é professora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), graduada em Letras pela Universidade de São Paulo, tem mestrado e doutorado em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (SP), e doutorado sanduíche em Neurolingüística pela Radboud University Nijmegen. Foi diretora do documentário “Entre a cheia e o vazio”.
Artigo originalmente publicado no Amazônia Real e reproduzido pelo Portal EcoDebate, 31/03/2015
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